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Não existe almoço grátis

Enviado: 22 Jan 2006, 11:04
por Aurelio Moraes
Concordo com alguns pontos deste artigo..

NÃO EXISTE ALMOÇO GRÁTIS

Ensino gratuito onera quem não estuda, e tradição corporativista sobrecarrega sistema e inibe produção acadêmica

GLÁUCIO ARY DILLON SOARES
ESPECIAL PARA A FOLHA

Fui convidado para comentar a crise universitária brasileira, particularmente três episódios recentes (crise na PUC-SP; demissão na Fundação Getúlio Vargas-SP e greve das universidades federais), a partir da minha experiência em universidades americanas.
Porém seria metodologicamente errado pinçar as universidades brasileiras e norte-americanas e compará-las fora de contexto. Elas são contexto-dependentes. Os EUA são um país muito diferente do Brasil (e dos demais países industriais também).
O sociólogo Seymour Lipset, em "American Excepcionalism" [Excepcionalismo Americano, ed. Norton, EUA], argumentou, com fartos dados, que os EUA são minimalistas no que concerne o Estado e o setor público em geral. Qualquer gasto público encontra logo a pergunta: "Quem paga por isso?".
Nos EUA, os gastos públicos sociais representavam apenas 15% do PNB [Produto Nacional Bruto], em contraste com a Europa Ocidental, que investia 24%; já a participação do setor privado nos gastos sociais era 41% nos EUA, ao passo que na União Européia variava de 17% no Reino Unido a 1,5% na Espanha. Na península Ibérica, como na América Latina, é baixíssima a participação do setor privado nos gastos sociais.

Estado místico
Pouquíssimos americanos acham que a educação superior seja uma obrigação do Estado. A afirmação de que "a universidade tem que ser pública, gratuita e de qualidade" é absurda no contexto americano, onde predominam os modelos que somam zero: se um gasto é criado, alguém tem que pagar por ele. O setor público não tira dinheiro do ar. Não há "free lunch". Nada é de graça, nada pode ser de graça. O dinheiro sai de algum lugar, em geral do bolso do contribuinte.
Os brasileiros têm uma visão mística do Estado, ao passo que os americanos o desmistificaram. Se o Estado gastar mais, os americanos gastarão menos. Os estudantes americanos pagam caro pela educação: uma das universidades públicas estaduais mais baratas dos Estados Unidos é a de Arizona, cujas taxas e matrícula custam perto de R$ 10 mil por ano. Já um aluno de graduação em Harvard gastará, em 2005-6, US$ 38 mil [R$ 88 mil] em nove meses, incluindo casa e comida.
Como pagam a conta? Muitos trabalham desde cedo e economizam, juntamente com os pais. É o principal projeto dos pais e dos filhos. Requer sacrifício. As bolsas são raras, mas os empréstimos a estudantes são freqüentes. A lógica do sistema ensina que a renda futura dos estudantes aumentará dramaticamente em razão de seus estudos. Terão condições de pagar.
Dessa maneira, o estudo de alguns não onera outros. Não obstante parte do problema financeiro da PUC-SP se deve à inadimplência dos estudantes já formados que não pagaram seus empréstimos.
O contraste com o Brasil, onde os pobres pagam pela educação dos ricos e da classe média, é doloroso.
Os EUA gastam mais com a educação superior -7% do PNB- do que a União Européia, que gasta entre 5% e 6%. Outra contabilidade, mais restrita, feita pelo Sutton Trust, nos proporciona números diferentes relativos a 2003: 2,7%, em contraste com 1,3% da UE, com o Reino Unido gastando apenas 1%. A origem desses gastos, porém, é diferente: nos EUA, quem estuda paga; na União Européia, como no Brasil, outros pagam pelos que estudam.
O modelo universitário americano funciona? Lá, funciona: é menos elitista do que o europeu -perto de dois terços dos jovens americanos entre 20 e 24 anos estão nas universidades e "colleges", aproximadamente o dobro da percentagem dos principais países europeus, que andam perto de um terço. O patrimônio das universidades americanas é muito maior: Oxford e Cambridge parecem pequenas em comparação com as maiores universidades de hoje, sua posição sendo a de 15ª -nenhuma outra universidade britânica estaria entre as 150 maiores do mundo.

Desproporção
A qualidade, expressa em pesquisas, prêmios e reconhecimento público, é muito maior nas universidades americanas. Até 2003, o país recebeu mais prêmios Nobel em ciência do que os cinco principais países europeus somados (Alemanha, Reino Unido, França, Holanda e Rússia), mas essa é uma história incompleta. O grosso dos prêmios da Alemanha e, sobretudo, da França e do Reino Unido, foi obtido no passado distante. Oxford e Cambridge chegaram a dominar o cenário institucional, mas o declínio da Inglaterra foi acentuado. A Alemanha apresentou a maior produção científica entre os países até 1920-29: os alemães receberam 30% dos prêmios Nobel antes da Segunda Guerra, mas menos de 10% desde 1940.
Os EUA, nas duas primeiras décadas do século 20, receberam apenas três e quatro prêmios, respectivamente. Sete décadas mais tarde o número aumentou para 65! Se usarmos patentes, citações, publicações em revistas com prestígio, impacto das revistas e outros indicadores de excelência, a preponderância americana é muito grande, e a preponderância das universidades americanas é acachapante. Mais da metade das citações científicas são feitas a pesquisadores em instituições americanas, o Reino Unido vindo em segundo, distante, com 9%.
Há diferenças entre o comportamento dos professores nos EUA e no Brasil. Minha experiência diz que os professores lá trabalham, na média, muito mais do que nas federais daqui. Mesmo nas melhores universidades, a praxe é dar dois cursos, um na graduação e outro na pós; todos ou quase todos pesquisam e publicam. São avaliados pela produção, pelo ensino, pela obtenção de recursos e pelo serviço que prestam à profissão e à universidade, que inclui participação em comitês, associações profissionais etc.
Os poucos que não pesquisam e não publicam não são bem vistos pelos colegas, mas compensam dando mais cursos, fazendo mais trabalho burocrático, orientando mais alunos. Nos "colleges" de dois anos e em alguns dos de quatro anos, a carga docente é muito maior.
O que diferencia as universidades públicas brasileiras das americanas é a distribuição do trabalho e da produção. Temos professores e pesquisadores excepcionais, mas o baixo clero, no Brasil, é maioria e pesa muito. O etos não é acadêmico e científico, mas burocrático-sindical e, freqüentemente, político-ideológico. Pressões para pesquisar e dar aulas, em algumas instituições, causam escárnio e acusações de fordismo e meritocratismo.
Greves de professores e funcionários de universidades são difíceis de entender nos EUA e as de alunos são impensáveis: afinal, eles são os que mais perdem. Há algum tempo, realizei uma pesquisa para a Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior] na Inglaterra, quando um bolsista achou que eu era um funcionário da casa e ameaçou abandonar os estudos caso o valor das bolsas não fosse reajustado. Estava fazendo um favor à Capes. Ameaça interessante...
A irresponsabilidade de professores, funcionários e alunos de federais e estaduais só pode ser entendida a partir de uma forte tradição corporativista, junto com o que o antropólogo Roberto DaMatta chama da "ética do privilégio".
A elite e a classe média acham normal não pagar nada nas universidades, nem o estacionamento de seus carros, mas acham absurdo que as empregadas domésticas tenham direitos trabalhistas. A ética do privilégio não é questionada.

As caça-níqueis
Vinculo a crise financeira de várias instituições universitárias ao crescimento das faculdades caça-níqueis. Algumas dessas instituições são vergonhosas, de baixíssimo nível, mas "roubam" alunos de instituições mais sérias, como as PUCs. A entrada é muito mais fácil, e o custo é consideravelmente menor. As instituições públicas também retiram alunos pagantes das fundações e instituições privadas sem objetivo de lucro, que ficaram espremidas entre elas e as caça-níqueis.
Porém algumas esqueceram que são privadas e que não contam com recursos públicos regulares e se comportam como se fossem públicas. A cobrança, tanto dos alunos devedores quanto dos professores improdutivos, não é muito maior do que nas instituições públicas. Estão protegidos pela ética do privilégio.
No Brasil, algumas instituições pequenas apresentam uma produtividade muito maior do que as universidades públicas: na década de 80, fiz uma comparação entre a produção científica do Iuperj [Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro] -então com 22 professores- e as demais instituições das ciências sociais no Rio de Janeiro.
A produção era maior do que a da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Universidade Federal Fluminense e PUC (RJ) consideradas em conjunto. Como em alguns departamentos os professores não fazem pesquisas nem sabem como, a demanda por pesquisas mudou para fundações e instituições privadas, muitas das quais são ONGs. Essa mudança foi ajudada pela burocracia impenetrável e pela instabilidade das universidades.

Aulas e pesquisas
É difícil imaginar a demissão do professor Marcelo Neves acontecendo numa universidade norte-americana. Negar ao professor licença para participar da Anpocs dificilmente aconteceria. As universidades de qualidade estimulam seus professores a irem a congressos relevantes e apresentarem trabalhos.
Em geral, vários professores e alguns alunos participam dos principais congressos e todos tomam as medidas necessárias para não prejudicar as aulas. Em contraste, nas instituições dedicadas ao ensino, como os "colleges" menores, a participação em congressos e seminários é muito pequena, mas não é desestimulada. Porém a participação, como observador, de eleições em outro país durante três semanas -se for essa a duração- excede os parâmetros que conheço.
Muitos colegas participaram, como observadores, das difíceis eleições na América Central, após guerras civis. Vi e participei de eventos semelhantes, mas de duração muito menor, além do que os participantes tinham muito tempo de casa. Ou seja, a participação em eventos é corriqueira, dependendo do caráter da instituição, da duração da licença e da antigüidade do docente.
A existência de uma lista internacional de protesto contra a demissão também seria inusitada em instituições americanas, exceto em questões relacionadas a perseguições políticas. As demissões são vistas como uma questão interna das instituições. As demissões de professores, raras no Brasil e raríssimas nas federais e estaduais brasileiras, são freqüentes nos EUA, onde os professores iniciantes só adquirem estabilidade após quatro a seis anos de casa. A maioria não a adquire.
Não obstante decisões desse tipo são tomadas em coletivos com a participação de professores de mais graduação.
Tratamos de instituições, países e culturas diferentes, sendo equivocado comparar as universidades fora de contexto. Não é tão simples.
Gláucio Ary Dillon Soares é doutor em sociologia pela Universidade de Washington e professor aposentado da Universidade da Flórida (EUA). É autor de "A Democracia Interrompida" (FGV), entre outros livros.

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs2201200609.htm

Re.: Não existe almoço grátis

Enviado: 22 Jan 2006, 13:50
por DarkWings
Concordaria com o texto SE e SOMENTE SE nossos governantes pegassem o dinheiro que iriam economizar com as universidades públicas e fizessem algo útil com ele como por exemplo investir na educação básica. Como não farão isso se caso privatizarem as universidades, ou seja, o dinheiro vai ser destinado a pagar algum jet-sky do lula ou uma cueca bordada a ouro pra ele acho essa idéia temerária e uma porta aberta para conseguirmos piorar ainda mais o futuro já sombrio do Brasil.

Re.: Não existe almoço grátis

Enviado: 22 Jan 2006, 15:17
por Aurelio Moraes
É por aí , Dark. O que falta hoje no Brasil é investimento pesado na educação básica.

Re.: Não existe almoço grátis

Enviado: 22 Jan 2006, 16:41
por Liquid Snake
Imagem

Um incrível gênio.

Re: Não existe almoço grátis

Enviado: 22 Jan 2006, 19:06
por Dante, the Wicked
Mr.Hammond escreveu:Ensino gratuito onera quem não estuda


Mesmo quem não estuda colhe os frutos de uma sociedade na qual existem pessoas que estudam. Ou médicos, advogados e engenheiros só atendem pessoas com Ensino Superior?

Mas concordo que deveria ser investido muito mais na educação básica. Vejo o presidente falando que está abrindo mais universidades aqui e ali, transformando faculdades em universidades... E qual a relevância disto se está cheio de médico, engenheiro e advogado desempregado e crianças analfabetas? Ah... Mas crianças não votam e universitários, no geral, ainda não tem este problema. :emoticon5:

Re: Não existe almoço grátis

Enviado: 23 Jan 2006, 15:18
por Poindexter
Mr.Hammond escreveu:Ensino gratuito onera quem não estuda


Quem não estuda não consegue emprego e onera os que estudaram.


Mr.Hammond escreveu:O contraste com o Brasil, onde os pobres pagam pela educação dos ricos e da classe média, é doloroso.


Depois os ricos e a classe média dão bolsas vitalícias à esses pobres.


Em suma... classes ricas e médias pagarem por seus estudos tudo bem, desde que não fique o resto da vida pagando 40% dos seus rendimentos à título de impostos.

Enquanto se mantiverem as atuais alíquotas do IR e a carga tributária, todos é que tem que pagar pelas IES públicas, mesmo!

Re: Não existe almoço grátis

Enviado: 23 Jan 2006, 15:19
por Poindexter
Dante, the Wicked escreveu:Mesmo quem não estuda colhe os frutos de uma sociedade que na qual existem pessoas que estudam. Ou médicos, advogados e engenheiros só atendem pessoas com Ensino Superior?


Exato. Sem médico, não há vagas para secretária de médico, por exemplo. Sem engenheiro, sem obras.

Re: Re.: Não existe almoço grátis

Enviado: 23 Jan 2006, 15:19
por Poindexter
Liquid Snake escreveu:Imagem

Um incrível gênio.


Viva! Viva!

Re: Re.: Não existe almoço grátis

Enviado: 23 Jan 2006, 16:10
por Botanico
Mr.Hammond escreveu:É por aí , Dark. O que falta hoje no Brasil é investimento pesado na educação básica.


Bem, seu Hamonde o problema do privilégio e da mordomia e da não cobrança de responsabilidade é histório e histérico no Brasil. Fala você em investimento pesado na educação básica? Que quer dizer com isso?
Para começar, o professor da educação básica é formado em universidades (é a chamada Licenciatura) e se as universidades são uma piada, apenas caça-níqueis para se vender um pedaço de papel chamado diploma, o professor para o ensino básico já não vai ser dos melhores.
Aliás, aqui também vai outro problema dos nossos governantes. Construir um prédio escolar é INVESTIMENTO, pagar professores, serventes, funcionários, guardas escolares... aí é DESPESA... Investimento é charmoso; despesa é gastança, é impopular, pega mal.
Isso acaba gerando coisas estranhas. Tem político por aí venderia sua alma, se ainda a tivesse, para inaugurar um prédio escolar, onde haverá uma placa com o seu nome estampado. Mas pagar o pessoal... Sabiam vocês que no governo estadual do Maluf, quando os professores fizeram sua primeira greve pós ditadura, eles ganhavam menos que os lixeiros? É, o lixeiro ganhava Cz$ 1.800 e o professor Cz$ 1.500.
Essa desvalorização do professor básico reflete na universidade: os alunos querem fazer bacharelado, nunca licenciatura. E o MEC fez a coisa obrigada: as vagas são igualmente distribuídas, metade licenciatura e metade bacharel. Quero só ver se a coisa vai funcionar.

Cobranças... Nossa! Que coisa mais absurda. Aqui na UFSCar, se fala em aumentar dez centavos o valor da refeição os cretinos comunistóides que ainda existem já vem quebrando o pau, denunciando isso como ensino pago. Idem para alojamento, etc e tal. Tudo isso, que antes tinha verba de custeio pelo governo fedorento foi simplesmente eliminado pelo Fernando Henrique, o Garboso, agora é a própria universidade que tem que se virar para pagar essas despesas.

Uma coisa eu defendo sim: o aluno DEVE PAGAR, quando pisa na bola e faz besteira. E lá na Comunista China, a coisa é assim. O aluno pode fazer seus cursos por conta do contribuinte, mas é obrigado a passar em tudo, pois se tomar bomba, ele pode fazer a matéria novamente, mas aí é obrigado a pagá-la. Devia ser assim por aqui também.

Quem sabe um dia.

Re.: Não existe almoço grátis

Enviado: 23 Jan 2006, 20:33
por against
Pelo título eu achava que o texto falava sobre os restaurantes populares [caça votos] criados pelo garotinho... Refeições a R$ 1,00 :emoticon9: :emoticon21:



E eu concordei com o Poindexter, socorro. :emoticon18:

Re: Re.: Não existe almoço grátis

Enviado: 23 Jan 2006, 20:58
por Poindexter
against escreveu:Pelo título eu achava que o texto falava sobre os restaurantes populares [caça votos] criados pelo garotinho... Refeições a R$ 1,00 :emoticon9: :emoticon21:


There's no free lunch é uma rase famosa do grande gênio economista Milton Friedman!


against escreveu:E eu concordei com o Poindexter, socorro. :emoticon18:


ÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊ!!!!!!!!!