Capitalismo: solidamente em crise há 500 anos
Enviado: 25 Fev 2009, 17:15
O capitalismo surgiu há uns 500 anos, com a criação dos primeiros bancos, e com ele as crises periódicas.
Períodos de expansão rápida levam a excessos de otimismo e são seguidos por estouros da bolha especulativa criada.
O ideal seria que o crescimento se limitasse a valores razoáveis, dentro da capacidade de produção e absorção do mercado, mas isto quase nunca acontece. Fatores imprevistos, expectativas irracionais, superprodução ou ganância acabam levando, periodicamente, ao fim súbito de um ciclo.
Alguns exemplos:
- A partir de 1593, iniciou-se o cultivo da tulipa na Holanda, a partir de mudas vindas da Turquia. Em poucos anos, sua popularidade cresceu e novas variedades foram desenvolvidas, tornando-se artigo de luxo e símbolo de status. Os preços dispararam e cada vez mais gente passou a investir no seu cultivo, às vezes vendendo suas casas e tudo o que tinham para conseguir mais dinheiro. Negociantes vendiam tulipas que ainda nem tinham sido plantadas. No início de 1637, entretanto, o interesse por tulipas diminuiu, a bolha estourou e o preço das flores caiu 90%. O pânico se alastrou, contratos não foram honrados e muita gente ficou arruinada.
- Por volta de 1711, a empresa inglesa South Sea Company emprestou dinheiro ao governo, que precisava financiar suas guerras. Em troca, a empresa recebeu o monopólio dos negócios nos mares do sul, baseados no tráfico de escravos e no comércio com a Espanha. A South Sea Company emitiu ações, vendidas com sucesso, e surgiu nova bolha, em muitos casos alimentada por boatos espalhados pela própria empresa para aumentar o valor das ações. Até mesmo Isaac Newton adquiriu ações. Em 1718, entretanto, as relações amistosas com a Espanha deram lugar à guerra. Os donos da South Sea, percebendo o desastre, emitiram ainda mais ações e depois venderam todas as que tinham, com grande lucro, mas, logo depois, seu valor desabou e os donos fugiram, mais uma vez deixando muita gente arruinada.
- Em 1856, morreu Samuel Gurney, fundador do banco inglês Overend & Gurney. Os novos donos abandonaram 2 séculos de administração austera e começaram a financiar todo tipo de empreendimento: navios, portos, estradas de ferro. Entretanto, a concorrência excessiva entre essas novas empresas reduziu os lucros e, quando o boato se espalhou, os depositantes do banco correram a tirar seu dinheiro. Como o Banco da Inglaterra não socorreu o banco e o deixou falir, os demais bancos também ficaram sob suspeita e a polícia teve que reprimir os depositantes em pânico.
- A partir de 1880, o dinheiro estava sobrando na Inglaterra e os ingleses fizeram investimentos pesados na Argentina, que pagava com a venda de carne, lã e cereais. A fartura de dinheiro levou a obras necessárias, como infraestrutura e ferrovias, mas também ao aumento dos gastos públicos, importações desnecessárias e especulação. Enquanto o dinheiro externo continuou entrando, a bolha cresceu, mas, a partir de 1890, a recessão na Europa interrompeu o fluxo de dinheiro e as mercadorias que a Argentina produzia caíram de preço. Em 1891, a Argentina decretou moratória e levou à falência o banco inglês Barings Brothers, embora, neste caso, o governo da Inglaterra e de outros países tenham agido rápido para evitar o pânico.
- Por volta de 1895, começou uma grande onda de investimentos ingleses nos EUA, inclusive com empréstimos para gente que não podia pagar, criando uma grande bolha que estourou em 1907, quando o Banco da Inglaterra aumentou os juros e secou a fonte de dinheiro fácil, quebrando a Bolsa de N.York e levando os EUA a uma recessão que também afetou a Europa e a América Latina.
-No fim da década de 1920, os EUA tinham se tornado o centro financeiro do mundo, além dos maiores exportadores e importadores. A inovação tecnológica provocou grande aumento de produtividade, o que teve como efeito colateral o desemprego e a queda dos salários. A superprodução agrícola fez cair o preço dos produtos. Ou seja, justamente quando a produção de bens de consumo cresceu, o mercado encolheu. Apesar disto, desde 1926, a especulação financeira só fazia crescer. Em 1929, os estoques acumulados nas fábricas e os cortes de encomendas dos comerciantes levaram a balancetes ruins, o que gerou dúvidas quanto à solidez das empresas e fez cair o valor das ações na Bolsa de N.York, resultando em pânico, corridas aos bancos e falências por toda a parte. Para se capitalizar, os americanos pegaram de volta o dinheiro aplicado em outros países, espalhando a crise pelo mundo. Entre 1929 e 1933, nos EUA, 110 mil empresas faliram e 8.812 bancos fecharam, chegando o desemprego a 25% em 1933.
As crises não são um problema do capitalismo e sim resultado da burrice das pessoas, que não aprendem que há um limite para a expansão econômica baseada no crédito. Elas sempre acham que, desta vez, a coisa é sólida e definitiva. Esperam ganhos rápidos, fazem dívidas absurdas para investir em negócios duvidosos. A bolha vai crescendo até que surge a primeira dúvida, até que alguém pula fora da pirâmide e tudo desaba.
E isto continuará acontecendo enquanto pessoas, empresas e instituições acharem que podem ter lucros irreais, desconectados daqueles produzidos pelo trabalho e pela produção. Enquanto elas acharem que podem cortar caminho em direção à riqueza e que comprar e vender papéis é mais inteligente que trabalhar e produzir, acumulando riquezas sólidas no longo prazo.
Adaptado de: "De especulação também se vive", por Marcos Lobato Martins, publicado na revista "Leituras da História" - número 16.
Períodos de expansão rápida levam a excessos de otimismo e são seguidos por estouros da bolha especulativa criada.
O ideal seria que o crescimento se limitasse a valores razoáveis, dentro da capacidade de produção e absorção do mercado, mas isto quase nunca acontece. Fatores imprevistos, expectativas irracionais, superprodução ou ganância acabam levando, periodicamente, ao fim súbito de um ciclo.
Alguns exemplos:
- A partir de 1593, iniciou-se o cultivo da tulipa na Holanda, a partir de mudas vindas da Turquia. Em poucos anos, sua popularidade cresceu e novas variedades foram desenvolvidas, tornando-se artigo de luxo e símbolo de status. Os preços dispararam e cada vez mais gente passou a investir no seu cultivo, às vezes vendendo suas casas e tudo o que tinham para conseguir mais dinheiro. Negociantes vendiam tulipas que ainda nem tinham sido plantadas. No início de 1637, entretanto, o interesse por tulipas diminuiu, a bolha estourou e o preço das flores caiu 90%. O pânico se alastrou, contratos não foram honrados e muita gente ficou arruinada.
- Por volta de 1711, a empresa inglesa South Sea Company emprestou dinheiro ao governo, que precisava financiar suas guerras. Em troca, a empresa recebeu o monopólio dos negócios nos mares do sul, baseados no tráfico de escravos e no comércio com a Espanha. A South Sea Company emitiu ações, vendidas com sucesso, e surgiu nova bolha, em muitos casos alimentada por boatos espalhados pela própria empresa para aumentar o valor das ações. Até mesmo Isaac Newton adquiriu ações. Em 1718, entretanto, as relações amistosas com a Espanha deram lugar à guerra. Os donos da South Sea, percebendo o desastre, emitiram ainda mais ações e depois venderam todas as que tinham, com grande lucro, mas, logo depois, seu valor desabou e os donos fugiram, mais uma vez deixando muita gente arruinada.
- Em 1856, morreu Samuel Gurney, fundador do banco inglês Overend & Gurney. Os novos donos abandonaram 2 séculos de administração austera e começaram a financiar todo tipo de empreendimento: navios, portos, estradas de ferro. Entretanto, a concorrência excessiva entre essas novas empresas reduziu os lucros e, quando o boato se espalhou, os depositantes do banco correram a tirar seu dinheiro. Como o Banco da Inglaterra não socorreu o banco e o deixou falir, os demais bancos também ficaram sob suspeita e a polícia teve que reprimir os depositantes em pânico.
- A partir de 1880, o dinheiro estava sobrando na Inglaterra e os ingleses fizeram investimentos pesados na Argentina, que pagava com a venda de carne, lã e cereais. A fartura de dinheiro levou a obras necessárias, como infraestrutura e ferrovias, mas também ao aumento dos gastos públicos, importações desnecessárias e especulação. Enquanto o dinheiro externo continuou entrando, a bolha cresceu, mas, a partir de 1890, a recessão na Europa interrompeu o fluxo de dinheiro e as mercadorias que a Argentina produzia caíram de preço. Em 1891, a Argentina decretou moratória e levou à falência o banco inglês Barings Brothers, embora, neste caso, o governo da Inglaterra e de outros países tenham agido rápido para evitar o pânico.
- Por volta de 1895, começou uma grande onda de investimentos ingleses nos EUA, inclusive com empréstimos para gente que não podia pagar, criando uma grande bolha que estourou em 1907, quando o Banco da Inglaterra aumentou os juros e secou a fonte de dinheiro fácil, quebrando a Bolsa de N.York e levando os EUA a uma recessão que também afetou a Europa e a América Latina.
-No fim da década de 1920, os EUA tinham se tornado o centro financeiro do mundo, além dos maiores exportadores e importadores. A inovação tecnológica provocou grande aumento de produtividade, o que teve como efeito colateral o desemprego e a queda dos salários. A superprodução agrícola fez cair o preço dos produtos. Ou seja, justamente quando a produção de bens de consumo cresceu, o mercado encolheu. Apesar disto, desde 1926, a especulação financeira só fazia crescer. Em 1929, os estoques acumulados nas fábricas e os cortes de encomendas dos comerciantes levaram a balancetes ruins, o que gerou dúvidas quanto à solidez das empresas e fez cair o valor das ações na Bolsa de N.York, resultando em pânico, corridas aos bancos e falências por toda a parte. Para se capitalizar, os americanos pegaram de volta o dinheiro aplicado em outros países, espalhando a crise pelo mundo. Entre 1929 e 1933, nos EUA, 110 mil empresas faliram e 8.812 bancos fecharam, chegando o desemprego a 25% em 1933.
As crises não são um problema do capitalismo e sim resultado da burrice das pessoas, que não aprendem que há um limite para a expansão econômica baseada no crédito. Elas sempre acham que, desta vez, a coisa é sólida e definitiva. Esperam ganhos rápidos, fazem dívidas absurdas para investir em negócios duvidosos. A bolha vai crescendo até que surge a primeira dúvida, até que alguém pula fora da pirâmide e tudo desaba.
E isto continuará acontecendo enquanto pessoas, empresas e instituições acharem que podem ter lucros irreais, desconectados daqueles produzidos pelo trabalho e pela produção. Enquanto elas acharem que podem cortar caminho em direção à riqueza e que comprar e vender papéis é mais inteligente que trabalhar e produzir, acumulando riquezas sólidas no longo prazo.
Adaptado de: "De especulação também se vive", por Marcos Lobato Martins, publicado na revista "Leituras da História" - número 16.