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Ainda não está pronto, mas vai assim mesmo:
Falta de fé não é fé na inexistência de algum deus
Religiosos alegam que o ateísmo também é um tipo de fé. É uma forma de classificar todos os ateus como fundamentalistas.
É também uma falácia conhecida como "tu quoque" ("você também").
Como os religiosos vivem num mundo de ilusões baseado na vontade de acreditar, talvez seja bom esclarecer o significado de termos como "secular", "humanista" e "ateu". Se eles entenderem estes conceitos, entenderão que nenhum deles implica em "fé" em alguma coisa e que não é possível ser fundamentalista em relação a nenhum deles.
"Secularismo" é o ponto de vista de que Igreja e Estado devem ficar separados. O secularismo convém aos religiosos que não querem que o Estado interfira nos assuntos da Igreja. Igrejas controladas pelo Estado não têm vontade própria e a Igreja Anglicana, da Inglaterra, é um bom exemplo. Por outro lado, o controle do Estado por uma religião tende a degenerar em algo como os talibãs, de triste e trágica história.
Se os grupos religiosos tivessem um pingo de juízo, apoiariam o secularismo para ter mais chance de sobreviver, já que um regime secular é neutro em relação a todos eles, com suas muitas e diferentes religiões e respectivas seitas internas. Deste modo, não haveria o risco de uma delas tomar ou controlar o poder e acabar com as outras por decreto.
Ou seja, é possível - e até sensato - que religiosos sejam seculares.
"Humanismo", no sentido atual do termo, é o ponto de vista de que, qualquer que seja seu sistema ético, este deriva de um entendimento adequado da natureza humana e da condição humana no mundo real. Isto significa que o humanista, ao tentar descobrir o que é bom e quais as suas responsabilidades para com ele mesmo e os outros, não vai tomar como premissa informações fornecidas pela astrologia, contos de fada, crenças sobrenaturais, animismo, politeísmo ou qualquer outra coisa que herdamos do passado remoto e ignorante da humanidade.
Também é possível que pessoas religiosas sejam humanistas, embora isto implique em algumas contradições e esquisitices, já que a ética humanista não tem nada a ver com a crença destas pessoas na existência de entidades sobrenaturais. Talvez elas precisem acreditar nessas entidades porque, de outra forma, não consigam entender como o mundo natural pode existir - como se apelar para seres invisíveis e indetectáveis provasse alguma coisa. Como se nos permitisse concluir alguma coisa sobre a origem do universo.
"Ateísmo" é a palavra usada por religiosos para designar aqueles não compartilham sua crença em entidades ou forças sobrenaturais. Supõe-se (como eu não canso de lembrar) que os que acreditam em fadas chamariam os que não crêem de "a-fadistas", numa tentativa de manter o debate no contexto das fadas, como se houvesse alguma coisa sensata nele. Como se houvesse algum sentido em se debater a existência de alguma entidade do mundo das fadas.
Pessoas que não acreditam em entidades sobrenaturais não têm "fé na não-existência de X", onde X pode ser "fadas" ou "duendes" ou "deuses". O que elas têm é confiança no poder da razão e da observação dos fatos e, portanto, estão preparadas para aceitar as conclusões a que são levadas ao tomarem como premissas a razão e os fatos.
A opinião que elas têm sobre as coisas é proporcional à evidência existente em favor delas, e estão sempre prontas a mudar diante de evidências novas ou melhores. "Fé" - especificamente a adesão a uma crença diante da falta de evidências que apóiem essa crença, ou até mesmo (o que é considerado virtuoso pelos religiosos) diante de evidências em contrário - é algo bem diferente. A expressão "pensador religioso" chega a ser engraçada, já que a fé é limitada por sua negação do pensamento.
Quem não compartilha o ponto de vista dos religiosos deveria rejeitar o nome "ateu", a menos que os religiosos digam "ateus, a-fadistas, a-duendistas, a-fantasmistas etc." numa lista interminável, para deixar claro a rejeição a qualquer crença em entidades sobrenaturais. Já que cristãos e islamitas não acreditam em Thor, Wotan, Zeus, Ares e Hermes, Shiva e Vishnu e assim por diante, eles também são "ateus" a respeito de quase todos os deuses já imaginados.