Igreja Bola de Neve: pastor tem que aprovar os namoros
Enviado: 18 Fev 2009, 13:43
"O Globo" 16/02/09
Onda de fé
Convertidas à igreja evangélica Bola de Neve, meninas da Barra da Tijuca atraem dezenas de jovens a cultos teen que conduzem nas noites de sábado
Lauro Neto - lauro.neto@oglobo.com.br
São 19h30, e o sol se põe na Barra. Milla Knesse atravessa a Avenida do Pepê, depois de passar a tarde surfando, e entra na Bola de Neve Church, igreja evangélica com púlpito em forma de prancha. Nas próximas duas horas, ela e Júlia Braz, antiga rival e atual amiga, conduzirão o culto teen que reúne cem jovens de 13 a 23 anos, sedentos de fé, em plena noite de sábado.
As duas diaconisas, aspirantes a pastoras, têm 18 anos e acabaram de entrar para o curso de Psicologia. Antes de se converter, há quatro anos, pertenciam a grupinhos rivais da Barra, frequentavam boates e namoravam. Aos 14, Milla usava drogas como maconha e loló. — Estava disposta a experimentar cocaína. Mas, um dia antes, me converti — ela conta, antes de iniciar o culto, com o clássico elástico da calcinha Calvin Klein sutilmente (e talvez inconscientemente) à mostra sobre a calça.
A liberdade na indumentária dos fiéis, aliás, foi um dos fatores que seduziram Milla e Júlia. Os outros foram a linguagem informal dos pastores, repleta de gírias que as duas reproduzem nas pregações, e a variedade musical dos cultos, com canções em ritmo de reggae, rock, hip hop e até trance. Antigamente, Júlia frequentava micaretas. Hoje, só participa das raves feitas na Bola de Neve. Ainda ouço axé, mas só o que fala de Deus. Meu iPod só tem música gospel, até em ritmo de funk. Não vou a boates, porque não vou dançar até o chão, beber ou beijar. Algumas coisas não convêm — resume Júlia.
Beijar na boca é uma dessas coisas. As duas juram que nunca mais ficaram com garotos desde que terminaram seus namoros, aos 14 anos. Os ex não quiseram acompanhá-las na fé radical. Elas explicam que, se um homem se interessar por uma mulher, deve consultar o pastor, que decidirá a respeito da união. Se ele consentir, o futuro casal ora junto por três meses, para pedir sinais a Deus.
— Tem que haver paz no coração da menina, do menino e do pastor. Se for de Deus, eles começam a namorar, noivam e se casam em até dois anos — explica Júlia. — Sei que Deus tem um cara para mim, mas ainda não é a hora. Sou muito nova.
No segundo andar da igreja, decorado com motivos de surfe, uma centena de adolescentes, que pensam e se vestem como as diaconisas, cantam louvores tocados por uma banda com guitarra, baixo e bateria. Duas meninas fazem coreografias. As letras são projetadas num telão com um fundo de pôr-do-sol. Nem precisava.
Eles sabem todas de cor. Milla é a primeira a pregar naquela noite. Ao microfone, o tom de voz é alto e linear, e o discurso, pontuado com palavras de louvor: “Senhor” é usado como vírgula; e “Amém”, como ponto de exclamação. Da assembleia ouvem-se inúmeros gritos de “Aleluia” e “Glória a Deus”. Não difere muito da caricatura de algumas igrejas evangélicas. Na hora da oferta em dinheiro, a cobrança é mais transparente.
— Se você ficar ofendido com isso, nem precisa se levantar para doar. Mas saiba que precisamos de recursos para manter a igreja. Ou você acha que quem paga o aluguel deste espaço de frente para o mar é o pastor? — alerta Milla, ao abençoar as ofertas. Antes de Júlia subir ao púlpito, mais cantos e um testemunho de fé. Lívia Cabral, de 19 anos, aprovada para o curso de Arquitetura, enumera as atribulações que superou em 2008: — Foi o pior ano da minha vida.
Além do vestibular, meus pais queriam se separar. Engordei e passei muito perrengue. Mas Deus é justo. Passei na UFRJ, e meus pais estão bem. Fiz 50%, e Ele cuidou dos outros 50%. É a vez de Júlia pregar. Ela destrincha uma passagem da Bíblia de forma divertida, enquanto uma menina toca uma melodia exaustiva no teclado. — Você pode até acordar de mau humor por causa de uma espinha.
Mas sua fé não pode ter TPM. Ela tem que crescer, não importa o que aconteça — diz. A pregação dela é ainda mais intensa. Orando fervorosamente, Júlia se aproxima de alguns e põe as mãos sobre suas cabeças. É o clímax. Sua voz treme, bem como o corpo de um adolescente, que cai a seus pés, contraindo o rosto. Após o culto, ela explica: — Ele caiu na unção. Às vezes a presença de Deus é tão grande que você não suporta o corpo, não pode ficar de pé.