Sobre padeiros, pedreiros e cientistas
Por Thaise Emilio e Helder Mateus
Quando lemos "Legal, mas pra que serve isso?", texto de Aline Lopes, nos identificamos imediatamente. É recorrente para nós pesquisadores (ou aspirantes a) ao escrever um projeto, ou descrever resultados de um trabalho, ou ler um artigo, e em vários outros momentos, parar e fazer exatamente este mesmo questionamento: Tá, mas pra que serve isso??? É um questionamento importante, e se não temos a capacidade de fazê-lo estamos fadados ao enfado. Entendemos que cada organismo vivo tem seu papel no funcionamento do planeta, nem que seja acumular um 'carbonozinho' por um tempo (de segundos a centenas de anos) e depois repassá-lo a outros componentes do ciclo. Isto não justifica a mediocridade, claro, mas o que queremos dizer é que existem padeiros, pedreiros e cientistas.
Desde que o mundo é mundo cada um tem uma função a desempenhar. Nas longíquas aulas de história aprendemos que esses papéis vão mudando conforme evoluem as sociedades. Nas sociedades coletoras-caçadoras alguns eram responsáveis pela caça e outros pela coleta de frutos. Na idade média eram tempos de reis, senhores feudais, vassalos, servos... e assim vai... O tempo passou, ainda temos que ter uma função a desempenhar, mas o papel social do que fazemos não é mais tão claro quanto era na idade da pedra. Aqui, alguns de vocês devem estar pensando que estamos equivocados, afinal é muito clara a função social de um padeiro, de um pedreiro. Mas para que exatamente serve o trabalho de um físico, historiador, biólogo ou de qualquer outro cientista? É fácil pensar no 'porquê' de profissões que estão diretamente relacionadas com nossas necessidades cotidianas, em profissionais que quando não estão ali sua ausência é imediatamente sentida. Compartilhamos aqui lembranças das greves intermináveis da época da faculdade, daquelas que só acabavam quando comprometiam o vestibular, e de quando pensávamos que essas greves não seriam tão longas se fossem lixeiros (ou padeiros!) e não professores que estivessem parados. Nossas necessidades cotidianas são necessidades concretas e muito distantes das questões abstratas dos cientistas.
Temos que concordar que não é simples pensar no trabalho abstrato dos cientistas como tijolinhos de uma construção maior, que é o conhecimento da humanidade. Para entender melhor isso, basta perguntar para um feirante qual a utilidade do estudo dos movimentos planetários feitos por Kepler no século XVII para a sua atividade, é pouco provável que ele faça um discurso sobre a influência desse trabalho para a formulação de lei da gravitação universal por Newton e que sem aquilo as balanças digitais não seriam possíveis e bla-bla-bla... Onde queremos chegar com isso é: muitas vezes quem não é cientista não entende a ciência como parte do mundo, assim como os cientistas se esquecem que são parte da sociedade, como bem lembrou o Daniel Munari (o Mindu) na última reunião dos jovens cientistas da ULE. Cada um vive bem no seu mundinho e quando cientistas precisam do resto da sociedade ou quando o resto da sociedade precisa dos cientistas é que nos damos conta que falamos línguas completamente diferentes. Mas por que isso acontece? Quando foi que nos separamos do resto do mundo?
Estamos, nós cientistas, acostumados a viver cada dia num mundo mais complexo de questionamentos profundos, análises estatísticas mirabolantes e o tempo se encarrega de deixar alguns de nós completamente alienados. A alienação é importante para a concentração e só por meio da concentração é que conseguimos lidar com problemas complexos que fazem parte do nosso cotidiano. Mas nem sempre voltamos desse mundo 'imaginário'. Muitas vezes não conseguimos resgatar nosso objetivo inicial (aplicado ou não) ou traduzi-lo para os demais interessados. Mas isso também não é tão fácil assim como parece.
Acontece, e acontece muito mesmo, que nem todo o conhecimento que geramos é imediatamente útil para a sociedade como um todo. Muito do que produzimos é útil para os nossos pares (outros cientistas) e será útil para a sociedade como um todo décadas mais tarde. Uma história clássica ilustra isso que estamos falando. Quando Isaac Newton (o mesmo de dois parágrafos atrás) foi questionado sobre como é que ele tinha conseguido ver tão longe ao formular a lei universal da gravitação a partir da simples queda de uma maçã, ele respondeu que tinha conseguido enxergar longe porque se apoiou no ombro de gigantes, referindo-se aos conhecimentos gerados por Kepler e Galileu um século atrás.
Existem problemas seríssimos para serem resolvidos todos os dias (toda a questão ambiental é um bom exemplo disso), mas bem sabemos que se toda a ciência produzida fosse somente ciência aplicada, em pouco tempo deixaríamos de enxergar longe por não existirem mais 'ombros' para nos erguer. A situação descrita pela Aline em "Legal, mas pra que serve isso?" é um exemplo de como está deficiente a comunicação entre os cientistas e a sociedade como um todo. Falamos isso porque o trabalho da Aline é um dos mais aplicados por aqui e se explicar um trabalho aplicado não foi fácil, imagine só explicar algo como um trabalho de ciência básica? Um sofrimento!
Essa coisa toda de pensar a divulgação científica como um dos pontos mais importantes do 'ser cientista' tem assumido um papel muito grande em nossas vidas recentemente. Diariamente nos angustiamos ao saber que algumas coisas poderiam ser feitas de melhor forma se as informações científicas chegassem aonde deveriam. Ao refletir sobre o porquê disso, chegamos a duas conclusões: a primeira é que somos culpados e a segunda é que, como culpados, podemos tentar nos redimir e mudar o modo como divulgamos ciência.
De maneira muito pertinente, o geólogo português Dr. Galopim Carvalho (foto), ex-diretor do Museu Nacional de História Nacional, da Universidade de Lisboa, discorre em seu texto "Ciência e Sociedade", sobre a importância da divulgação científica como elemento potencializador da capacidade de intervenção consciente do cidadão, quaisquer que sejam as suas funções ou vocações no tecido social em que se insere. Nesse sentido, acreditamos que a divulgação científica cabe muito bem aos nossos propósitos já que tiraria o peso de “detentores do conhecimento” das nossas costas e distribuiria isso por toda a sociedade. Acontece que pra divulgação científica ser eficiente é preciso simplificar e isso é tão estranho ao nosso dia-a-dia quanto ‘macrófitas aquáticas’ para taxistas.
Acreditamos que o primeiro passo desse processo de simplificação deve ser identificar para quem é útil o conhecimento gerado por nossa pesquisa. Isso porque nem todo conhecimento gerado é passível de ser traduzido para todos os públicos e não adianta forçar a barra. Por mais aplicada que seja uma pesquisa, os conhecimentos gerados fazem parte de pelo menos três universos distintos: aquele conhecimento basal que teve que ser gerado para servir como base para responder a sua pergunta mais aplicada, o conhecimento metodológico que será útil para outros pesquisadores que vierem a estudar assuntos relacionados e o conhecimento imediatamente aplicável. E aí sim, o conhecimento gerado e traduzido pode ser trazido de volta para outras camadas da "sociedade", tanto para aquele taxista como para os nossos pais ou para os ribeirinhos ou comunitários da área onde trabalhamos. Com isso, talvez ouvíssemos tantos “Legal, mas pra que serve isso” quanto padeiros e pedreiros.
...enviado por :: Helder
http://uleinpa.blogspot.com/2008/12/sob ... istas.html
Pra começar o ano
Pra começar o ano
Cérebro é uma coisa maravilhosa. Todos deveriam ter um.
- Fernando Silva
- Administrador
- Mensagens: 20080
- Registrado em: 25 Out 2005, 11:21
- Gênero: Masculino
- Localização: Rio de Janeiro, RJ
- Contato:
Re: Pra começar o ano
A pesquisa pura encontra respostas para perguntas que só serão feitas mais tarde.
Ou soluções para problemas que ainda vão surgir.
Thomas Edison, por exemplo, ao fazer experiências com suas lâmpadas, descobriu um efeito que não servia para nada, aparentemente, mas que depois foi a base da eletrônica.
Ou soluções para problemas que ainda vão surgir.
Thomas Edison, por exemplo, ao fazer experiências com suas lâmpadas, descobriu um efeito que não servia para nada, aparentemente, mas que depois foi a base da eletrônica.
Re: Pra começar o ano
Bom texto!
Re: Pra começar o ano
Fernando Silva escreveu:A pesquisa pura encontra respostas para perguntas que só serão feitas mais tarde.
Ou soluções para problemas que ainda vão surgir.
Thomas Edison, por exemplo, ao fazer experiências com suas lâmpadas, descobriu um efeito que não servia para nada, aparentemente, mas que depois foi a base da eletrônica.
A questão da aplicabilidade da ciência sempre gera algumas controvérsias e, principalmente, alguns desentendimentos quanto à função da ciência. Isto é abrangente e complicado. Mas é certo o que você disse. Nosso conhecimento de base não surge como uma necessidade de encontrar a solução para um problema prático, pelo menos não prático no sentido habitualmente conhecido, uma vez que, para o cientista pesquisador, é, sim, a resolução de um problema. E este, por mais "desvinculado" com as necessidades imediatas do ser humano, é essencial para nosso modo de vida.
Apenas para citar um exemplo, poderíamos lembrar da indução eletromagnética constatada por Faraday, que teria sido questionado da relevância deste conhecimento. Pobre inquiridor se soubesse das aplicações, até então não consideradas nem mesmo por Faraday, que viriam a seguir. Boa parte de nossa tecnologia eletro-eletrônica advém deste princípio. Ainda lembrando o mesmo Faraday, este grande cientista iniciou pesquisas com descargas elétricas em tubos com gases rarefeitos, que originariam toda uma nova física impensável até então. É bastante ilustrativo o fato de estas mesmas pesquisas possibilitarem, um pouco mais tarde, o advento dos tubos de Raios-X que, por sua vez, além das evidentes aplicações em medicina, possibilitaram a descoberta da estrutura do DNA que, por sua vez ainda, geraria toda uma revolução na biologia e medicina. Percebemos assim a relevância em se tratar com cautela o assunto da aplicabilidade do conhecimento científico, uma vez que sua gênese se dá normalmente em um contexto não pragmático. E, para isto ficar mais claro para os cidadãos que acham que ciência pura é menos importante que "pesquisa aplicada", evidentemente que a divulgação científica deve se fortalecer. O desentendimento público da ciência é uma das principais causas do excesso de misticismos ao vento que pululam na sociedade, inclusive nos meios onde faz o maior deserviço, como o da saúde pública. Ainda, este desentendimento é a causa primeira da péssima argumentação de crentes a favor de sua fé.
Um bom exemplo do imenso desentendimento do operar da ciência usado a favor de uma argumentação frívola é mostrado no vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=YZ7jQoTD3lo&feature=related
É para rir ou para chorar?
docdeoz escreveu:
"Você vai apertando a "coisa" e encontra um livro- "Variedades da Experiência Científica" que que CARL SAGAN afirma que há evidências de uma entidade chamada DEUS...
PASMEM!"
CADÊ O TRECHO? EM QUÊ PÁGINA? DE QUAL EDIÇÃO? EM QUAL CONTEXTO? SUA HONESTIDADE INTELECTUAL É IGUAL A UMA TEMPERATURA DE - 274 GRAUS CENTÍGRADOS, NÃO É MESMO?
"Você vai apertando a "coisa" e encontra um livro- "Variedades da Experiência Científica" que que CARL SAGAN afirma que há evidências de uma entidade chamada DEUS...
PASMEM!"
CADÊ O TRECHO? EM QUÊ PÁGINA? DE QUAL EDIÇÃO? EM QUAL CONTEXTO? SUA HONESTIDADE INTELECTUAL É IGUAL A UMA TEMPERATURA DE - 274 GRAUS CENTÍGRADOS, NÃO É MESMO?