Começa o FORUM INÚTIL MUNDIAL - Viva!!
Enviado: 24 Jan 2006, 06:07
A esquerda em festa
RODRIGO LOPES/ Enviado Especial/Caracas
Pela segunda vez longe de Porto Alegre, o 6º Fórum Social Mundial, a festa internacional das esquerdas, começa hoje em Caracas sob o signo da divisão que tem marcado a sociedade venezuelana. Nos últimos dois dias, marchas e contra-marchas tomaram conta de Caracas. Por trás dos mais de 2 mil debates organizados por movimentos sociais de todo o planeta, o governo Hugo Chávez e a oposição travam um capítulo particular da guerra que rachou o país no referendo de 2004.
Esta polarização assusta quem chega à Venezuela apenas para discutir "um outro mundo possível". Há policiais nas ruas e nos principais parques. Militares do exército armados com fuzis dividem espaço entre hóspedes na recepção, nas escadas e nos corredores dos hotéis.
A Avenida Bolívar, no centro de Caracas, foi convertida em uma imensa passarela do governo Chávez. No chamado "Território do Fórum" - onde estão localizados os principais locais dos debates, o Hotel Hilton e o teatro Teresa Careño -, a via foi interrompida ao tráfego. No lugar de carros, há tendas dos ministérios das áreas sociais do governo, veículos militares e um palco.
- Vai uma banderinha? - dizia Merlys Hermoso, 40 anos, na avenida ontem à tarde.
Marcha "contra a guerra e o imperialismo" abrirá o evento
A bandeirinha consiste em um pedaço de pano com as cores amarela, vermelha e azul da Venezuela, uma pequena foto do presidente e uma inscrição minúscula: "Uh, ah, Chávez no se vá". É Merlys mesmo quem faz o suvenir. Nos dias do Fórum, ela pretende transformar o broche em bolívares (moeda venezuelana) para alimentar os três filhos. Nestes dias, ela deixa sua casa em Maracay e viaja cinco horas até o centro de Caracas.
- Chávez é o meu comandante. Não cobro nada dele. Prefiro fazer o meu trabalho, porque um dia as coisas vão melhorar - afirma.
A avenida é palco da disputa de pessoas como Merlys, que vêem em Chávez o salvador da pátria, e a oposição, que o acusa de transformar o país em uma versão moderna de Cuba. Ontem, centenas de simpatizantes do governo marcharam pelo centro em comemoração ao 23 de Janeiro, data do aniversário da queda da última ditadura, em 1958.
Para algum desavisado, seria um festividade comum. Mas, em tempo de Fórum Social - vitrine do governo -, a marcha foi, na verdade, uma resposta à manifestação do domingo, quando a oposição reuniu 10 mil pessoas exigindo a saída dos membros da Comissão Eleitoral. O Fórum acontece em ano eleitoral, e Chávez é de novo candidato.
- Com a cabeça, com o coração e com as entranhas! 10 milhões! - gritava um manifestante, referindo-se ao número de votos que Chávez pretende fazer nas eleições de dezembro.
A marcha "contra a guerra e o imperialismo" abrirá oficialmente o encontro às 15h30min de hoje (17h30min em Brasília). A manifestação partirá da Plaza de las Tres Gracias e seguirá até o Paseo de los Próceres. De hoje a domingo, Chávez, transformado em ícone do Fórum em Porto Alegre, em 2005, deve ter a cidade - e o Fórum - só para ele.
"O Fórum é dos pobres"
Entrevista: José Vicente Rangel, vice-presidente da Venezuela
Durante a marcha de ontem, na Avenida Bolívar, o vice-presidente da Venezuela, José Vicente Rangel, foi interrompido por um agricultor que lhe entregou um chapéu. Cercado por oito seguranças, Rangel olhou o presente e o colocou. Os manifestantes explodiram em palmas. Enquanto caminhava, ele falou a ZH sobre a importância do Fórum Social Mundial para Caracas:
Zero Hora - O que o Fórum significa para Caracas?
José Vicente Rangel - Este é um fórum que despertou a consciência no mundo inteiro, porque assumiu o tema social como nenhum outro havia assumido. O Fórum é das pessoas pobres. Ele é um contraponto às políticas de globalização e neoliberalismo. A essas, como diz o presidente Hugo Chávez, "o caminho do inferno".
ZH - O que o senhor sabe sobre Porto Alegre?
Rangel - É uma cidade que tem uma experiência social extraordinária. É um exemplo não apenas para a América Latina, mas para o mundo inteiro. Criou uma consciência importante.
ZH - Chávez é muito criticado por suas medidas autoritárias. O objetivo do governo é usar o Fórum para desmentir isso?
Rangel - Claro. Que venham todos, falem com todas as pessoas e se dêem conta de que este é um processo social profundamente democrático, de reivindicação de liberdade, fundamentada na justiça.
ZH - O senhor lamenta a ausência do presidente Lula?
Rangel - Lamento. Seria muito importante que viesse. Mas cada presidente tem sua agenda.
Um acampamento cheio de problemas
Distante cerca de oito quilômetros do centro, o Parque Vinicio Adames deveria ser para Caracas o que o Parque Maurício Sirotsky Sobrinho foi para os jovens nas edições porto-alegrenses do Fórum Social Mundial: um espaço de convivência e troca de experiências.
Mas, a um dia do início do evento em Caracas, estava difícil até permanecer sentado dentro das barracas. A chuva que caiu à noite transformou em barro a área do acampamento internacional. A iluminação era precária, e os banheiros químicos só foram instalados à tarde.
A falta de infra-estrutura para receber os visitantes desmotivou as estudantes Kellyn Vieira e Lidiane da Silva, de Florianópolis. Elas viajaram por três dias de ônibus de Manaus a Caracas. Chegaram na madrugada de ontem. Mas, apesar do cansaço, elas preferiram não armar a barraca.
- Vamos tentar um hotel mais perto dos debates - disse Kellyn.
Poucas barracas ocupavam ontem o parque, que conta com ambulâncias e um refeitório. Uma das preocupações é quanto aos roubos que teriam ocorrido em barracas, apesar da presença de militares venezuelanos e das cercas em volta do parque. A militarização do acampamento em uma área que deveria ser apenas dos jovens é outra reclamação.
- O olhar deles é um pouco intimidador. Lá em Porto Alegre, apesar da criminalidade da cidade, não havia militares assim - lembraram as duas jovens.
Usando um vestido decorado com a bandeira brasileira, Kellyn estava feliz ao falar português com os amigos em meio a uma babel de idiomas. No grupo que viajou no ônibus da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) estavam o gaúcho Fabiano Timm, 24 anos, de Porto Alegre, e a baiana Mônica Calil, 23 anos, de Salvador.
- O mais legal foi ver como a paisagem ia mudando: primeiro, a Floresta Amazônica, depois, as árvores iam ficando mais distantes entre si, quase uma savana - comparou Fabiano.
Um segundo acampamento deve ser montado hoje no Parque Los Caobos, no centro de Caracas.
RODRIGO LOPES/ Enviado Especial/Caracas
Pela segunda vez longe de Porto Alegre, o 6º Fórum Social Mundial, a festa internacional das esquerdas, começa hoje em Caracas sob o signo da divisão que tem marcado a sociedade venezuelana. Nos últimos dois dias, marchas e contra-marchas tomaram conta de Caracas. Por trás dos mais de 2 mil debates organizados por movimentos sociais de todo o planeta, o governo Hugo Chávez e a oposição travam um capítulo particular da guerra que rachou o país no referendo de 2004.
Esta polarização assusta quem chega à Venezuela apenas para discutir "um outro mundo possível". Há policiais nas ruas e nos principais parques. Militares do exército armados com fuzis dividem espaço entre hóspedes na recepção, nas escadas e nos corredores dos hotéis.
A Avenida Bolívar, no centro de Caracas, foi convertida em uma imensa passarela do governo Chávez. No chamado "Território do Fórum" - onde estão localizados os principais locais dos debates, o Hotel Hilton e o teatro Teresa Careño -, a via foi interrompida ao tráfego. No lugar de carros, há tendas dos ministérios das áreas sociais do governo, veículos militares e um palco.
- Vai uma banderinha? - dizia Merlys Hermoso, 40 anos, na avenida ontem à tarde.
Marcha "contra a guerra e o imperialismo" abrirá o evento
A bandeirinha consiste em um pedaço de pano com as cores amarela, vermelha e azul da Venezuela, uma pequena foto do presidente e uma inscrição minúscula: "Uh, ah, Chávez no se vá". É Merlys mesmo quem faz o suvenir. Nos dias do Fórum, ela pretende transformar o broche em bolívares (moeda venezuelana) para alimentar os três filhos. Nestes dias, ela deixa sua casa em Maracay e viaja cinco horas até o centro de Caracas.
- Chávez é o meu comandante. Não cobro nada dele. Prefiro fazer o meu trabalho, porque um dia as coisas vão melhorar - afirma.
A avenida é palco da disputa de pessoas como Merlys, que vêem em Chávez o salvador da pátria, e a oposição, que o acusa de transformar o país em uma versão moderna de Cuba. Ontem, centenas de simpatizantes do governo marcharam pelo centro em comemoração ao 23 de Janeiro, data do aniversário da queda da última ditadura, em 1958.
Para algum desavisado, seria um festividade comum. Mas, em tempo de Fórum Social - vitrine do governo -, a marcha foi, na verdade, uma resposta à manifestação do domingo, quando a oposição reuniu 10 mil pessoas exigindo a saída dos membros da Comissão Eleitoral. O Fórum acontece em ano eleitoral, e Chávez é de novo candidato.
- Com a cabeça, com o coração e com as entranhas! 10 milhões! - gritava um manifestante, referindo-se ao número de votos que Chávez pretende fazer nas eleições de dezembro.
A marcha "contra a guerra e o imperialismo" abrirá oficialmente o encontro às 15h30min de hoje (17h30min em Brasília). A manifestação partirá da Plaza de las Tres Gracias e seguirá até o Paseo de los Próceres. De hoje a domingo, Chávez, transformado em ícone do Fórum em Porto Alegre, em 2005, deve ter a cidade - e o Fórum - só para ele.
"O Fórum é dos pobres"
Entrevista: José Vicente Rangel, vice-presidente da Venezuela
Durante a marcha de ontem, na Avenida Bolívar, o vice-presidente da Venezuela, José Vicente Rangel, foi interrompido por um agricultor que lhe entregou um chapéu. Cercado por oito seguranças, Rangel olhou o presente e o colocou. Os manifestantes explodiram em palmas. Enquanto caminhava, ele falou a ZH sobre a importância do Fórum Social Mundial para Caracas:
Zero Hora - O que o Fórum significa para Caracas?
José Vicente Rangel - Este é um fórum que despertou a consciência no mundo inteiro, porque assumiu o tema social como nenhum outro havia assumido. O Fórum é das pessoas pobres. Ele é um contraponto às políticas de globalização e neoliberalismo. A essas, como diz o presidente Hugo Chávez, "o caminho do inferno".
ZH - O que o senhor sabe sobre Porto Alegre?
Rangel - É uma cidade que tem uma experiência social extraordinária. É um exemplo não apenas para a América Latina, mas para o mundo inteiro. Criou uma consciência importante.
ZH - Chávez é muito criticado por suas medidas autoritárias. O objetivo do governo é usar o Fórum para desmentir isso?
Rangel - Claro. Que venham todos, falem com todas as pessoas e se dêem conta de que este é um processo social profundamente democrático, de reivindicação de liberdade, fundamentada na justiça.
ZH - O senhor lamenta a ausência do presidente Lula?
Rangel - Lamento. Seria muito importante que viesse. Mas cada presidente tem sua agenda.
Um acampamento cheio de problemas
Distante cerca de oito quilômetros do centro, o Parque Vinicio Adames deveria ser para Caracas o que o Parque Maurício Sirotsky Sobrinho foi para os jovens nas edições porto-alegrenses do Fórum Social Mundial: um espaço de convivência e troca de experiências.
Mas, a um dia do início do evento em Caracas, estava difícil até permanecer sentado dentro das barracas. A chuva que caiu à noite transformou em barro a área do acampamento internacional. A iluminação era precária, e os banheiros químicos só foram instalados à tarde.
A falta de infra-estrutura para receber os visitantes desmotivou as estudantes Kellyn Vieira e Lidiane da Silva, de Florianópolis. Elas viajaram por três dias de ônibus de Manaus a Caracas. Chegaram na madrugada de ontem. Mas, apesar do cansaço, elas preferiram não armar a barraca.
- Vamos tentar um hotel mais perto dos debates - disse Kellyn.
Poucas barracas ocupavam ontem o parque, que conta com ambulâncias e um refeitório. Uma das preocupações é quanto aos roubos que teriam ocorrido em barracas, apesar da presença de militares venezuelanos e das cercas em volta do parque. A militarização do acampamento em uma área que deveria ser apenas dos jovens é outra reclamação.
- O olhar deles é um pouco intimidador. Lá em Porto Alegre, apesar da criminalidade da cidade, não havia militares assim - lembraram as duas jovens.
Usando um vestido decorado com a bandeira brasileira, Kellyn estava feliz ao falar português com os amigos em meio a uma babel de idiomas. No grupo que viajou no ônibus da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) estavam o gaúcho Fabiano Timm, 24 anos, de Porto Alegre, e a baiana Mônica Calil, 23 anos, de Salvador.
- O mais legal foi ver como a paisagem ia mudando: primeiro, a Floresta Amazônica, depois, as árvores iam ficando mais distantes entre si, quase uma savana - comparou Fabiano.
Um segundo acampamento deve ser montado hoje no Parque Los Caobos, no centro de Caracas.