Um missionário entre os ETs - recado aos proselitistas
Enviado: 29 Mai 2009, 07:39
Postado no Ateus do Brasil
DIÁLOGO ENTRE UM CRISTÃO E UM ET
http://pauloqueiroz.net/dialogo-entre-u ... o-e-um-et/
- Estamos pensando em divulgar o evangelho no seu planeta para trazer-lhes a salvação.
- Evangelho? Salvação? Não entendi.
- Quis dizer que, não tendo os Srs. religião alguma, pretendemos ajudá-los a conhecer a Verdade da Palavra.
- Verdade? Palavra? Continuo sem entender.
- Explico: fomos todos, os Srs. inclusive, criados por um Deus todo poderoso, que enviou seu filho Jesus, o qual foi sacrificado para nos salvar do pecado.
- (Pensando consigo mesmo: ele nada sabe sobre nós, mas é capaz de doutrinar sobre nosso destino). Acho que o que Sr. pretende divulgar entre nós é o que conhecemos aqui como Mitologia Primitiva.
- Não, não é isso, eu estou falando da Verdade emanada do livro sagrado: a Bíblia.
- Livro sagrado? Eu poderia vê-lo? (recebe um exemplar e lê em poucos minutos com auxílio de um tradutor).
- É um texto interessante, na verdade, vários textos, compilados, recomplicados, traduzidos e retraduzidos, escritos, reescritos e revisados milhares de vezes. E remontam a épocas bem distintas entre si, e, claro, é uma obra coletiva.
- Não é isso; o Sr. não entendeu; trata-se de um texto harmonioso, preciso, realista, que expressa, sem um mínimo de contradição, a mais exata palavra do Criador; tudo foi escrito sob Inspiração Divina.
- Entendo. Imagino que existam centenas de livros semelhantes entre os Senhores, referindo outros deuses, inclusive.
- Certamente. Mas este é o único verdadeiro, os demais são falsos ou apócrifos.
- Bem, isso já é interpretação, e, convenhamos, uma interpretação um tanto ingênua e até presunçosa. Veja: para nós, o mundo está repleto de mitos de origem, e todos são falsos do ponto de vista dos fatos; e nenhum dos livros ditos sagrados resultou do talento literário de Deus, mas dos seres (*).
- Compreendo sua resistência inicial, afinal é seu primeiro contato com a palavra de Deus.
- Talvez. De todo modo, isso é exatamente o que nós chamamos aqui de mitologia primitiva, um relato de fábulas infantis.
- Que seja; ainda assim, o Sr. não estaria disposto a ouvir o conteúdo essencial das sagradas escrituras?
- Claro, sou todo ouvidos.
- Pois bem, antecipo que, se o Sr. se converter, será salvo do pecado e terá a vida eterna.
- Vida eterna? Pecado?
- Sim, exatamente, depois da morte física, como o Sr. Jesus, o Sr. ressuscitará entre os mortos e viverá para sempre, eternamente.
- Acho que uma tal doutrina não tem chances de vingar entre nós.
- Por que não?
- É que, para nós, uma vida eterna soaria, não como salvação, mas como maldição.
- Maldição?
- Sim, é que podemos viver até cerca de 1.000 anos, mas costumamos, por decisão própria, morrer por volta dos 500 anos, ingerindo a pílula da morte voluntária; logo, uma vida eterna seria um castigo. É que, para nós, a morte é boa, necessária, inevitável, e não um mal a ser temido. Cremos que, como parte da natureza, tudo no mundo deve necessariamente nascer, crescer e morrer, pois do contrário a vida seria impossível ou insuportável.
- E as doenças? As suas doenças serão curadas.
- Doenças? Mas nós raramente adoecemos e, quando isso ocorre, a medicina nos socorre com grande êxito, em praticamente 100% dos casos. Mas estou curioso sobre a doutrina do pecado; fale-me sobre o pecado; o que é o pecado?
- Em resumo, o pecado é uma violação das leis de Deus, especialmente uma violação aos dez mandamentos: não matar, não cobiçar a mulher do próximo etc.
- Entendo. Entre nós, quase não existe homicídio; por isso, sequer cogitamos de criar regras para proibi-lo. De todo modo, se tal ocorrer, é possível ressuscitar a vítima por meio de transplantes ou similar, pois a nossa medicina é muitíssimo avançada. Quanto a cobiçar a mulher do próximo, não existe entre nós essa “mulher do próximo” ou “homem do próximo”, porque entre nós as pessoas são livres para disporem de seu corpo como quiserem. E embora existam relações estáveis entre nós, não existe o que os Sr. chama de casamento; e nem faz sentido a idéia de adultério. Portanto, não existindo a regra, não existe violação à regra, logo, seria inconcebível a idéia de um tal pecado. De mais a mais, a prática do sexo é entre nós um ritual sagrado ou quase sagrado, além de muitíssimo saudável; praticamos de todas as formas possíveis: tântrico, telepático, virtual etc.
- Pelo que vejo, os Srs. são uns pervertidos.
- Também a idéia de perversão, como a de pecado, não faz sentido entre nós. Mas não é só: proibir desejos e paixões seria uma regra artificial e contra a vida que, no máximo, nos levaria à dissimulação e à própria perversão, de sorte que a regra seria pior do que a sua violação. De todo modo, parece-nos um tanto bizarro que um Deus se ocupe de detalhes da vida sexual das pessoas e procure regrá-la.
- Parece que vai ser difícil doutriná-los, mas eu não tenho dúvida de que conhecerão a Verdade e a Verdade os libertará.
- Ou escravizará (disse baixinho).
- O mais importante, no entanto, é que os Srs. saibam que Deus concebeu seu filho Jesus da virgem Maria, foi sacrificado para nos salvar, ressuscitou entre os mortos e é o caminho, a verdade e a vida, e, portanto, a chave para redenção de nossos pecados.
- Continuo sem entender: o Sr. fala que não se deve cobiçar a mulher do próximo, mas defende um Deus que gera um filho numa mulher casada; fala de amor, e, no entanto, refere um Deus que oferece seu próprio filho inocente em holocausto. Doutrina estranhíssima (uma maluquice, pensa consigo mesmo).
-Estranhíssima para alguém sem fé, mas não para quem conhece a Verdade e sabe que a Verdade liberta.
-Bem, eu espero que o Sr. consiga ao menos ser ouvido na sua pregação, mas não diga que não o adverti de que semeará em solo infértil.
-Veremos.
Notas:
(*)Joseph Campbell. As Máscaras de Deus. Mitologia Ocidental. S. Paulo: Palas Athena, 2004.