Religião é Veneno

Primeira mulher matemática e astrônoma da Antiguidade grega, Hipácia foi assassinada por uma multidão de fanáticos religiosos em Alexandria, no Egito, por causa de suas avançadas ideias. Sua morte marcou um retrocesso às trevas, que atrasaria a ciência em quase mil anos. A fascinante e pouco conhecida cientista helênica do século III acaba de ganhar o rosto da atriz Reichel Weisz no filme “Ágora”, de Alejandro Amenabar, e está encantando Cannes, onde vem sendo exibido como parte da seleção oficial do festival, mas fora da competição.

— Ela foi uma das últimas pessoas a manter viva as ideias gregas da matemática. Infelizmente essas ideias morreram na Idade das Trevas e tiveram que renascer. Como eu digo no livro, acho que perdemos uns mil anos, o que inclui todas as contribuições que poderiam ter sido feitas por pessoas como ela — afirmou o professor de geometria e escritor americano Leonard Mlodinow, que recuperou parte da história da heroína no livro “A janela de Euclides” (Geração Editorial).

O filme é bastante centrado na intolerância de fanáticos religiosos em relação a novas ideias. De acordo com a descrição feita por Edward Gibbon em seu “História do declínio e queda do Império Romano”, “a pele de Hipácia foi arrancada de seus ossos com conchas de ostras extremamente afiadas”.

Amenabar poupa sua heroína humanista de um final tão trágico, mas a retrata como uma mulher agnóstica e letrada destruída por fanáticos.

— Quando começamos a pesquisar para o filme, reconhecemos várias semelhanças com os tempos atuais e percebemos que poderíamos fazer um filme sobre o presente — contou o diretor.

Hipácia editou os trabalhos de Diofante e Apolônio sobre geometria e matemática, além de obras sobre Euclides e Ptolomeu.

É creditada a ela a invenção do hidrômetro, usado para determinar a densidade dos líquidos. Ela teria ainda feito um mapa de corpos celestes. Alguns dizem que Hipácia seria a inventora de um dos principais modelos de astrolábio.

DIG escreveu: “Governar acorrentando a mente através do medo de punição em outro mundo é tão baixo quanto usar a força.”

Alexandria, no Egito, ficou famosa por seu Farol e, sobretudo, por sua Biblioteca, que teve seu apogeu entre 290 a.C e 88 a.C, com estimados 600 mil rolos de pergaminho, equivalentes a 120 mil livros.

Ela serviu como fonte para o renascimento grego helenístico e, o que restou dela, para o renascimento europeu do século XV.

Apenas um em cada dez clássicos sobreviveu e durantes mil anos nada que chegasse perto de sua importância surgiu na humanidade. Imagino em que nível de evolução estaríamos se ela tivesse sido devidamente preservada.

Em sua série Cosmos, Carl Sagan nos fala longa e nostalgicamente das obras que poderíamos ali encontrar e que, no entanto, estão perdidas para sempre.

•88 a.C – Ptolomeu VIII pôs fogo em grande parte da cidade numa guerra civil e dispersou os estudiosos temporariamente
•47 a.C – Júlio César, depois de escapar de ser assassinado, pôs fogo na frota de Alexandria, que por sua vez acabou queimando áreas da cidade, inclusive edificações que continham 40 mil pergaminhos
•273 d.C – O imperador romano Aureliano reconquistou o Egito, queimando a parte de Alexandria onde ficava a biblioteca
•391 d.C – O arcebispo cristão Teófilo incendiou propositalmente a segunda biblioteca de Alexandria, com 40 mil rolos, porque ela estava instalada num templo pagão de Serápis.
•645 d.C – O conquistador muçulmano, califa Omar, respondeu a um de seus generais que lhe perguntou o que fazer com os famosos livros de Alexandria
Disse ele:

"Se o conteúdo estiver de acordo com o livro de Alá, podemos passar sem eles, porque o livro de Alá é mais do que suficiente. Se, por outro lado, eles contêm idéias que não estão de acordo com o livro de Alá, não há necessidade de preservá-los. Então, vá em frente e destrua-os."

O cronista Ibn al-Kifti relata que os livros foram usados para aquecer os banhos públicos de Alexandria. Seis meses foram necessários para consumir todos os volumes.

Quem queimou a Biblioteca? A guerra – por três vezes; o fanatismo religioso- cristão e muçulmano -, por duas vezes.

Dick escreveu:Ué... alguém aqui pode esclarecer uma dúvida? Os muçulmanos não foram, também, responsáveis por guardarem parte do conhecimento grego ao longo da Idade Média, contribuição esta que permitiu, inclusive, a renascença? Então de onde veio este conhecimento preservado se os muçulmanos destruíram os pergaminhos de Alexandria?