Eu queria escrever algo emocionante sobre a vitória de Barack Hussein Obama, um negro, filho de imigrantes pobres, um sujeito que venceu na vida sem fazer concessões à sua dignidade, que construiu sua ideologia defendendo valores nobres e verdadeiramente democráticos. Mas tenho receio de que não é hora de ser grandiloquente. Talvez seja apenas o caso de lembrar que a humanidade, em tantos momentos, deu mostras de uma grandeza que parecia perdida. Imaginem o que sentiram os povos do mundo inteiro, mas principalmente de nacionalidades devastadas pelo horror nazista, ao escutar a notícia da vitória definitiva das forças aliadas. Imaginem o que sentiu Rimbaud, o genial e tão jovem poeta de uma cidade de Charleville, ao escutar as notícias do levante de 1871 - tanta emoção que, mesmo sem dinheiro, decidiu caminhar centenas de quilômetros para se juntar aos communards. Imaginem o que sentiram os americanos após a sangrenta vitória sobre os ingleses. O que sentiram as milhões de pessoas que foram às passeatas pela democracia no Brasil, em 1984. Às vezes fico pensando porque sou assim, porque me emociono tão fácil, porque me engajo tão facilmente nas causas em que acredito. Tantas vezes ouvi, vi, ou simplesmente imaginei isso, visto que nossos maiores adversários se escondem dentro de nós, as pessoas me olhando com desprezo e lástima, por eu, deliberadamente, correr tantos riscos, para ser poeta, político, eu mesmo. Então eu penso novamente porque sou assim? Não sou político por compaixão dos pobres. Sou político por compaixão de mim mesmo, por egoísmo, pavor da morte e uma profunda sensação de desamparo. Entretanto, ao constatar isso, sinto afinidade com todos os sofrimentos do mundo. Nessa foto que eu publiquei abaixo, estão dois homens, um negro, rindo, exalando uma alegria forte e transbordante, e um branco, chorando, a boca torta como stalone em rocky, o lutador. Os dois homens têm braços erguidos, fazendo o gesto universal e milenar da vitória. Que sente aquele homem senão um desespero? Um desespero de alegria, de liberdade, de força! Os sentimentos são a grande razão da vida. Diante do tédio e do absurdo, o sentido mais autêntico da vida só pode ser a emoção, a emoção violenta que nos faz sair de nós mesmos.
Porque já não importa o que Obama irá fazer, se terá sucesso em suas políticas. Ali experimentamos uma sensação diferente, sentimos mesmo prazer no gosto de sangue na boca, como um judeu ao assistir um carrasco nazista ser fuzilado. Essa energia, essa emoção, muda a história, porque valoriza o homem.
Nem liguei para as patriotadas de Obama em seu discurso de vitória, enaltecendo, como todo americano, a superioridade dos EUA. Ninguém ligou. Todos festejaram esse momento: americanos, brasileiros, iraquianos, europeus, asiáticos. Assim como ninguém liga para manifestações semelhantes de um time de futebol quando ganha. Afinal, desta vez, os americanos surpreenderam positivamente o mundo. Eles foram melhores. Enquanto a França elege Sarkozy, os americanos, os vilões do mundo ocidental, elegeram um negro de esquerda. Sim, porque o processo eleitoral americano deixou bem claro. McCain acusou Obama de ser socialista. Os americanos que votaram em Obama o acusavam de ser socialista, de querer "distribuir" riqueza.
Como ensinava Chomsky, acredite nos inimigos, porque são os únicos que não têm interesse em falar bem de você. Claro, não acredite completamente... Quero dizer, use o que eles dizem de você e de seus amigos contra eles mesmos, assim como um mestre em judô usa a força do adversário para vencê-lo. Entretanto, o gostinho de vitória dos latino-americanos é particularmente saboroso, porque a direita de seus países, as elites, sempre se alinharam ao conservadorismo racista dos republicanos. Pense na perplexidade daqueles bolivianos, que chamam Evo de "macaco". Daqueles venezuelanos ricos, que chamam Chávez de "macaco". Agora terão que chamar, se não quiserem ser chamados de covardes ou incoerentes, o líder da maior nação do planeta, de "macaco". Lembro de Reinaldo Azevedo, o blogueiro racista e medíocre da Veja, lançando frases de escárnio contra Obama, perguntando: será que os democratas não tinham um branco para disputar o pleito? Lembro de Diogo Mainardi confessando seu apoio à John Mcain. Os dois, há tempos, vem botando o rabo entre as pernas, acossados pela popularidade de um presidente "petralha" e pelo firme e surpreendente crescimento de Obama nas pesquisas. E agora, a vitória. Mas eles que se danem, porque o momento não é de falar dos boçais da direita. A história se encarregará de lançá-los ao lixo. É hora de respirar bem fundo. Sentir que talvez esteja perto o momento em que a humanidade entenda melhor a si mesma. Que respeite mais a si mesma. Pare de agir como tribo selvagem onde o mais forte tem direitos de vida e morte sobre o mais fraco e compreenda que esse comportamento não gera riqueza, somente guerras, destruição, pobreza e doenças, que dá prejuízo, inclusive, para eles, que se achavam intocáveis, os senhores do universo. Que lembrem das cabeças cortadas de Luiz XVI. Nunca a humanidade produziu tanta riqueza como agora, nunca os governos foram tão ricos e nunca houve tanta miséria. A quantidade de gente que morre no Brasil, na Colômbia e nos EUA em tiroteios, perseguição policial e guerra entre quadrilhas, supera as baixas de muitas guerras. Por falar em Uribe, a Human Rights Watch divulgou, recentemente, nota denunciando a prática sistemática de extermínio na Colômbia. Mas Uribe, assim como Serra, é mais blindado que o Papa pelas mídias corporativas de todo continente.
As propostas do Obama - e isso foi o mais constrangedor para a direita brasileira, parte da qual apoiou o negão de Chicago por modismo fútil - são muito parecidas com a do nosso Obama, o Obama nordestino, baixinho e cabeçudo dos trópicos: distribuir riqueza, reconstruir a assistência social, investir mais em educação do que em guerras ou polícia. Entretanto, há uma profunda diferença. A mídia americana, mais uma vez, deu mostras de honestidade, confessando abertamente suas preferências eleitorais, e dando espaço para jornalistas e escritores de conflitantes visões ideológicas ocuparem o mesmo espaço, fato impensável aqui. A Folha dá espaço para artigos esporádicos da esquerda, mas seus colunistas apresentam opiniões irritamentente homogêneas. Ler um Merval Pereira é a mesma coisa que ler Miriam Leitão, Jabor, Mainardi, Azevedo, João Ubaldo. Tudo a mesma coisa. Os outros jornalistas de opinião são cordeiros de Deus, obrigados a discorrer sobre amenidades etéreas, culinárias, curiosidades infantis, tertúlias no Jobi, dentre outras janotices. Nada contra as janotices, das quais também sou useiro. O que me aborrece é a OBRIGAÇÃO de não dizer nada, essa censura branca, muitas vezes introjetada, um acordo tácito que faz do jornalista escravo de um patrãozinho mimado e medíocre e não um senhor de sua palavra e seu pensamento.
Essas palavras não significam que eu me ache superior, e sim meu ceticismo cada vez maior em relação ao jornalismo convencional. A internet desmascarou o jornalismo, porque mostrou que todo cidadão pode ser jornalista, desde que saiba relatar e interpretar um fato. Leio comentários em blogs que denotam argúcia, humor e sutileza muito superiores ao texto viciado, previsível e, quantas vezes!, trôpego, de jornalistas e escritores que publicam na mídia grande. Ou simplesmente mentirosos, de uma mentira pobre e infantil. Ou usando o manto ético, estranhamento mesclado a uma forte dose de cinismo e a uma meticulosamente calculada desilusão com a política.
Se a história se repete, podemos dizer que os nazistas, os persas, e os monarquistas franceses foram derrotados novamente. Foi uma vitória da classe trabalhadora, daqueles que sofreram com a especulação desavergonhada de Wall Street. A crise financeira americana não foi causada, conforme repetem analistas neo-liberais que a mídia brasileira insiste em entrevistar, por falta de pagamento dos imóveis comprados. Se você botar no papel, as inadiplências não estão muito acima da média desse tipo de negócio. Meia dúzia de prestações atrasadas não poderiam, nunca, causar prejuízos de dezenas de trilhões de dólares. A culpa foi dos especuladores, dos governos, e da ideologia neo-liberal. O culpado da crise financeira é o mesmo do buraco do metrô de São Paulo, da morte da menina Eloá, da expansão do PCC e do aumento explosivo no preço dos pedágios das rodovias paulistas: um neoliberalismo mafioso, criado para arrancar dinheiro de pobres e classe média e jogar na mão de nababos amigos do rei. Quem é Daniel Dantas senão um amigo do rei que recebeu uma capitania hereditária? Pois é, a direita brasileira e mundial representa um passado que devemos lutar para enterrar, sob o risco de adoecermos sob seu influxo mau cheiroso. Quiçá o tempo dos assassinos, portanto, esteja próximo do fim. Quiçá tenha chegado a hora de enterrar o cadáver de uma ideologia sem humanismo, uma ideologia tolamente confiante em sua força - porque no fundo é fraca e perniciosa ao desenvolvimento sustentável das nações. No fundo, é uma filosofia obscurantista e bandida, que se recusa a dar R$ 100 para uma mãe de família alimentar quatro ou cinco crianças, mas defende que os governos dêem bilhões, ou mesmo trilhões, para bancos e grandes empresas não quebrarem. A história, ainda bem, continua sendo moça rebelde, cheia de surpresas, atrevida, brutal, e apaixonante.
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"Com o tempo, uma imprensa cínica, mercenária, demagógica e corrupta formará um público tão vil como ela mesma." (Joseph Pulitzer).