Linguagem não é exclusividade dos seres humanos
Enviado: 15 Mai 2009, 14:31
http://www1.an.com.br/1998/ago/10/0ane.htm
Linguagem, essência que já não nos diferencia
Em "O Parente Mais Próximo", lançado no Brasil pela Editora Objetiva, o cientista Roger Fouts mostra que os chimpanzés podem aprender e transmitir aos filhos a linguagem de sinais, usada pelos surdos-mudos
Marcos Losnak
Primeiro disseram que o homem era o único animal político. Isso até o belo dia em que alguém descobriu que ele demonstrava ser muito mais um "político animal" do que um animal político. Depois disseram que o homem era o único animal que ri. Isso até alguém revelar que o abanar do rabo do cachorro é o maior dos sorrisos. Aí afirmaram que o homem era, sem dúvida, o único animal que possui linguagem.
Tudo indicava que essa era a real diferença entre os seres humanos e os seres animais: a linguagem. Os animais poderiam até se comunicarem através de sons e gestos, mas não criavam símbolos. Isso parecia ser inquestionável até um grupo de cientistas, durante a década de 70 e 80, provaram que os chimpanzés conseguem aprender a linguagem humana e usá-la da melhor maneira possível. Foi um susto. O mundo científico ficou de boca aberta. Os chimpanzés não conseguiam falar, mas podiam utilizar a linguagem dos sinais, a mesma utilizada pelos surdos-mudos, com grande desenvoltura.
Um destes cientistas era o norte-americano Roger Fouts, um jovem psicólogo comportamental que entrou por acaso no mundo dos chimpanzés e provou que eles podem aprender a linguagem humana e, o mais revelador, são capazes de transmitir esse aprendizado para seus filhotes. O relato deste processo no livro de Fouts "O Parente Mais Próximo O que os chimpanzés me ensinaram sobre quem somos", lançado pela Editora Objetiva.
Trata-se de um livro emocionante. Narrando passo a passo seu trabalho de 30 anos ensinando chimpanzés a linguagem dos sinais, a ASL (American Sign Language), Fouts atravessa as academias científicas para se tornar um militante contra as crueldades contra animais em laboratórios. Os vários tipos de experiências aplicadas em chimpanzés e outros animais, descritas pelo psicólogo, causam horror. Dentro das silenciosas paredes dos centros de pesquisas, crueldades sangrentas são cometidas contra animais em nome da ciência e do bem-estar da humanidade.
As diferenças genéticas entre o homem e o chimpanzé é muito pequena. Comparando o DNA humano e do chimpanzés, encontramos uma diferença de 1,6%. Em outras palavras, o DNA humano coincide com o DNA do chimpanzé em 98,4%. Em algum momento do passado, cerca de 6 milhões de anos, ambos partiram e um mesmo ancestral para a evolução que os tornariam diferentes. As semelhanças entre os dois levam cientistas a aplicarem nos chimpanzés experimentos destinados aos humanos.
Roger Fouts iniciou suas pesquisas com a chimpanzé Washoe, criada desde o nascimento dentro de uma família humana que se comunicavam apenas com a linguagem dos sinais. Em poucos anos Washoe aprendeu centenas de sinais formando frases complexas. A etapa seguinte do projeto foi observar se Washoe ensinaria seu filho a linguagem que aprendeu para se comunicar e se o filho aprenderia. Depois de algum tempo estava provado que o filhote, Loulis, já dominava a linguagem dos sinais e conversava com a mãe. Foi o primeiro ser não-humano a aprender uma linguagem humana de outro ser não-humano.
Fouts também aplicou suas pesquisas no tratamento de crianças autistas. O resultado foi imediato. Crianças que não dominavam a fala, depois de aprenderem a linguagem dos sinais, começaram a falar. Descobriu-se então um vínculo entre o movimento das mãos com a movimentação da língua isso ilustrava porque algumas pessoas quando realizam trabalhos manuais fazem movimentos com a boca e língua. No sentido darwiniano, nossos ancestrais se comunicavam inicialmente com as mãos e evoluíram para a linguagem das palavras.
As conclusões do trabalho do Roger Fouts entraram em choque com a filosofia de René Descartes e, principalmente, com duas fortes correntes acadêmicas: as teorias behavioristas do psicólogo B. F. Skinner e com as teorias lingüísticas de Noam Chomsky. Um chimpanzé havia colocado em xeque-mate parte do pensamento ocidental contemporâneo. Nada mal para um animal irracional.
"O Parente Mais Próximo" não é uma obra cientificamente metódica. Pelo contrário, é um relato sensível humanizado até a medula da prepotência do homem em se sentir o melhor ser do mundo. Abortando biologia, lingüística, psicologia e as teorias de Charles Darwin, Fouts faz de seu relato um ensinamento para a superação egocêntrica que corrói a visão do ser humano em enxergar as formas de vida a sua volta.
Serviço:
"O Parente Mais Próximo O que os chimpanzés me ensinaram sobre quem somos", de Roger Fouts com Stefhen Tukel Mills, Editora Objetiva, Tradução de M. H. C. Côrtes, 420 páginas, R$ 29,00.