Entrevista Luc Ferry: A família virou sagrada

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Entrevista Luc Ferry: A família virou sagrada

Mensagem por Acauan »

REVISTAS VEJA, edição 2083, 22 de outubro de 2008


Entrevista Luc Ferry
A FAMÍLIA VIROU SAGRADA

O filósofo francês que se tornou best-seller ao expor suas idéias de forma simples diz que os filhos tomaram o lugar da fé e das ideologias na vida espiritual do homem moderno


Gabriela Carelli

Pierre Verdy/AFP
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O francês Luc Ferry, de 57 anos, é um caso raro de filósofo que transforma seus livros em best-sellers. Sua obra Aprender a Viver, lançada em 2006, vendeu 700 000 exemplares, 40 000 deles no Brasil. Seu segredo é combinar formação acadêmica sólida com um texto leve e bem-humorado. Ferry se alinha com o chamado humanismo secular. Essa corrente da filosofia propõe o uso da razão crítica em vez da fé na busca de respostas para os assuntos que mais intrigam a humanidade, como o amor, a morte e a procura da felicidade. Ferry também atua na política. Como ministro da Educação da França de 2002 a 2004, foi o mentor da polêmica lei que baniu o uso de véu pelas estudantes muçulmanas nas escolas públicas francesas. Atualmente, ele não ocupa cargo oficial, mas sabe-se que o presidente francês Nicolas Sarkozy costuma ouvir suas opiniões com atenção. A nova obra de Ferry, Famílias, Amo Vocês, acaba de chegar às livrarias brasileiras. Nela, o filósofo defende a idéia de que a família é a única coisa que resta de sagrado no mundo. Ferry deu a seguinte entrevista a VEJA.

Em seu novo livro, Famílias, Amo Vocês, o senhor argumenta que a família substituiu a religião como entidade sagrada no mundo moderno. Isso não contradiz a constatação do aumento no número de fiéis em diversas igrejas de todo o mundo?
Essa corrida para as igrejas não chega nem perto do que acontece quando o assunto é família. Pergunte aos milhões desses novos fiéis se eles morreriam pelo seu deus. A resposta será não. A família é a única entidade realmente sagrada na sociedade moderna, aquela pela qual todos nós, ocidentais, aceitaríamos morrer, se preciso. Os únicos seres pelos quais arriscaríamos a vida no mundo de hoje são aqueles próximos de nós: a família, os amigos e, em um número bem menor, pessoas mais distantes que nos causam grande comoção. No século XX, o ser humano virou sagrado.

O que o senhor considera sagrado?
Para entender o que é sagrado é preciso conhecer a história do sacrifício, ou seja, por quais razões os humanos já aceitaram sacrificar a própria vida. No fundo, esse é o significado do sagrado: algo pelo qual vale a pena morrer. O homem abriu mão da vida por três grandes causas através dos tempos: por Deus, pela pátria e pelas revoluções. Matou e provocou a morte de milhões de pessoas em guerras religiosas, batalhas nacionalistas e embates revolucionários. Hoje, no Ocidente, ninguém mais aceita morrer por um deus, um país ou um ideal. Há, sim, religiosos extremistas no Islã. Há gente na Chechênia ou na Ossétia disposta a morrer pela nação. Mas garanto que não há cidadãos com tais intenções na Alemanha, na França ou nos Estados Unidos. Em contrapartida, não conheço pai que não arriscaria a vida por seus filhos. Os filhos se tornaram o principal canal para o homem tentar transcender espiritualmente. As crianças substituíram as instituições despedaçadas que citei acima.

Os pais de antigamente amavam menos seus filhos que os de hoje?
O amor dos pais pelos filhos é instintivo e descrito desde a Antiguidade em mitos e lendas. Esse sentimento, porém, estava longe de ser uma prioridade para os casais. O escritor francês Michel de Montaigne (1533-1592), celebrado como grande humanista, confessou não se lembrar do número exato de filhos seus que morreram enquanto ainda eram amamentados. O filósofo suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), um dos próceres do Iluminismo, abandonou seus cinco filhos sem dó nem piedade. Esses exemplos parecem bizarros, mas temos de lembrar que, até a Idade Média, não havia sequer o conceito de infância. Foi entre os séculos XVII e XVIII que a infância passou a ser definida como um período de fragilidade e ingenuidade, no qual se deve prover as crianças de mimos e carinhos.

O que provocou essas mudanças?
Praticamente todas as relações familiares da sociedade contemporânea têm origem no casamento por amor, que nasceu com o capitalismo. Antes disso, o casamento se destinava a atender a uma série de interesses. O sentimento era o que menos contava. Casava-se para dar continuidade à família, manter a linhagem e a propriedade. Com o capitalismo e tudo o que é derivado dele, como o salário e o mercado de trabalho, uma nova ordem se estabeleceu. As mulheres, antes confinadas em suas casas, foram para as cidades trabalhar na casa dos burgueses, como empregadas, ou se tornaram operárias nas fábricas. Essa mulher começou a ganhar o seu dinheiro – pouco, mas seu – e a conquistar a independência. Com isso, houve uma grande ruptura. A percepção a respeito dos filhos e das crianças em geral também sofreu grande modificação.

A freqüência com que os casais hoje se divorciam e iniciam novos relacionamentos não desmonta o argumento de que a família é sagrada?
Essa idéia não se sustenta nem do ponto de vista histórico nem do filosófico. Há vários argumentos que desmentem os clichês hoje propagados sobre o declínio do casamento e o fim da família nuclear. A família na Idade Média era muito mais dividida do que hoje. Havia muito mais pais e mães sozinhos cuidando de seus filhos. Por causa da elevada taxa de mortalidade, as pessoas se casavam mais vezes e tinham mais filhos com outros parceiros. Quem alardeia o declínio da instituição familiar esquece que o divórcio foi inventado junto com o casamento por amor. A partir do momento em que a união entre duas pessoas se ampara apenas na lógica do sentimento, basta que o amor se apague para que outro amor se imponha. A família burguesa é aparentemente estável, mas na maioria dos casos está carcomida por infelicidades. Ela é inseparável de outra instituição: a infidelidade. Muitas mulheres sacrificam a profissão e, em seguida, a vida afetiva por um marido que as engana.

Uma sociedade sem religiões e sem ideologias, como o senhor a vislumbra, não é contrária à índole humana?
De jeito nenhum. Muitas religiões e ideologias fizeram as sociedades e os indivíduos sacrificar-se por ideais inúteis. O sociólogo alemão Max Weber costumava dizer que era possível encontrar os valores tradicionais do sacrifício no código do mar. Segundo esse código, o comandante de um navio deve morrer com sua embarcação naufragada, mesmo quando os passageiros e a tripulação se salvam. Para continuar a metáfora, eu diria que hoje ninguém mais está disposto a morrer pelo casco do navio, mas somente pelos passageiros que ele abriga. Isso é um grande progresso. Não tenho nenhuma saudade dos extremistas religiosos ou nacionalistas que provocaram a morte de 50 milhões de pessoas na II Guerra.

O senhor argumenta que o amor dá sentido à vida. A busca desenfreada pelo amor não causa mais sofrimento?
A condição do homem moderno é mais trágica do que nunca. O casamento por amor nos condiciona a amar mais e mais. A perda do ser amado tornou-se um luto. Isso só aumenta o descontentamento do mundo ocidental, no qual o homem se transformou num ser eternamente insatisfeito.

Então o senhor concorda com a tese de muitos filósofos contemporâneos de que o homem nunca foi tão infeliz?
Há um descontentamento generalizado no mundo moderno. A sociedade se interessa mais pelos meios em si do que pelos fins. Um olhar sobre o Iluminismo ajuda a compreender esse novo mundo. As mentes mais brilhantes do século XVIII buscavam nas ciências e nas artes emancipar a humanidade do obscurantismo da Idade Média. Tudo era feito com o objetivo de, no fim, alcançar a liberdade e a felicidade. Hoje, o movimento das sociedades não se inspira em ideais superiores em termos de civilização. A sociedade se movimenta no sentido de estabelecer a concorrência acirrada entre todos os indivíduos, sem objetivos finais claros. A história não se move pela aspiração a um mundo melhor, mas pela ação mecânica da competição. O êxito pessoal é o que importa. Precisamos ter poder, dinheiro, um carro novo, uma mulher nova, os filhos mais bonitos, tudo para conseguir o reconhecimento alheio e nos sentir superiores aos outros. Como dizia o filósofo romano Sêneca, enquanto esperamos viver, a vida passa rapidamente.

Dentro dessa perspectiva, a felicidade é possível?
O filósofo alemão Immanuel Kant tem um ótimo argumento sobre isso. Se a felicidade fizesse parte da natureza humana, Deus não nos teria dado a inteligência. Desde sempre o ser humano vive seus conflitos e tenta gerenciá-los da forma que pode. Hoje, vivemos na era do hiperconsumo. O que nos dá a sensação de progredir, de ser felizes, pelo menos momentanea-mente, é comprar, comprar e comprar. Claro que isso não basta. A lógica contemporânea aumenta a insatisfação e nos incute medos cotidianos e recorrentes.

Que medos acometem o homem contemporâneo?
Nós, ocidentais, temos medo de tudo. Da velocidade, do sexo, do álcool, do tabaco, da carne vermelha, de frango, da Europa, do efeito estufa, da globalização, das notas escolares das crianças, e por aí vai. Todo ano se acrescenta um novo medo aos anteriores. Na época em que era ministro da Educação, fiquei com medo quando vi jovens franceses que mal tinham saído da universidade fazendo passeatas em defesa da aposentadoria deles. Em meus anos no governo, nunca recebi uma delegação sindical que não começasse a conversa com um "Senhor, estamos muito preocupados". E não há nenhuma ironia nisso. O medo é uma das paixões dominantes das sociedades democráticas. Ele não existia dessa forma no Iluminismo. Quando eu era criança, era feio ter medo. Superá-lo era um dos marcos da chegada à idade adulta. Hoje, ter medo não implica culpa. É através do medo que os movimentos ecológicos radicais, por exemplo, se impõem.

Como os medos cotidianos prejudicam a sociedade?
Qualquer ameaça, como o terrorismo, o aquecimento global ou a gripe aviária, desperta uma neurose global. A angústia que essa histeria causa individualmente é mais prejudicial do que a ameaça a que ela se contrapõe. Veja o exemplo do aquecimento global. Aos olhos das novas ideologias, a natureza é admirável e a ciência, ameaçadora e maléfica.

Como ministro da Educação, o senhor foi acusado de racista ao banir o uso de véu pelas estudantes muçulmanas e de solidéu pelos judeus nas escolas públicas. O senhor tomaria essa medida novamente?
Certamente. Em primeiro lugar, essa lei teve a aprovação de 75% dos franceses. Foi apoiada tanto pela direita quanto pela esquerda, o que é muito raro na França, uma nação singular. Nela convivem enormes comunidades judaicas e muçulmanas. Só há mais judeus em Israel e nos Estados Unidos. Estimamos que existam 5 milhões de muçulmanos no país. Após o início da segunda intifada, vimos aumentar exponencialmente os conflitos entre os dois grupos. O mínimo que poderíamos fazer era deixar nossas crianças fora desse clima de guerra. Não foi uma medida anti-religiosa, muito menos racista, mas de promoção da paz.

Seu livro anterior, Aprender a Viver, foi um enorme sucesso mesmo tratando de um assunto que não atrai muitos leitores, a filosofia. A que o senhor atribui esse êxito?
O ser humano precisa da filosofia mais do que imagina. A filosofia grega surgiu para ajudar o homem a superar seus medos e angústias e, assim, encontrar a serenidade. Os gregos propunham a reflexão como exercício de sabedoria. As principais correntes filosóficas são, na verdade, grandes doutrinas de salvação, assim como as religiões. A diferença entre religião e filosofia é que a primeira tenta encontrar a paz interior e a felicidade através da fé, enquanto a outra busca o mesmo pela razão, sem a intervenção de um deus. Mais do que nunca, vivemos num mundo no qual a religião não é suficiente para dar ao homem as respostas que ele procura.
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Re: Entrevista Luc Ferry: A família virou sagrada

Mensagem por Apo »

Muito interessante e confortador.

Penso aqui que os moralistas costumam denegrir a tal família tradicional, dizendo que a mesma se desestruturou em tempos de baixa moralidade e liberdades excessivas, justamente porque este argumento seria considerar que uma boa família deve se manter fiel à instituição religiosa ou estará desagregada e perdida.

Na verdade, trata-se de criar um pânico nas pessoas, de forma que elas pensem que não podem decidir sozinhas que caminhos dar as suas vidas familiares, a menos que seja através da fé e da submissão.

Que bom que a família ( principalmente os filhos ) viraram sagrados e "criação tradicional" deu lugar à voz do amor pela prole e sua existência livre e civilizada.

Se há problemas na sociedade e nas famílias, deve ser inerente à natureza humana, a evolução do pensamento, à transição de valores e a recomposição da auto-determinação. Isto sim é sagrado.
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Re: Entrevista Luc Ferry: A família virou sagrada

Mensagem por Apo »

Isso não contradiz a constatação do aumento no número de fiéis em diversas igrejas de todo o mundo?


Hã?
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Re: Entrevista Luc Ferry: A família virou sagrada

Mensagem por Aranha »

- Só achei forçação de barra atribuir o casamento por amor ao capitalismo.

Abraços,
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Re: Entrevista Luc Ferry: A família virou sagrada

Mensagem por Apo »

Abmael escreveu:- Só achei forçação de barra atribuir o casamento por amor ao capitalismo.

Abraços,


Não é por aí...O que ele afirma é que a liberdade de escolha, o poder de "compra" e a desvinculação do amor à necessidades puramente biológicas ( e sim da lógica do sentimento ) fez com que as pessoas pudessem, inclusive "comprar" os relacionamentos que assim achassem melhores para si, e não por padrões impostos em nome do coletivo e da moral hipócrita.
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Re: Entrevista Luc Ferry: A família virou sagrada

Mensagem por Aranha »

Apo escreveu:
Abmael escreveu:- Só achei forçação de barra atribuir o casamento por amor ao capitalismo.

Abraços,


Não é por aí...O que ele afirma é que a liberdade de escolha, o poder de "compra" e a desvinculação do amor à necessidades puramente biológicas ( e sim da lógica do sentimento ) fez com que as pessoas pudessem, inclusive "comprar" os relacionamentos que assim achassem melhores para si, e não por padrões impostos em nome do coletivo e da moral hipócrita.


- Não entendi assim....

Abraços,
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Re: Entrevista Luc Ferry: A família virou sagrada

Mensagem por Acauan »

Abmael escreveu:- Só achei forçação de barra atribuir o casamento por amor ao capitalismo.


Depende da abordagem.
Na literatura antiga e medieval é recorrente a situação em que o casal coloca o amor romântico acima de outros compromissos e o resultado é trágico.

Helena de Tróia, Guinevere ou Abelardo e Heloisa que o digam.

A mensagem contida pode ser que o amor romântico era um luxo, desejável, mas não acessível à grande maioria.

Como prover às massas luxos antes inacessíveis é especialidade do capitalismo, então...



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Re: Entrevista Luc Ferry: A família virou sagrada

Mensagem por Apo »

Abmael escreveu:
Apo escreveu:
Abmael escreveu:- Só achei forçação de barra atribuir o casamento por amor ao capitalismo.

Abraços,


Não é por aí...O que ele afirma é que a liberdade de escolha, o poder de "compra" e a desvinculação do amor à necessidades puramente biológicas ( e sim da lógica do sentimento ) fez com que as pessoas pudessem, inclusive "comprar" os relacionamentos que assim achassem melhores para si, e não por padrões impostos em nome do coletivo e da moral hipócrita.


- Não entendi assim....

Abraços,


Eu entendi. Seria muito bobo que ele apelasse de forma tão simplista...

Beijos!
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Re: Entrevista Luc Ferry: A família virou sagrada

Mensagem por Aranha »

Acauan escreveu:
Abmael escreveu:- Só achei forçação de barra atribuir o casamento por amor ao capitalismo.


Depende da abordagem.
Na literatura antiga e medieval é recorrente a situação em que o casal coloca o amor romântico acima de outros compromissos e o resultado é trágico.

Helena de Tróia, Guinevere ou Abelardo e Heloisa que o digam.

A mensagem contida pode ser que o amor romântico era um luxo, desejável, mas não acessível à grande maioria.

Como prover às massas luxos antes inacessíveis é especialidade do capitalismo, então...






- É..., poraí pode ser.

Abraços,
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Re: Entrevista Luc Ferry: A família virou sagrada

Mensagem por Acauan »

Acauan escreveu:REVISTAS VEJA, edição 2083, 22 de outubro de 2008


Entrevista Luc Ferry
A FAMÍLIA VIROU SAGRADA

b]O que o senhor considera sagrado?

Para entender o que é sagrado é preciso conhecer a história do sacrifício, ou seja, por quais razões os humanos já aceitaram sacrificar a própria vida. No fundo, esse é o significado do sagrado: algo pelo qual vale a pena morrer. O homem abriu mão da vida por três grandes causas através dos tempos: por Deus, pela pátria e pelas revoluções. Matou e provocou a morte de milhões de pessoas em guerras religiosas, batalhas nacionalistas e embates revolucionários. Hoje, no Ocidente, ninguém mais aceita morrer por um deus, um país ou um ideal.


Há que se considerar que os que morriam pela Pátria (ou pela revolução...) também acreditavam estar defendendo seus filhos, como canta a Marselhesa:

Entendez-vous dans les campagnes
Mugir ces féroces soldats!
Ils viennent jusque dans vos bras
Égorger vos fils et vos compagnes.
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Tarcísio
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Re: Entrevista Luc Ferry: A família virou sagrada

Mensagem por Tarcísio »

Forçadíssimo. Ele muito provavelmente nunca entrou em um templo em momento de "júbilo" para perceber o estado de espírito que certas pessoas alcançam, tão pouco seu ponto de vista humanista secular o capacita a compreender os laços que a fé pode empreender.

Na verdade seu raciocínio não foi apenas forçado, mas contra-sensual ao dizer que a família é o ente sagrado da nova era. Qualquer autor conservador ao falar da instituição familiar nos tempos modernos e futuros ressalta como os velhos passaram a ser considerados estorvo e os filhos, responsabilidades acidentais. Isso de certa forma é evidente, com o salpicar de creches, casas de juventude e asilos pelo ocidente.

Há de se notar também o grande oceano que existe entre o sagrado e qualquer sentimento arraigado num forte egoísmo que possa vir a se confundir com o primeiro. O que parece pra mim é que ele afunda o pé nesse erro.
Pérolas:
Hoje, no Ocidente, ninguém mais aceita morrer por um deus, um país ou um ideal.
Mas garanto que não há cidadãos com tais intenções na Alemanha, na França ou nos Estados Unidos.
Em contrapartida, não conheço pai que não arriscaria a vida por seus filhos.
http://g1.globo.com/Noticias/Brasil/0,, ... 98,00.html
O escritor francês Michel de Montaigne (1533-1592), celebrado como grande humanista, confessou não se lembrar do número exato de filhos seus que morreram enquanto ainda eram amamentados. O filósofo suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), um dos próceres do Iluminismo, abandonou seus cinco filhos sem dó nem piedade... As mentes mais brilhantes do século XVIII buscavam nas ciências e nas artes emancipar a humanidade do obscurantismo da Idade Média... Hoje, o movimento das sociedades não se inspira em ideais superiores em termos de civilização. A sociedade se movimenta no sentido de estabelecer a concorrência acirrada entre todos os indivíduos, sem objetivos finais claros. O êxito pessoal é o que importa.

Blá...blá...blá...

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Fernando Silva
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Re: Entrevista Luc Ferry: A família virou sagrada

Mensagem por Fernando Silva »

Tarcísio escreveu:Forçadíssimo. Ele muito provavelmente nunca entrou em um templo em momento de "júbilo" para perceber o estado de espírito que certas pessoas alcançam, tão pouco seu ponto de vista humanista secular o capacita a compreender os laços que a fé pode empreender.

Júbilo ou alucinação coletiva?
Que em nada difere do que ocorre em um terreiro de umbanda?

"A visita a um hospício mostra o verdadeiro valor da fé"

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Tarcísio
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Re: Entrevista Luc Ferry: A família virou sagrada

Mensagem por Tarcísio »

Fernando Silva escreveu:
Tarcísio escreveu:

Júbilo ou alucinação coletiva?
Que em nada difere do que ocorre em um terreiro de umbanda?

"A visita a um hospício mostra o verdadeiro valor da fé"

Não me propus a fazer distinção quanto a isso, apenas citei o fato como evento não observado.

waldon
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Re: Entrevista Luc Ferry: A família virou sagrada

Mensagem por waldon »

“FILÓSOFO” CONFUNDE
SAGRADO COM EGOÍSMO


Em suas Páginas Amarelas, a última Veja entrevista o francês Luc Ferry, de 57 anos, apresentado como um caso raro de filósofo que transforma seus livros em best-sellers. É autor de Aprender a Viver, obra lançada em 2006, que vendeu 700 mil exemplares, 40 mil deles no Brasil. Pelo título, já se vê: trata-se de mais algum desses abacaxis de auto-ajuda. E se é best-seller, sério não deve ser. Não há livro inteligente no mundo que venda 700 mil exemplares em dois anos. Muito menos livro de filosofia. O sedizente filósofo, em verdade, está mais para os paulos coelhos da vida.

Que mais não seja, sua última obra, recém-lançada no Brasil, confirma minhas suspeitas: Famílias, amo vocês. Só o que faltava pretender que tal título possa pertencer ao âmbito da filosofia. Neste livro, o “filósofo” defende a idéia de que a família é a única coisa que resta de sagrado no mundo. A família teria substituído a religião como entidade sagrada no mundo moderno.

Ora, sagrado é o território das religiões. Que estão em franca expansão no mundo todo. Se o catolicismo está em retração, os crentes das ditas religiões neopentecostalistas brotam como cogumelos após a chuva. Na própria França, país do autor, o Estado teve de recorrer à justiça para impedir o avanço de uma religião ridícula, criada por um escritor de ficção científica, a cientologia. Nos Estados Unidos, até um filme bobo como Guerra nas Estrelas gerou uma nova crença. Isso sem falar no Islã, que se expande não só em sua geografia como também na Europa. A almejada morte de Deus, costumo afirmar, não passou de um wishful thinking de um pensador sensível do século XIX.

“Essa corrida para as igrejas não chega nem perto do que acontece quando o assunto é família – diz Ferry –. Pergunte aos milhões desses novos fiéis se eles morreriam pelo seu deus. A resposta será não. A família é a única entidade realmente sagrada na sociedade moderna, aquela pela qual todos nós, ocidentais, aceitaríamos morrer, se preciso. Os únicos seres pelos quais arriscaríamos a vida no mundo de hoje são aqueles próximos de nós: a família, os amigos e, em um número bem menor, pessoas mais distantes que nos causam grande comoção. No século XX, o ser humano virou sagrado.

De que planeta estará falando o “filósofo”? Deste não deve ser. Neste, as crianças abandonadas se contam por milhões, as famílias se desagregam aceleradamente e se há algo que nada tem de sagrado é o ser humano. Ser humano é uma coisa bem profana, que serve tanto para bucha de canhão como para mão-de-obra vil, tanto para tráfico sexual como para enriquecimento de vigaristas que empunham – estes sim – o sagrado, para enriquecer e passar bem.

Há milhões de seres humanos no planetinha sendo transportados entre continentes, tanto para exploração sexual como para exploração de mão-de-obra, e Monsieur Ferry pretende nos vender a idéia de que no século XX o ser humano virou sagrado. Justo no século em que Stalin, cultuado como um deus, matou 20 milhões. Mao, cultuado como herói, outros 65 milhões. Pol Pot, tido como um líder revolucionário, dois milhões. E por aí vai.

“Hoje, no Ocidente – prossegue o "filósofo" -, ninguém mais aceita morrer por um deus, um país ou um ideal. Há, sim, religiosos extremistas no Islã. Há gente na Chechênia ou na Ossétia disposta a morrer pela nação. Mas garanto que não há cidadãos com tais intenções na Alemanha, na França ou nos Estados Unidos. Em contrapartida, não conheço pai que não arriscaria a vida por seus filhos. Os filhos se tornaram o principal canal para o homem tentar transcender espiritualmente. As crianças substituíram as instituições despedaçadas que citei acima”.

Em termos. Digamos que um alemão, um francês ou um americano não aceitem morrer por um deus. Mas morrem pela pátria. Não que queiram morrer pela pátria, mas têm o dever de por ela morrer. Os soldados que estão morrendo nas guerras que ainda são travadas no mundo contemporâneo, estão morrendo por países e por ideais que estes países encarnam. Quanto a pais arriscarem suas vidas pelos filhos, isto nada tem de moderno. Nem mesmo de humano. É instintivo. Faz parte e desde sempre fez parte da preservação da espécie. Qualquer animal arrisca a vida pelos seus filhotes. Teriam por isso os animais um valor sagrado?

Ferry está confundindo o sagrado com proteção. Vivemos em um mundo hostil, competitivo – e o autor fala disso em sua entrevista. A família serve então de refúgio seguro às ameaças do mundo externo. Alberto Moravia, esquecido autor do século passado, gostava de comparar a família a uma fortaleza de egoísmo. Os pais são os generais, os filhos são os soldados. Conheço inúmeras famílias para as quais só existe um universo, sua ninhada. Que lá fora caiam raios e trovões, que soem trombetas e canhões, tanto faz. Desde que as crias estejam bem protegidas sob as asas paternas. Não vejo nada de nobre nisto. Muito menos de sagrado. Mas muito de egoísta.

Ainda ontem eu comentava notícia vinda da Espanha, onde muitos casais, separados de fato, optam pela moradia comum por razões de ordem econômica. Há inclusive filhos adultos voltando a viver com os pais. É a volta à fortaleza, para proteger-se da intempérie. Lá fora, chove e faz frio. Na família, sombra e água fresca.

Sombra e água fresca quando se vive em país rico, bem entendido. É o caso de Luc Ferry. Quando se vive em país miserável, até dentro de casa chove e faz frio. Isso quando se tem casa. As reflexões do “filósofo” retratam uma realidade de Primeiro Mundo e se tornam irônicas quando vistas do Terceiro.



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Re: Entrevista Luc Ferry: A família virou sagrada

Mensagem por Apáte »

Luc Ferry escreveu:fiquei com medo quando vi jovens franceses que mal tinham saído da universidade fazendo passeatas em defesa da aposentadoria deles.

:emoticon12:
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Re: Entrevista Luc Ferry: A família virou sagrada

Mensagem por Apáte »

Não que eu tenha concordado inteiramente com o que Luc Ferry disse à Veja, mas Satanaldo é um sujeito que apresenta todos os defeitos do Constantino elevados ao absurdo.
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