Abstinência sexual não reduz gravidez indesejada nos EUA
Enviado: 07 Set 2008, 12:28
"O Globo" 07/09/08
Fogo amigo contra o ensino da abstinência
Marília Martins - Correspondente
NOVA YORK. Depois que a gravidez da filha de 17 anos de Sarah Palin tornou-se tema de debate nacional nos EUA, uma polêmica política educacional do governo Bush voltou à berlinda: os programas de incentivo à abstinência sexual nas escolas, que consome US$ 175 milhões por ano do orçamento.
A governadora do Alasca tem um perfil conservador: evangélica fervorosa, antifeminista, contra o aborto, contra o casamento gay e defensora do criacionismo — a interpretação de que não houve evolução por seleção natural, mas que os seres humanos foram criados por Deus.
Sarah é também ardorosa defensora do programa de promoção da abstinência sexual antes do casamento, recomendado pelo governo Bush para as escolas públicas.
E, por isto mesmo, torna-se ainda mais emblemático que sua filha Bristol, de 17 anos, tenha engravidado do namorado, Levi Johnston, de 18.
— Não consideramos apropriado comentar a vida pessoal dos candidatos em campanha, mas neste caso ficou evidente uma total discrepância entre a conduta pessoal e as posições políticas da governadora do Alasca — comenta Samantha Levine, líder do Naral, um grupo feminista de Nova York. — E ela ainda cortou verbas de programas assistenciais para adolescentes grávidas, a fim de investir mais no incentivo à abstinência sexual nas escolas públicas do Alasca. Pelo visto, em casa, não deu certo… Uma em cada três adolescentes ficam grávidas Segundo Samantha, os eleitores que viram a convenção republicana pela TV querem saber como Sarah Palin explica o fato de sua filha ter tido relações sexuais antes do casamento.
— A impressão geral é de que este programa de abstinência serve para deixar de informar aos adolescentes como evitar a gravidez. E que pode ter conseqüências nefastas, como reduzir o nível de informação dos adolescentes sobre como evitar o contágio de doenças sexualmente transmissíveis, entre elas a Aids — acrescenta ela.
Uma em cada três americanas ficam grávidas antes do 20 anos, de acordo com pesquisa recente do Censo americano.
E a filha de Sarah Palin entrou numa estatística que costuma servir de base para os que defendem a volta dos programas de educação sexual, com informações sobre métodos anticoncepcionais, relações homossexuais e sobre prevenção de doenças sexualmente transmissíveis aos currículos das escolas públicas.
A decisão de aderir ou não ao programa de incentivo à abstinência sexual depende de cada governo estadual. Quarenta estados americanos aderiram à política adotada pelo presidente Bush, mas 25 já reviram a posição.
Os estados com maiores índices de adolescentes grávidas são Texas, Novo México, Mississippi, Arizona e Arkansas. E os de mais baixo índice são New Hampshire, Vermont, Maine e Massachusetts.
Os programas de incentivo à abstinência, que em 2002 custavam US$ 9 milhões do orçamento federal, passaram a US$ 175 milhões no ano passado. Com base nestes dados, o sociólogo Frank Furstenberg, da Universidade da Pensilvânia, comparou os índices de gravidez em cada estado americano e os de renda, avaliando que haveria uma relação entre menor poder aquisitivo familiar e maior índice de gravidez entre adolescentes.
Ele descobriu que, em todos os estados com alto índice de gravidez entre adolescentes, houve uma ampla adesão ao programa de incentivo à abstinência nas escolas públicas, o que sugere que a adoção do sistema foi ineficaz como forma de prevenção.
— Os EUA são um país de tradição puritana e nos últimos oito anos tivemos o sistema público de ensino dando suporte a programas educacionais de incentivo à abstinência que nada mais fizeram do que elevar a desinformação dos adolescentes.
Foi um tremendo fracasso porque incentivou-se apenas o silêncio em torno de temas sexuais.
Virou tabu falar de sexo nas escolas com os estudantes — avalia Stephen Conley, diretor executivo da Associação Americana de Professores de Educação Sexual.
Conley, que é um estudioso dos efeitos dos programas de abstinência, diz que eles foram ineficazes para reduzir o número de adolescentes grávidas: — Os estados já perceberam que isso não é bom para a saúde pública e 25 já voltaram atrás. O próprio estado de Sarah, o Alasca, voltou atrás.