Sobre a Religiosidade
Enviado: 06 Nov 2008, 21:44
Sobre a Religiosidade
Postado originalmente em 11/2/2003 19:07:12
As pessoas identificam-se com uma determinada religião por herança cultural ou por conversão.
No caso da herança cultural, a prática religiosa é aprendida junto com um conjunto de crenças, hábitos e valores que são assimilados desde a infância sem maiores questionamentos e aceitos pelo adulto, no mais das vezes, sem grandes resistências, mas também sem excessiva convicção.
O que torna a assimilação da religiosidade um processo na maioria dos casos perene é o fato de que raramente questionamos heranças culturais. No nosso dia a dia não costumamos levantar questões do tipo “por que usamos calças e não sarongues?”, “por que servimos a sopa antes e não depois do prato principal?” ou “por que as mulheres gostam do filme "As Pontes de Madison´?”
Assim, a hipótese de renunciar às suas crenças é tão estranha àquele que as adquiriu por herança cultural quanto seria passar a utilizar-se, junto aos seus conterrâneos, de outro idioma que não o seu nativo. Embora a decisão seja individual, fortes interações com o ambiente social desmotivam eventuais tentativas de mudança.
O mais comum é deixar como está, e a religiosidade é preservada mais por inércia do que por fé verdadeira. Uma ilustração desta tese é o grande número de brasileiros que se declaram “Católicos não praticantes”.
O outro modo pelo qual a identidade religiosa se desenvolve é pela conversão, entendendo-se por conversão a substituição de uma crença por outra ou a mudança de uma opção não-religiosa para uma opção religiosa.
Em alguns casos a conversão não implica em mudança de denominação religiosa formal e sim na adoção de novas crenças dentro da denominação já professada.
Um exemplo interessante e atual são os “Católicos não praticantes” que se converteram à “Renovação Carismática Católica”. Podemos caracterizar o fato como conversão já que o “Carismático Renovado” assume todo um novo conjunto de crenças, hábitos e valores religiosos que não possuía antes, mesmo preservando a identificação genérica de “Católico”.
Quase sempre a conversão representa uma ruptura da inércia estabelecida pela herança cultural. Não apenas os vínculos religiosos são rompidos, mas também as interfaces sociais envolvidas, que serão tão mais atingidas quanto mais forte for a guinada representada pela conversão.
Assim, no Ocidente, um católico que se converte à uma denominação evangélica rompe menos vínculos do que um cristão que se torna um muçulmano ou um Hare Krishna.
Tal ruptura cria lacunas não apenas nos valores culturais assimilados, mas também nos relacionamentos sociais, lacunas que tendem a ser preenchidas com os novos valores culturais e relacionamentos sociais providos pela nova crença.
Assim, quanto mais drástica a conversão mais drástica a ruptura. E quanto mais drástica a ruptura maior o apego à nova religião e às compensações por ela oferecidas, o que explica o porque ser praticamente uma regra o fato dos convertidos serem fiéis mais dedicados de suas novas crenças do que aqueles que as receberam de berço.
Não importa qual a sua origem - tradição ou conversão, a religiosidade está intrinsecamente ligada à emoção.
É comum a situação em que um fiel tenta explicar seu apego à religião em termos racionais e gradativamente vai incluindo elementos emocionais à sua explicação, até um ponto em que estes passam a ser preponderantes no argumento.
Ao que parece as pessoas não são religiosas porque a religião traz respostas às dúvidas e sim porque ela trás alívio e satisfação emocional para aqueles a quem a dúvida é um fardo penoso.
Isto se reflete particularmente no fato de que o ponto focal da religião não é a existência de Deus. A probabilidade da existência ou não de Deus muito pouco representa para a religiosidade – esta é uma questão filosófica ou até mesmo estatística.
O que sustenta a religiosidade é a possibilidade do Amor de Deus existir. A religiosidade não se sustenta ante à hipótese de um Deus existente mas alheio aos Homens.
O Amor dos Homens à Deus e a recíproca deste é o fundamento das grandes religiões monoteístas – toda a religiosidade surge da premissa de que uma determinada emoção humana é uma manifestação imperfeita de um pré-requisito da divindade.
Se uma determinada emoção de Deus é a origem de toda a religiosidade, esta só encontra a sua plenitude na emoção do crente – e não na sua razão – o que torna estéreis as discussões sobre a racionalidade da fé ou sobre a lógica científica da existência de Deus. Mesmo se a Ciência descobrir que um ser onipotente e criador existe, nenhum dos instrumentos ou postulados científicos poderá aferir se este ser onipotente ama os Homens ou se sequer se importa pessoalmente com eles.
A premissa de ser a emoção do crente o sustentáculo da religiosidade – que assim pode ser definida como “Sentimento Religioso”, explica a dinâmica dos cerimoniais das grandes religiões – a melancolia do serviço de sinagoga, a introspecção da oração muçulmana e a solenidade da missa Católica tradicional visam gerar o clima emocional adequado para que a fé se manifeste em sua plenitude.
Instituições menos sutis valem-se deste recurso de modo exacerbado e ostensivo, assim os gritos, gesticulações e cantorias desvairadas dos cultos pentecostais e das “Missas” carismáticas nada mais são do que uma exploração grosseira da ligação entre religiosidade e emoção, ficando claro que estas instituições valem-se da superdosagem do fator emocional para acelerar e maximizar a dinâmica da religiosidade em seus fiéis.
Postado originalmente em 11/2/2003 19:07:12
As pessoas identificam-se com uma determinada religião por herança cultural ou por conversão.
No caso da herança cultural, a prática religiosa é aprendida junto com um conjunto de crenças, hábitos e valores que são assimilados desde a infância sem maiores questionamentos e aceitos pelo adulto, no mais das vezes, sem grandes resistências, mas também sem excessiva convicção.
O que torna a assimilação da religiosidade um processo na maioria dos casos perene é o fato de que raramente questionamos heranças culturais. No nosso dia a dia não costumamos levantar questões do tipo “por que usamos calças e não sarongues?”, “por que servimos a sopa antes e não depois do prato principal?” ou “por que as mulheres gostam do filme "As Pontes de Madison´?”
Assim, a hipótese de renunciar às suas crenças é tão estranha àquele que as adquiriu por herança cultural quanto seria passar a utilizar-se, junto aos seus conterrâneos, de outro idioma que não o seu nativo. Embora a decisão seja individual, fortes interações com o ambiente social desmotivam eventuais tentativas de mudança.
O mais comum é deixar como está, e a religiosidade é preservada mais por inércia do que por fé verdadeira. Uma ilustração desta tese é o grande número de brasileiros que se declaram “Católicos não praticantes”.
O outro modo pelo qual a identidade religiosa se desenvolve é pela conversão, entendendo-se por conversão a substituição de uma crença por outra ou a mudança de uma opção não-religiosa para uma opção religiosa.
Em alguns casos a conversão não implica em mudança de denominação religiosa formal e sim na adoção de novas crenças dentro da denominação já professada.
Um exemplo interessante e atual são os “Católicos não praticantes” que se converteram à “Renovação Carismática Católica”. Podemos caracterizar o fato como conversão já que o “Carismático Renovado” assume todo um novo conjunto de crenças, hábitos e valores religiosos que não possuía antes, mesmo preservando a identificação genérica de “Católico”.
Quase sempre a conversão representa uma ruptura da inércia estabelecida pela herança cultural. Não apenas os vínculos religiosos são rompidos, mas também as interfaces sociais envolvidas, que serão tão mais atingidas quanto mais forte for a guinada representada pela conversão.
Assim, no Ocidente, um católico que se converte à uma denominação evangélica rompe menos vínculos do que um cristão que se torna um muçulmano ou um Hare Krishna.
Tal ruptura cria lacunas não apenas nos valores culturais assimilados, mas também nos relacionamentos sociais, lacunas que tendem a ser preenchidas com os novos valores culturais e relacionamentos sociais providos pela nova crença.
Assim, quanto mais drástica a conversão mais drástica a ruptura. E quanto mais drástica a ruptura maior o apego à nova religião e às compensações por ela oferecidas, o que explica o porque ser praticamente uma regra o fato dos convertidos serem fiéis mais dedicados de suas novas crenças do que aqueles que as receberam de berço.
Não importa qual a sua origem - tradição ou conversão, a religiosidade está intrinsecamente ligada à emoção.
É comum a situação em que um fiel tenta explicar seu apego à religião em termos racionais e gradativamente vai incluindo elementos emocionais à sua explicação, até um ponto em que estes passam a ser preponderantes no argumento.
Ao que parece as pessoas não são religiosas porque a religião traz respostas às dúvidas e sim porque ela trás alívio e satisfação emocional para aqueles a quem a dúvida é um fardo penoso.
Isto se reflete particularmente no fato de que o ponto focal da religião não é a existência de Deus. A probabilidade da existência ou não de Deus muito pouco representa para a religiosidade – esta é uma questão filosófica ou até mesmo estatística.
O que sustenta a religiosidade é a possibilidade do Amor de Deus existir. A religiosidade não se sustenta ante à hipótese de um Deus existente mas alheio aos Homens.
O Amor dos Homens à Deus e a recíproca deste é o fundamento das grandes religiões monoteístas – toda a religiosidade surge da premissa de que uma determinada emoção humana é uma manifestação imperfeita de um pré-requisito da divindade.
Se uma determinada emoção de Deus é a origem de toda a religiosidade, esta só encontra a sua plenitude na emoção do crente – e não na sua razão – o que torna estéreis as discussões sobre a racionalidade da fé ou sobre a lógica científica da existência de Deus. Mesmo se a Ciência descobrir que um ser onipotente e criador existe, nenhum dos instrumentos ou postulados científicos poderá aferir se este ser onipotente ama os Homens ou se sequer se importa pessoalmente com eles.
A premissa de ser a emoção do crente o sustentáculo da religiosidade – que assim pode ser definida como “Sentimento Religioso”, explica a dinâmica dos cerimoniais das grandes religiões – a melancolia do serviço de sinagoga, a introspecção da oração muçulmana e a solenidade da missa Católica tradicional visam gerar o clima emocional adequado para que a fé se manifeste em sua plenitude.
Instituições menos sutis valem-se deste recurso de modo exacerbado e ostensivo, assim os gritos, gesticulações e cantorias desvairadas dos cultos pentecostais e das “Missas” carismáticas nada mais são do que uma exploração grosseira da ligação entre religiosidade e emoção, ficando claro que estas instituições valem-se da superdosagem do fator emocional para acelerar e maximizar a dinâmica da religiosidade em seus fiéis.