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O Dinheiro do Papa

Enviado: 07 Out 2008, 12:39
por DIG
Rodrigo Constantino

“O problema com o catolicismo brasileiro é que entende de menos o Mercado e reverencia demais o Estado; seu desamor aos ricos excede seu amor aos pobres.” (Roberto Campos)

A crise financeira atual chegou a um patamar tão preocupante que até o Papa resolveu dar “pitaco”. O Papa Bento XVI disse que a crise financeira global prova a futilidade da corrida para o sucesso e para o dinheiro e que a fé em Deus é melhor do que passar a vida a procurar riqueza material. Algumas pessoas mais maliciosas poderiam alegar que Sua Santidade adota uma postura oportunista, tentando angariar novas almas desesperadas para seu rebanho. Afinal, como disse Sebastien Faure, “as religiões são como pirilampos: só brilham na escuridão”. Mas talvez seja maldade comparar o Papa ao Bispo Macedo, cuja Igreja Universal costuma agir justamente feito urubu em busca de carniça, vendendo conforto aos desesperados. No entanto, é preciso ser sincero e constatar que a Igreja Católica não tem sido uma amiga muito fiel dos que pretendem sair da pobreza.

Em primeiro lugar, a incoerência do discurso do Papa frente à riqueza (bem material) que o Vaticano exala chama a atenção dos mais céticos. Quando arquitetos, artistas e colunistas milionários defendem as maravilhas socialistas do conforto de suas mansões, não temos dificuldade em detectar a hipocrisia gritante. Por que seria diferente no caso do Papa? Como não gosto de dois pesos e duas medidas, prefiro adotar um critério imparcial de julgamento. E a verdade é que parece muito fácil falar que não precisa quando se tem. Para o Papa, que vive no conforto do Vaticano, deve ser fácil desmerecer a busca pelo conforto material. Por que Sua Santidade não cede sua luxuosa residência aos que perderam suas casas especulando para sair dos casebres dos guetos? Por que a Igreja Católica, conhecida latifundiária, não cede seus terrenos para a moradia dos miseráveis? Por que não vende parte de seu ouro, agora que ele subiu de preço, para garantir abrigo e comida para os mais pobres? Pregar o altruísmo passando o chapéu para recolher recursos alheios é fácil. Assim como falar da futilidade da riqueza material quando se vive no maior conforto material.

Muitos conservadores brasileiros criticam a Teologia da Libertação, marxista até a alma, ou mesmo a CNBB, tomada por bispos esquerdistas. Mas o fato é que podemos encontrar similaridades entre a própria Igreja Católica e o socialismo. Esse ataque à riqueza material é apenas um exemplo. Na própria Bíblia temos a seguinte passagem: “A teu irmão não emprestarás com juros nem dinheiro, nem comida, nem qualquer coisa que se empreste com juros” (Deuteronômio 23:19). Ora, todos sabem que a Igreja sempre condenou a usura, e por séculos foi assim, dificultando o funcionamento do crédito entre poupadores e investidores. A ignorância sobre como o livre mercado produz riqueza de forma impessoal acaba levando a esta postura tola, que deposita tudo no altruísmo. Muito melhor seria ler Adam Smith, ao constatar em 1776 que não é da benevolência do açougueiro que temos comida, mas sim da busca de seus próprios interesses. O juro é apenas um preço de mercado, como outro qualquer, permitindo o encontro entre aqueles que possuem diferentes preferências intertemporais. Alguns poupam parte da renda, gastando menos do que ganham, e outros precisam de mais recursos do que disponibilizam. O ataque ao empréstimo com juros é o ataque à própria criação de riqueza.

Para quem ainda não se convenceu da simbiose possível entre catolicismo e socialismo, sugiro a leitura da Encíclica Populorum Progressio, escrita pelo Papa Paulo VI, antecessor de João Paulo II e que fala em nome do Vaticano. Em uma das passagens, o Papa diz que é lamentável que o sistema da sociedade tenha sido construído considerando o lucro como um motivo chave para o progresso econômico, a competição como a lei suprema da economia, e a propriedade privada dos meios de produção como um direito absoluto que não tem limites e não corresponde à “obrigação social”. Em outras palavras, o Papa lamentou que o capitalismo de livre mercado predominasse em relação ao socialismo. Os interesses coletivos, seja lá quem os define, estariam acima do direito de propriedade privada, o que torna indivíduos sacrificáveis pelo “bem comum”. O Papa ignora que, no livre mercado, o lucro é fruto do bom atendimento da demanda dos consumidores, ou seja, é o indicador de que os indivíduos, através de trocas voluntárias, estão satisfeitos. Todos sabem o que aconteceu nos países que tentaram abolir o lucro, a competição e o direito de propriedade privada. O resultado foi a miséria, a escravidão e o terror. São conseqüências inexoráveis do socialismo colocado em prática.

Como resposta ao Papa e todos os católicos que ainda condenam o dinheiro, segue uma parte do discurso de um dos personagens principais de Atlas Shrugged, famosa novela de Ayn Rand:

“Então o senhor acha que o dinheiro é a origem de todo o mal? O senhor já se perguntou qual é a origem do dinheiro? O dinheiro é um instrumento de troca, que só pode existir quando há bens produzidos e homens capazes de produzi-los. O dinheiro é a forma material do princípio de que os homens que querem negociar uns com os outros precisam trocar um valor por outro. O dinheiro não é o instrumento dos pidões, que pedem produtos por meio de lágrimas, nem dos saqueadores, que os levam à força. O dinheiro só se torna possível através dos homens que produzem. É isto que o senhor considera mau? Quem aceita dinheiro como pagamento por seu esforço só o faz por saber que ele será trocado pelo produto de esforço de outrem. Não são os pidões nem os saqueadores que dão ao dinheiro o seu valor. Nem um oceano de lágrimas nem todas as armas do mundo podem transformar aqueles pedaços de papel no seu bolso no pão de que você precisa para sobreviver. Aqueles pedaços de papel, que deveriam ser ouro, são penhores de honra; por meio deles você se apropria da energia dos homens que produzem. A sua carteira afirma a esperança de que em algum lugar no mundo a seu redor existem homens que não traem aquele princípio moral que é a origem da produção? Olhe para um gerador de eletricidade e ouse dizer que ele foi criado pelo esforço muscular de criaturas irracionais. Tente plantar um grão de trigo sem os conhecimentos que lhe foram legados pelos homens que foram os primeiros a plantar trigo. Tente obter alimentos usando apenas movimentos físicos, e descobrirá que a mente do homem é a origem de todos os produtos e de toda a riqueza que já houve na terra.”

Entre o dinheiro do Papa e o dinheiro de Ayn Rand, eu não tenho a menor dúvida de qual merece mais respeito. Quem condena a riqueza material não é amigo verdadeiro dos pobres, e sim da pobreza.


http://rodrigoconstantino.blogspot.com/

Re: O Dinheiro do Papa

Enviado: 08 Out 2008, 17:54
por Lúcifer
Muito verdadeiro e profundo.