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A NATUREZA DA REALIDADE II

Enviado: 26 Jan 2006, 14:21
por Fayman
Este tópico é uma complementação ao anterior, "A NATUREZA DA REALIDADE – A Falência do Determinismo e as Desigualdades de Bell". Nele, iremos ver mais a fundo o trabalho de David Bohm, onde alguns mitos caem por terra, como por exemplo, a adesão a este programa por parte de Einstein. A visão dele, e de Bohm, são bem diferentes, onde Einstein acreditava firmemente em um retorno à Física Clássica. Como veremos, a teoria de Bohm, embora Determinística, não é um retorno à Mecânica Clássica.

Outro ponto é relativo à parte onde Bohm “abandona” seu programa de Variáveis Ocultas (inclusive, afirma que tal proposta deveria ser vista como representações esquemáticas ou preliminares) e passa a “desenvolver” (matematizar) uma INTUIÇÃO sua, a que chamou de Ordem Implicada. É muito interessante perceber, e bem esclarecedor, o comentário de o desenvolvimento de tal programa despertou o interesse de outros círculos, além da Física, mas em momento algum se vê as atribuídas declarações a Bohm, encontradas em dezenas de sites... “espiritualistas / religiosos”, sobre uma... “consciência cósmica, deus, ou qualquer referencia do tipo”. Neste ponto, não sei qual era a posição pessoal de Bohm no tocante às suas crenças, ou mesmo se ele emitiu algum comentário a esse respeito, mas seja como for, fica claro que Bohm, em toda a concepção de seu trabalho, tratava de FÍSICA e mais nada! Mesmo que ele as expressou, em momento algum qualquer de seus trabalhos publicados em FÍSICA dão qualquer sustentáculo maior à suas crenças, sendo estas apenas e tão somente a sua opinião.

E por fim, veremos também a participação do Brasil e de físicos brasileiros em toda essa questão, com destaque para Mário Schenberg, na minha opinião, e a despeito da “fama” de Lattes, o maior físico brasileiro, sem sombras de dúvidas, como bem demonstram seus trabalhos com aplicação da Supersimetria, anos antes dos demais.


O presente texto é parte do artigo DAVID BOHM, SUA ESTADA NO BRASIL E A TEORIA QUÂNTICA, de autoria de Olival Freire Jr.; Michel Paty; Alberto Luiz da Rocha Barros, publicado nos Estud. Av. vol.8 no.20, de abril de 1994, do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo.



A REINTERPRETAÇÃO DA TEORIA QUÂNTICA PROPOSTA POR BOHM

O interesse de David Bohm pelos fundamentos da Teoria Quântica não se esgotou na redação do seu livro Quantum Theory. Concluído o texto ele enviou-o a W. Pauli, N. Bohr e A. Einstein. Pauli manifestou-se elogiando o conteúdo, mas Bohr não respondeu. Einstein, que trabalhava em Princeton, convidou-o para discussões quando expôs sua própria apreciação a respeito desta teoria. Estas discussões contribuíram para motivar Bohm a buscar uma nova abordagem para estes problemas. Motivado também pelo conhecimento das críticas de físicos soviéticos, como Biokhintsev e Terletski, à interpretação usual da Teoria Quântica, ele empreendeu a elaboração do trabalho com o qual marcou de forma duradoura sua participação na história da Teoria Quântica e de sua interpretação.

O trabalho publicado em 1952 consiste na construção de um modelo físico capaz de reproduzir todos os resultados que podem ser obtidos com a Teoria Quântica, na sua interpretação usual, mas apoiado em um quadro conceituai mais amplo que, com o auxílio de parâmetros adicionais (escondidos), permite uma descrição contínua, detalhada e causal de todos os processos, mesmo no nível quântico. Obtém-se com isto uma recuperação do determinismo próprio à Física Clássica.

Tratava-se de uma reinterpretação porque a Teoria Quântica, na interpretação usual, atribui à função que descreve Sistemas Quânticos como átomos e moléculas um significado essencialmente probabilístico. Com a Função PSI (letra grega), que é solução da equação formulada por Schrödinger, se obtém, através do quadrado de seu módulo, as probabilidades de obtenção dos valores das grandezas físicas envolvidas. Denominada também de Interpretação de Copenhagen, ela firmou-se na comunidade científica como a interpretação da Teoria Quântica, mesmo que pese a discordância de físicos eminentes como Schrödinger, Einstein e de Broglie. Este último tentou, entre 1926 e 1927, uma descrição causal da Teoria Quântica, introduzindo variáveis adicionais às já usadas (teorias da Dupla Solução e da Onda-Piloto), mas desistiu deste programa.

Bohm, contudo, não tinha conhecimento prévio destes trabalhos alternativos mais antigos. E devido a esta precedência, de trabalhos como os de L. de Broglie, que o historiador da ciência Max Jammer denominou a discussão desencadeada, pelo trabalho de Bohm, na comunidade científica no início da década de 50 como O renascimento, por Bohm, das Variáveis Ocultas.

Após a elaboração do artigo, e antes da publicação, Bohm tomou conhecimento dos trabalhos prévios e das criticas a eles feitas na época, que se aplicavam também ao seu. Registrou então a precedência e desenvolveu ainda mais sua proposta buscando superar as críticas. O desenvolvimento realizado foi basicamente a aplicação do próprio modelo ao processo de medida dos Sistemas Quânticos e foi publicado como a segunda parte do mesmo artigo, conjuntamente com a primeira. Com este desenvolvimento a proposta de Bohm evitava a crítica — impossibilidade de descrever experiências de colisões inelásticas — feita por Pauli (1) à proposta de L. de Broglie, em 1927.

(1) Pauli mostrou que o modelo proposto por de Broglie não descrevia adequadamente problemas de espalhamento de partículas lançadas contra um rotor, quando se considerava colisões inelásticas. Ver Electrons et photons — Consul Solvay 1927, Paris, Gauthier-Villars, 1928, p.280-282.

O modelo construído por Bohm trata um Sistema Quântico, um Elétron, por exemplo, como uma partícula com posição e momento bem definidos, em todos instantes, e submetida a um campo físico real análogo, mas não idêntico, ao campo eletromagnético, e que estaria na origem de suas propriedades quânticas. Reescrevendo a função, que é solução da equação de Schrödinger, ele busca analogias com a Física Clássica, especialmente com o formalismo Hamiltoniano da Mecânica. Um obstáculo a esta analogia é que a Energia Mecânica total, representada pelo Hamiltoniano, comparece nas equações derivadas por Bohm com um terceiro termo (além das energias Cinética e Potencial) que não tem análogo clássico. Bohm propõe então interpretar literalmente este termo como um potencial não clássico, que ele denomina de Potencial Quântico.

Neste modelo a Mecânica Newtoniana clássica não perde a validade no domínio quântico, e Bohm a expressa escrevendo a segunda lei de Newton para uma partícula quântica. Com a equação de movimento dada pelas leis de Newton e mais as condições iniciais, tem-se então recuperado o conceito de trajetória no Espaço-Tempo, que perdeu seu sentido exato na interpretação usual da Teoria Quântica. Como se sabe, a Teoria Quântica não admite uma definição e medição simultânea das variáveis momento e posição. Na interpretação usual da Teoria Quântica, elas estão condicionadas pelas Relações de Indeterminação de Heisenberg. A descrição no Espaço-Tempo (trajetórias bem definidas) e as Leis de Conservação do Momento e da Energia (que não dependem das trajetórias) são abordagens complementares na visão de Niels Bohr, devido à finitude do Quantum de Ação, expresso pela constante de Planck. No modelo de David Bohm, as variáveis momento e posição de uma partícula, bem-definidas, são denominadas suas variáveis suplementares, ou ocultas, com relação à Teoria Quântica. Elas têm existência simultânea, porém não aparecem explicitamente no processo, a não ser na forma do Potencial Quântico.

Para a consistência da interpretação, Bohm adotou premissas (3) adicionais ao seu próprio modelo que, não sendo inerentes ao quadro conceituai da interpretação proposta, poderiam ser relaxadas, por exemplo, para regiões da ordem de 10-13 cm — dimensões do núcleo atômico — levando então a previsões distintas daquelas da interpretação usual. Ele chega a assinalar possíveis modificações no seu modelo, mas não as desenvolve.

(3) O momento da partícula, que é dado pelo gradiente de S, a validade da Equação de Schrödinger e a equivalência entre a função R2 do modelo e a Densidade de Probabilidade própria da Teoria Quântica.

Conseguindo reproduzir, com seu modelo, alguns dos principais resultados da Teoria Quântica Não-Relativística, Bohm obteve êxito em seu propósito básico, o de demonstrar a possibilidade de uma interpretação causal para os Fenômenos Quânticos.
Cabe notar que a proposta de Bohm, extensiva ao processo da medida, incorpora também Variáveis Ocultas nos aparelhos de medida. Estas são incluídas na construção do Hamiltoniano da interação aparelho-sistema. A teoria proposta implica a mesma propriedade, contida na interpretação usual, de Não-Localidade para sistemas separados espacialmente que interagiram no passado, propriedade que tinha sido apontada e criticada por Einstein, em seu argumento EPR. A Não-Localidade, no modelo de Bohm, é decorrência de considerar os resultados das medidas de grandezas físicas como resultantes da interação dos sistemas com os aparelhos de medida. É importante notar que o modelo de Bohm é Determinístico, porém, Não-Local. As Variáveis Ocultas evitam, pelo seu caráter Não-Local, a prova de impossibilidade de Von Neumann, de 1932, como John Bell observou em 1966.

A RECEPÇÃO DA PROPOSTA DE BOHM NA COMUNIDADE CIENTÍFICA

O trabalho de Bohm desencadeou forte repercussão na comunidade científica. Pelo menos os seguintes cientistas o analisaram: A. Einstein, L. de Broglie, W. Pauli, O. Halpern, S.T. Epstein, T. Takabayasi, J.B. Keller, J.P. Vigier, E. Schatzman, H. Freidstadt, L. Rosenfeld, J.L. Destouches.

Prevaleceram atitudes críticas, embora tenham existido adesões, em geral no terreno epistemológico. Mas as críticas não tiveram o caráter de uma refutação direta no terreno estrito da física, ou seja, não foram apontadas discrepâncias entre a interpretação de Bohm e resultados experimentais. As críticas dirigiram-se à consistência física do modelo ou à sua moldura epistemológica. Bohm não aceitou passivamente as críticas. Polemizou com quase todas. Mas o fez em geral apresentando novos argumentos e mesmo desenvolvendo o seu programa. Estas respostas e estes desenvolvimentos foram elaborados quando da estada na USP. Aliás quando o artigo inicial – “A suggested interpretation of the Quantum Theory in terms of Hidden Variables” – foi publicado, o endereço institucional de Bohm já era a Universidade de São Paulo.

Examinemos algumas das reações da recepção:

O DEBATE COM EINSTEIN

A recepção crítica de Einstein, provavelmente não esperada por Bohm, é muito esclarecedora da natureza das posições do primeiro sobre a Teoria Quântica. Há no período uma intensa correspondência entre Einstein e Bohm. As divergências tornam-se públicas, em 1953, por ocasião da edição de livro em homenagem a M. Born.

Einstein se propõe a discutir a questão:

“Que diz a função  sobre o estado real (individual) de um Sistema Quântico?”, pergunta.
Para desenvolver a discussão, ele reflete sobre os enunciados da Mecânica Quântica, relativos aos sistemas macroscópicos; ou seja, objetos dos quais nós temos evidências sensíveis diretas. Para estes sistemas, ele levanta a seguinte questão:
"A descrição real fornecida pela Mecânica Clássica está implicitamente contida (de forma aproximada, evidentemente) na Mecânica Quântica?"

Einstein examina concretamente um experimento idealizado, no qual o sistema é constituído por uma esfera de 1 mm de diâmetro, que realiza um movimento de vai-e-vem (ao longo do eixo X de um sistema de coordenadas) entre duas paredes paralelas (distantes uma da outra cerca de 1 m), com as seguintes idealizações:

Choques elásticos, paredes substituídas por poços de potencial que só dependem das coordenadas de posição, e esfera descrita exclusivamente pela coordenada do centro de gravidade, ou seja, tratada como um ponto material.
A forma analítica da função que, na Teoria Quântica, descreve o Estado deste sistema é dada por uma superposição de duas ondas propagando-se em direções opostas. Ele coteja esta função com as interpretações disponíveis.

A interpretação usual fornece para o momento da partícula dois valores nítidos e precisos, opostos e quase iguais, coincidindo, aliás, com os valores clássicos, e afetados todos os dois com a mesma probabilidade.

Einstein conclui então que os resultados seriam os mesmos, aproximadamente, obtidos para um conjunto de várias esferas macroscópicas tratadas classicamente. A seguir, ele conclui com o seu conhecido diagnóstico sobre a Teoria Quântica:
“A interpretação estatística, proposta por M. Born, é perfeitamente satisfatória, mas incapaz de uma descrição real de um sistema individual, já que em cada caso individual clássico, nós teremos sempre um dos dois valores para o momento da esfera”.

A sua insatisfação com a proposta de Bohm é muito simples de ser relatada. É que nesta interpretação a velocidade da partícula (4) será sempre nula.

(4) A velocidade é dada pelo gradiente de S/m, e para este fenômeno será nula, pois a função S não depende das coordenadas espaciais.

A interpretação proposta por Bohm é pouco plausível e por isto insatisfatória já que o fato de que a velocidade seja nula está em contradição com a exigência, bem fundada, segundo a qual, para um sistema macroscópico, o movimento deve ser aproximadamente idêntico àquele que decorre da Mecânica Clássica. A conclusão geral extraída por Einstein é bastante forte no contexto da recepção à proposta de Bohm, concluindo que:


“...das considerações precedentes resulta que a única interpretação da Equação de Schrödinger admissível, até o presente, é a Interpretação Estatística dada por Born."


Percebam aqui, que Einstein rejeita explicitamente a proposta de Bohm, salientando que, até o presente momento, a interpretação probabilística, dada à Função de Ondas de Schrödinger, por Born, é a única interpretação admissível àquela equação.


A crítica de Einstein, contudo, não colocou para Bohm uma situação nova. Ele já havia tratado, no artigo de 1952, de uma situação análoga, isto é, o problema de uma partícula livre contida entre duas paredes impenetráveis e perfeitamente refletoras. Ele abordou deste problema motivado pelo trabalho de N. Rosen, que havia examinado o mesmo modelo, desenvolvido ulteriormente por Bohm, e o descartado, ao constatar que, para ondas estacionarias, o modelo descrevia partículas sempre em repouso, ou era incapaz de descrever os fenômenos de interferência. Na visão de Rosen, isto conflitava com a idéia de um Elétron confinado, por exemplo, no átomo de Hidrogênio, para o qual o tratamento quântico adequado supõe variáveis, como momento angular, contraditórias com a imagem de um Elétron em repouso, conforme o Modelo de Bohm.

Na sua resposta a Einstein, Bohm afirma, com naturalidade, que efetivamente no seu modelo, para a interpretação causal, a partícula estará em repouso, mas que a aplicação da proposta ao próprio processo de medida destruiria esta função T, reduzindo o pacote de ondas a valores de momentos (+p e -p) igualmente prováveis, levando a “resultados experimentais equivalentes aos previstos pela interpretação usual.”

A resposta não podia satisfazer Einstein, pois se referia a uma submissão do significado do fenômeno às condições da observação. Com efeito, para Bohm obter resultados compatíveis com os da Teoria Quântica era necessário aplicar o modelo das Variáveis Ocultas ao próprio processo de medida, condicionando por isto a descrição dos Fenômenos Quânticos à interação com os aparelhos de medida. Característica epistemológica comum à interpretação usual (Probabilística) (5), e inaceitável para Einstein.

(5) Esta proximidade epistemológica entre D. Bohm e N. Bohr foi identificada por Jammer que, referindo-se à parte II do trabalho de Bohm, (1952) afirma:

"A sua ênfase, provavelmente sob o impacto das críticas de Pauli, sobre a dependência das medidas de probabilidade das Variáveis Ocultas, com referência ao tipo de observáveis medidos, isto é, sobre a relação integral entre o sistema e o dispositivo de medida, é obviamente um definido rapprochement com a característica de totalidade de Bohr". Ver M. JAMMER, The philosophy of quantum mechanics, op.cit., p.286-287. Ver também J. BUB, Hidden variables and the Copenhagen interpretation — a reconciliation. Brit.J.Phil.Sci., 19, 1968, p.185-210, onde esta proximidade é analisada mais amplamente. O próprio Bohm reconhecia, em algumas ocasiões, esta proximidade. Em 1957, debatendo com L. Rosenfeld, que tinha posições muito próximas das posições de Bohr, ele declarou:

"A diferença entre a minha posição e a do Prof. Rosenfeld é esta: ambos concordamos que a presente Mecânica Quântica implica que o aparelho desempenha um papel muito fundamental, ajudando a produzir o fenômeno, porque existe um acoplamento muito sensível entre o objeto e o aparelho. Mas eu proponho um modelo que visa explicar porque isto acontece". S. Körner, Observation and interpretation in the philosophy of physics — with special reference to quantum mechanics. New York, Dover Publications, 1957, p.61.


A CRÍTICA DE PAULI E OUTRAS CRÍTICAS À CONSISTÊNCIA FÍSICA DO MODELO DE BOHM

Uma das críticas mais importantes feita por Pauli, nesta fase dos debates, sobre os fundamentos da teoria, foi que a validade geral da equivalência feita por Bohm entre o campo associado ao Potencial Quântico do modelo proposto e a Distribuição de Probabilidades associada à Função de Onda da Teoria Quântica não se sustentava, pois a segunda tinha seu significado delimitado pelo seu próprio quadro teórico. Crítica semelhante foi sustentada também por J.B. Keller.
Outros físicos, como O. Halpern e T. Takabayasi concentraram as críticas no fato que a proposta de Bohm reproduzia os resultados da Teoria Quântica Não-Relativística, mas não fazia o mesmo para fenômenos que dependessem da variável Spin, os quais podem ser tratados pela formulação relativística da Teoria Quântica elaborada por Dirac. Estes autores sustentaram não ser possível desenvolver o modelo de Bohm de forma a concordar com a Mecânica Quântica Relativística. Esta crítica, no contexto da física do início dos anos 50, adquiria bastante força, pois a Teoria Quântica Relativística acabava de receber significativo desenvolvimento nos trabalhos de R. Feynman, S. Tomonaga e J. Schwinger.

ADESÕES E CRÍTICAS EPISTEMOLÓGICAS

A perspectiva epistemológica de recuperação de uma descrição física determinista e objetiva, no sentido clássico, recebeu adesões de físicos como H. Freidstadt, nos EUA, e E. Schatzman, na França. Mas exatamente esta perspectiva foi objeto de críticas essencialmente epistemológicas por L. Rosenfeld, que defendeu as aquisições conceituais e epistemológicas da interpretação usual da Teoria Quântica. É notável que os três autores se apoiaram no mesmo terreno filosófico — Materialismo Dialético — mas defendendo distintas interpretações físicas para esta teoria. Já T. Takabaysi, embora explorando modelos físicos semelhantes ao construído por Bohm considerou um passo atrás e metafísico, a busca de uma descrição causal clássica por não levar a previsões distintas das existentes nas teorias já estabelecidas.

A atitude de Louis de Broglie, bem como a de J.P. Vigier, não é passível de um enquadramento único, pois combinou uma adesão ao programa epistemológico de recuperação da descrição causal clássica com criticas quanto à simplicidade do modelo físico (6).

(6) Ao modelo desenvolvido por Bohm, que ele denomina de Onda-Piloto, de Broglie contrapõe o modelo da Dupla-Solução, alterando a linearidade do formalismo da Teoria Quântica. Para uma revisão das suas posições, ver L. de BROGLIE. La physique quantique restera-t-elle indéterministe? (1952). In: L. de BROGLIE. Nouvelles perspectives en microphysique, Paris, Albin Michel, 1956.

O retorno de Louis de Broglie às suas posições de 1926-1927 foi motivado pela situação insólita de Bohm ter retomado e desenvolvido o modelo original, de L. de Broglie, a ponto de livrá-lo das críticas sofridas à época, mas também pelas discussões realizadas com J.P. Vigier, então seu assistente.

DESENVOLVIMENTOS NO TRABALHO DE BOHM EM SUA ESTADA NO BRASIL

A sensibilidade de Bohm à crítica de W. Pauli e J.B. Keller ficou evidente quando dedicou dois trabalhos à demonstração de que a grandeza representando a Densidade de Probabilidade de seu modelo, que é arbitrária, pode ser igualada aos valores da Densidade de Probabilidade própria da Teoria Quântica, justificando assim a associação entre as duas grandezas. Aliás entre os dois trabalhos existe um percurso, e uma mudança no modelo adotado por Bohm. No primeiro trabalho, apresentado em janeiro de 1953, ele anuncia um artigo a ser publicado nos Anais da Academia Brasileira de Ciências, no qual será apresentada uma prova geral da possibilidade desta associação, pois neste primeiro trabalho, a prova está baseada em um exemplo ilustrativo simples.

O trabalho anunciado por Bohm, contudo, não foi publicado. Já no segundo trabalho, em conjunto com J.P. Vigier, apresentado em junho de 1954, um ano e meio depois, aparece a seguinte explicação:

"No trabalho citado acima, todavia, certas dificuldades matemáticas tornam muito difícil uma generalização dos resultados para um sistema arbitrário. No presente artigo, evitaremos estas dificuldades, beneficiando-nos do fato que a interpretação causal da Teoria Quântica permite um número ilimitado de novos modelos físicos, de tipos não consistentes com a interpretação usual e que levam a esta tão somente como uma aproximação".

O modelo trabalhado no artigo não é mais aquele da partícula, com trajetória bem definida, sob influência de um campo físico derivado do Potencial Quântico, mas sim um modelo hidrodinâmico, proposto originalmente por Madelung em 1926, no qual a densidade do fluido é associada, por analogia, à Densidade de Probabilidade própria da Teoria Quântica. Para obter uma descrição causal da localização de uma partícula, os autores acrescentaram a este modelo uma inomogeneidade altamente localizada, movendo-se com a velocidade do fluxo. Admitiu-se também a existência de flutuações aleatórias nos movimentos deste fluido. Os autores não desenvolveram hipóteses sobre a natureza destas flutuações; elas foram adotadas como premissas, condicionadas a que seus valores médios fossem associados às grandezas próprias da interpretação usual da Teoria Quântica. Bohm e Vigier denominaram este fluido sujeito a flutuações aleatórias de nível sub-quântico. Como o principal resultado do artigo foi responder uma importante objeção à interpretação causal, feita por Pauli e outros, podemos concluir que foram as dificuldades matemáticas implicadas nesta prova que levaram Bohm a abandonar o modelo original e trabalhar com o modelo hidrodinâmico da Teoria Quântica.

Para a elaboração do artigo, J.P. Vigier, que então trabalhava com L. de Broglie no Instituto Henri Poincaré, em Paris, passou um mês em São Paulo. Para esta estada Vigier contou com subsídios do Conselho Nacional de Pesquisas — CNPq — e da Seção de Relações Culturais da França. Este trabalho representou também uma aproximação entre o trabalho cientifico de Bohm e L. de Broglie.

O DESAFIO DA GENERALIZAÇÃO RELATIVÍSTICA

Generalizar o modelo de Variáveis Ocultas para o caso Relativístico foi outro grande desafio enfrentado por Bohm ainda no Brasil. Mas só após o trabalho conjunto com J.P. Vigier, já no modelo hidrodinâmico, é que o desafio recebeu um tratamento mais desenvolvido, e isto foi feito em dois trabalhos em conjunto com R. Schiller e com o físico brasileiro J. Tiomno, então na USP. Nestes trabalhos é obtido o Spin do Elétron, reproduzindo os resultados da equação de Pauli. Mas a equação obtida ainda não é relativística. Bohm e Schiller afirmam:

"Certamente nós não acreditamos que um modelo baseado sobre uma explicação da equação de Pauli será realmente adequado aos propósitos descritos no parágrafo anterior, porque ele não é relativístico. Um modelo baseado sobre uma explicação da equação de Dirac (e melhor ainda, com segunda quantização) deveria, contudo, dar um tratamento muito mais preciso do que seria possível com o modelo dado neste artigo."
As dificuldades associadas à generalização relativística dos modelos construídos por Bohm não foram superadas, fato reconhecido pelo próprio Bohm em escritos posteriores.

Tiomno trabalhou com Bohm motivado pela busca das conseqüências — matemáticas e físicas — do modelo adotado, mas sem compartilhar o programa epistemológico da recuperação de uma descrição causal. Por esta razão, e pelas mudanças, sua para o Rio de Janeiro e de Bohm para Israel, este trabalho não teve desdobramentos na produção cientifica ulterior de Jaime Tiomno.

Bohm realizou, ao longo dos anos 60, importante flexão no seu programa cientifico e epistemológico. Abandonou os modelos concretos de 1952-54, justificando:
"Todas as noções (Variáveis Ocultas) são bastante consistentes logicamente. Mas deve ser admitido que elas são difíceis de entender de um ponto de vista físico. Elas deveriam ser vistas, como o próprio Potencial Quântico, como representações esquemáticas ou preliminares de certas características de algumas idéias físicas mais plausíveis a serem obtidas ulteriormente".


A percepção do Potencial Quântico como representação esquemática de idéias físicas mais plausíveis levou-o a dedicar-se, dos anos 70 em diante, ao projeto de matematizar uma intuição derivada da proposta de 1952. Bohm viu no Potencial Quântico, que dependia das coordenadas de todo o sistema uma indicação mais geral, a de uma teoria física na qual cada parte dependesse de todo o Universo, denominando esta intuição de Ordem Implicada. O desenvolvimento destas novas idéias físicas diferiu também dos seus trabalhos do inicio dos anos 50. Ao invés de buscar modelos físicos para reproduzir as previsões da Teoria Quântica, Bohm desenvolveu seu programa buscando evidenciar as propriedades matemáticas (algébricas) mais gerais contidas no formalismo das teorias quântica e relativística.

Mas a flexão não foi restrita à abordagem física. A ênfase na recuperação de uma descrição causal dos Fenômenos Quânticos foi atenuada, subordinando-se ao propósito de revelar o que chamou de nova ordem em física, entendendo por isto, o quadro conceituai mais geral subjacente à relatividade e aos quanta. Uma evidencia desta modificação epistemológica nós encontramos no artigo inaugural do programa da Ordem Implicada, acima referido. Bohm recorre ao sentido latino original da palavra ratio para mostrar que ela tem um significado mais amplo que a palavra reason, afirmando:

"Lei racional não está restrita a uma expressão de causalidade. Evidentemente que razão, no sentido aqui atribuído, vai bem além de causalidade, a qual é um caso especial de razão, e deste modo, uma lei causal fornece certo tipo limitado de razão”.

Contudo, de modo mais geral, uma explicação racional toma a forma:

“Se objetos estão relacionados em certo conceito, ou idéia, então eles estão relacionados de fato”.

O programa da Ordem Implicada é hoje um programa em desenvolvimento, despertando atenções em círculos culturais mais amplos que a comunidade dos físicos.

Além de suas próprias propostas de reinterpretação da Teoria Quântica, David Bohm deu outras importantes contribuições ao esclarecimento dos fundamentos desta teoria. Em 1959, junto com Y. Aharonov, mostrou que a Teoria Quântica implicava que um dos Potenciais Eletrodinâmicos — o Potencial Vetor — tinha significado físico, muito embora, na Física Clássica, este potencial tenha significado apenas matemático; efeito que hoje é conhecido como efeito Bohm-Aharonov. Ainda com Aharonov, no final da década de 50, mostrou que experimentos já realizados com fótons, criados na aniquilação Elétron-Pósitron, podiam ser reinterpretados para fins de verificação do experimento EPR, proposto em 1935 por Einstein. E que os resultados destes experimentos confirmavam as previsões da Teoria Quântica, antecipando-se em certo sentido aos contemporâneos testes experimentais das desigualdades de Bell.

Bohm tem o mérito de, com os modelos de Variáveis Ocultas (ainda que pouco plausíveis, como ele mesmo reconheceu posteriormente), ter contribuído para reavivar a discussão sobre os fundamentos da Teoria Quântica. Discussão esta que guarda atualidade com importantes desenvolvimentos nas últimas décadas.

DISCUSSÕES, NO BRASIL, SOBRE A TEORIA QUÂNTICA

David Bohm discutiu muito com Mário Schenberg mas não há trabalhos publicados pelos dois. Uma evidência das discussões, temos na afirmação de Bohm que “passou a estudar a História da Filosofia, considerando o desenvolvimento do mecanicismo, principalmente, depois de discussões com Mário Schenberg, sobre uma abordagem dialética da causalidade". Mas as indicações que dispomos mostram uma distância entre os dois com referência à apreciação epistemológica da Teoria Quântica, ou pelo menos quanto à proposta formulada por Bohm.

Mario Bunge, físico e filósofo argentino, foi contemporâneo das discussões entre Bohm e Schenberg, pois veio para o Brasil para trabalhar com Bohm, e testemunhou essas diferenças, conforme seu comentário:

"Meu segundo encontro com Schenberg foi em 1953 no Instituto de Física, então localizado na rua Maria Antonia. Ele tinha retornado da Europa há pouco e eu usava uma bolsa de estudos para passar o semestre trabalhando com David Bohm. Desta vez nosso encontro não foi tão feliz quanto o primeiro porque eu tinha me convertido à teoria das Variáveis Ocultas de Bohm, da qual Schenberg discordava. Quando eu abordei-o com algumas idéias sobre partículas, ele cortou-me subitamente: 'Eu não estou interessado em partículas'. Naquela época eu fiquei chocado com tal aparente conservadorismo. Poucos anos depois eu percebi o quanto ele estava certo".

A análise dos próprios trabalhos de Schenberg sobre fundamentos da Teoria Quântica publicados no período indica que ele dialogava com o programa proposto por Bohm, mas sem uma identificação. Schenberg estava mais interessado em explorar diferenças — formais e empíricas — com relação à interpretação usual, decorrentes de generalizações no formalismo da Teoria Quântica, do que em desenvolver a proposta original de Bohm, no sentido de reproduzir os resultados previstos pela interpretação usual. Neste sentido, elaborou uma generalização Não-Linear da Teoria Quântica, apresentando soluções para o formalismo generalizado. Tendo aplicado os métodos de segunda quantização à estatística clássica e à teoria clássica de campos e chegando à conclusão que este método não é essencialmente quântico, estende a sua aplicação à interpretação hidrodinâmica proposta por Madelung em 1926. Mostra então que as trajetórias das partículas, do modelo de Bohm, podem ser deduzidas das linhas de fluxo. Schenberg explora diversas possibilidades, buscando identificar as propriedades matemáticas e físicas subjacentes ao formalismo da Teoria Quântica, mas sem a preocupação com a recuperação de uma descrição causal e objetiva, lema epistemológico da produção de Bohm.

Podemos, contudo falar de uma tardia aproximação entre Bohm e Schenberg sobre os fundamentos da Teoria Quântica. Numa série de artigos publicados a partir de 1957, Schenberg buscou generalizações das estruturas algébricas subjacentes ao formalismo da Teoria Quântica. Estes trabalhos têm correlação com as tentativas, feitas por Bohm e Basil Hiley, da década de 70 em diante, de matematizar as intuições associadas à Ordem Implicada. Perguntado, no início dos anos 80, sobre a teoria dos Spinors (entes matemáticos fundamentais na Mecânica Quântica Relativística) e a sua visão algébrica da realidade física, Bohm respondeu:

"Isso também surgiu do meu contato com Mário Schenberg, que deu uma enorme contribuição a esse respeito. Pode-se ter uma visão da Mecânica Quântica Fermiônica e Bosônica através da Álgebra, e Schenberg realizou essa ligação (outras pessoas também fizeram o mesmo, porém mais tarde). Para expressar a Ordem Implicada, trabalhamos numa continuação, numa extensão de idéias semelhantes".

Observamos, quanto ao alcance destes trabalhos, que Schenberg dava uma idéia clara da introdução da Supersimetria ao nível das álgebras geométricas, conforme apontado por Normando Fernandes. Mas o desenvolvimento deste programa científico sofreu injunções derivadas do golpe militar de abril de 1964. Provavelmente, se os acontecimentos políticos da época fossem outros, e se Schenberg não tivesse sofrido perseguições políticas e ameaças de prisão, o capítulo da Supersimetria teria os físicos brasileiros em destaque.
O reconhecimento mais expressivo da tardia aproximação está na introdução de um dos primeiros artigos de Bohm sobre o tema. Registrando as diversas interpretações existentes para o significado dos Spinors, Bohm identifica a singularidade do caminho trilhado por Schenberg, que estabeleceu uma relação destes objetos com o espaço de fase, para afirmar significativamente:

"Neste artigo nós começaremos combinando a Álgebra de Clifford com a interpretação de Schenberg, do espaço de fase, mostrando a inter-relação dos dois e desenvolvendo, de forma sistemática, o conjunto da teoria".

F.A.M. Frescura e B. Hiley, que trabalharam com Bohm neste programa, também identificaram a contribuição do físico brasileiro afirmando:

"Os aspectos geométricos destas álgebras já tinham sido discutidos por Schenberg, embora a motivação do seu trabalho fosse bastante distinta".

Durante a estada de Bohm no Brasil, aqui estiveram R.P. Feynman e L. Rosenfeld, ambos como professores visitantes no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas — CBPF — no Rio de Janeiro. Discussões entre Bohm e Feynman ficaram registradas quando o primeiro declarou, ao final de um dos artigos da época, que deseja agradecer ao Professor R.P. Feynman por várias discussões interessantes e estimulantes.

Indicações de discussões, no Brasil, entre Bohm e Rosenfeld são mais escassas. Rosenfeld trabalhava neste período exatamente sobre questões epistemológicas associadas à Teoria Quântica. Publicou nos Anais da Academia Brasileira de Ciência o artigo “Causalité statistique et orare en physique et en biologie”, considerado pelo próprio autor como importante para esclarecer seus pensamentos sobre os problemas biológicos. Publicou também, em português, artigo de divulgação intitulado “A filosofia da Física Atômica”, no qual faz defesa da interpretação usual e do pensamento de Niels Bohr. Rosenfeld esteve na USP realizando seminário que contou com a participação de Bohm. A ausência de referências mútuas, ou de colaboração, entre Bohm e Rosenfeld, apesar dos dois estarem trabalhando sobre o mesmo tema, no mesmo país e na mesma época, explica-se pela distância, já referida, entre suas respectivas posições sobre a interpretação da Teoria Quântica.
O diálogo com Feynman provavelmente foi facilitado pela posição cautelosa que ele adotou, à época, quanto aos desdobramentos imediatos da física. Em artigo publicado, nos Anais da Academia Brasileira de Ciências, Feynman examinou uma lista dos problemas fundamentais em física teórica, citando as diversas tentativas de solução em curso referindo-se à "Teoria do Campo Não-Local, reinterpretação da Mecânica Quântica (grifos nossos), etc" para, de forma significativa, afirmar:

"Como uma reflexão atual mostra, não existe em absoluto bases, que não os preconceitos autoritários, sobre as quais seu valor potencial possa ser julgado (a menos que elas já estejam em discordância com experimentos conhecidos) até que uma delas chegue a obter êxitos".

As discussões entre Bohm e Feynman tiveram o testemunho de Leite Lopes, que se refere às discussões realizadas durante a Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) em Belo Horizonte, no ano de 1952, registrando o contraste com físicos, que à época hostilizaram Bohm, reduzindo o seu modelo a uma tentativa ideológica de reinterpretação da Mecânica Quântica. Cartas de Feynman para Leite Lopes (fevereiro de 1954 e maio de 1955) revelam também que o primeiro cogitava em escrever alguns artigos sobre a Interpretação Quântica de Bohm, para publicá-los no Brasil, planos estes que não se concretizaram.

Bohm participou do Simpósio Internacional sobre Novas Técnicas de Pesquisa em Física, realizado em São Paulo e no Rio de Janeiro, entre 15 e 29 de julho de 1952. Após a apresentação do modelo das Variáveis Ocultas, vários físicos debateram sua proposta. H.L. Anderson, D.W. Kerst, M. Moshinsky e Leite Lopes perguntaram sobre testes que pudessem diferenciar a interpretação de Bohm dos resultados obtidos com a interpretação usual. Ele argumentou que sua própria proposta, bem como os meios técnicos disponíveis para a experimentação, precisariam ser desenvolvidos para evidenciar tais diferenças. Anderson quis saber sobre a indiscernibilidade das partículas (característica das estatísticas quânticas) e Bohm respondeu que esta propriedade não era submetida diretamente a testes experimentais e que os resultados que decorressem da indiscernibilidade poderiam ser obtidos pelo modelo das Variáveis Ocultas; não satisfazendo, contudo, a Anderson. A. Medina perguntou se Bohm poderia introduzir o Spin em sua teoria — aliás a mesma questão foi levantada, no mesmo ano, por Halpern e Takabayasi. Bohm responde que sua teoria não predizia o Spin (!!), mas poderia descrevê-lo através de uma analogia com a equação de Pauli.

A discussão mais acirrada foi com I.I. Rabi. Este perguntou o que Bohm queria exatamente dizer por uma partícula. E sustentou que não havia na proposta das Variáveis Ocultas outras idéias que não as da Teoria Quântica, querendo dizer com isto que aquela proposta não abria uma perspectiva própria para o desenvolvimento da física. Bohm sustentou que não havia, à época, razões empíricas para decidir sobre a superioridade de uma das interpretações da Teoria Quântica, e que as críticas feitas por Rabi eram análogas às que os anti-atomistas do século XIX fizeram aos defensores da hipótese atomista.

Bohm publicou com Walter Schützer, físico brasileiro, da USP, uma análise de problemas estatísticos em física e sua relação com a teoria das probabilidades. O objetivo do artigo é mostrar que em certos problemas estatísticos da física é vantajoso, e mesmo necessário, ir além do quadro conceituai presente na teoria das probabilidades.

Bohm e Schützer consideraram como adequada aos problemas estatísticos da física a chamada Interpretação Objetiva, mas identificaram insuficiências na versão desta interpretação denominada de freqüência relativa. Em especial, criticaram a identificação entre probabilidade e freqüência relativa. Exemplificando com o lançamento de um dado, eles sustentaram que a probabilidade é uma propriedade objetiva do dado mais o processo pelo qual ele é lançado, e que se manifesta aproximadamente como uma freqüência relativa em uma longa série de lançamentos. Trata-se de uma antecipação da idéia de que a probabilidade de um evento singular é uma propriedade tanto do objeto quanto das condições experimentais a que o objeto será submetido, desenvolvida por K. Popper e denominada por este de interpretação da propensão.

Para Popper, as probabilidades caracterizam a disposição, ou a propensão, do arranjo experimental provocar certas freqüências características, quando o experimento é repetido muitas vezes. Assinalando a diferença com a interpretação das freqüências (puramente estatística), ele afirmou que a interpretação da propensão considera a probabilidade como uma propriedade mais característica do dispositivo experimental do que da seqüência de eventos.

É digno de nota que Bohm tenha valorizado esta interpretação quando ela foi apresentada à Comunidade Cientifica, embora tenha sido cético quanto à sua eficácia para resolver os problema da Mecânica Quântica, mas isto provavelmente porque ela estava associada, na defesa de Popper, a uma certa interpretação da Teoria Quântica — teoria estatística, mas de base indeterminística — distante das posições sustentadas por Bohm (7).

(7) Bohm participou do Simpósio realizado em 1957, em Bristol, onde o trabalho de Popper foi apresentado. Ele declarou, logo após a exposição: "... penso que em alguns casos existem vantagens em falar sobre propensões. (...) Neste sentido parece ser uma contribuição distinguir entre propensão e freqüência relativa". Mas considerou que a dualidade onda — partícula é tão difícil de ser tratada na interpretação da propensão quanto em qualquer outra. A familiaridade de Bohm com as questões da interpretação da probabilidade ficou evidente quando a sua intervenção sobre questões bastante técnicas — correlação da propensão com a "escola axiomática" de Kolmogoroff — foi acolhida favoravelmente na intervenção final de Popper. Para o trabalho de Popper e o debate que se seguiu, ver K.R. POPPER. The propensity interpretation of the calculus of probability, and the quantum theory In: S. Korner. Observation and Interpretation, op.cit., p.65-70 e 78-89.

Na conclusão do trabalho Bohm-Schützer, encontramos o seguinte agradecimento, indicativo de discussões ocorridas quando de sua elaboração:

"Nós desejamos agradecer ao Professor Mario Schenberg, ao Dr. Mario Bunge e a J.A. Meyer por muitas discussões estimulantes e instrutivas, as quais desempenharam um papel muito importante na clarificação de nossas idéias".

Ao longo do nosso estudo ficou ressaltado que a sociedade brasileira foi capaz de acolher o cientista e cidadão perseguido politicamente, e assegurar a continuidade de seu trabalho científico, apesar de condições nacionais — políticas, científicas e educacionais — adversas. A ciência brasileira muito se beneficiou do ensino, da pesquisa e da permanente preocupação com os fundamentos da física, características da obra de David Bohm.

Enviado: 23 Mar 2007, 00:05
por Fayman
RELOAD!

Creio que para começar está bom.

Re.: A NATUREZA DA REALIDADE II

Enviado: 23 Mar 2007, 00:11
por Vertigo
Boas Fayman.
Estás muito quantico hoje...

Enviado: 23 Mar 2007, 00:41
por Fayman
Hoje?!

Mas tenho de concordar. Basta ver os tópicos que escolhi para iniciar os reload's.

Abraços!
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