Parte da ICAR brasileira apoiou a ditadura
Enviado: 14 Jun 2009, 10:53
"O Globo" 14/06/09
TRECHO DE “DIÁRIO DE FERNANDO"
Livro revela entranhas da luta contra ditadura
´Diário de Fernando` reúne anotações feitas no cárcere por frade dominicano e faz autocrítica da estratégia da guerrilha
José Meirelles Passos
Quatro décadas depois da tentativa de vencer a ditadura militar no Brasil através da luta armada, surge agora um documento gerado nas entranhas daquela batalha que registra, ao mesmo tempo, uma lúcida autocrítica das estratégias utilizadas e detalhes do cruel dia a dia dos presos políticos em cárceres que eram verdadeiras catacumbas. Ele contém, ainda, relatos que exibem, com clareza, a divisão na Igreja Católica a respeito da repressão.
Uma ala a denunciava; outra a endossava.
Embora o próprio Papa Paulo VI manifestasse apreensão em relação à ditadura no Brasil e preocupação com o bem-estar dos dominicanos, vários cardeais e arcebispos brasileiros apoiavam a repressão. Brito registra que Dom Agnelo Rossi, presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dizia que as denúncias de maus-tratos eram “uma campanha de difamação dirigida do exterior contra o governo brasileiro”.
Dom Geraldo de Proença Sigaud, arcebispo de Diamantina (MG), demonstrou ser um simpatizante ainda mais ardoroso.
Numa entrevista em Roma, disse: “Não creio que em outros países se obtenham confissões de terroristas com caramelos”.
O diário mostra que não demorou muito para que os militantes que lutavam contra a ditadura no Brasil sofressem um choque de realidade. Em especial para os que de guerrilha só conheciam o que tinham lido a respeito.
Sem apoio popular, restou a sensação de ver desmoronar um castelo de areia: “Nossos sonhos não incluíam a possibilidade de derrota. A linearidade dos livros não espelhava os sinuosos e acidentados caminhos do real.
Súbito, a casa edificada sobre a areia, sem alicerce popular, ruiu sob o impacto do aparelho repressivo. Prisões, torturas, delações, mortes...o furacão emergiu, inelutável, a partir do sequestro do embaixador dos EUA, em setembro de 1969, no Rio”, concluiu Brito.
TRECHO DE “DIÁRIO DE FERNANDO"
“A carência de militantes frente a afluência de tarefas, quase todas urgentes, induzia a ALN a cometer, com frequência, um dos erros mais graves em matéria de segurança: desrespeitar a especificidade de um revolucionário. Quando se exige de um engenheiro que se improvise em distribuidor de panfletos ou de um jornalista — coletor de informações — empunhar armas, é sinal de que a Organização tornou-se vulnerável por ceder à improvisação. Nenhuma pessoa é multifuncional. A sabedoria de qualquer instituição consiste em valorizar os talentos inerentes a cada um de seus adeptos. Não se solicita de um músico que abandone a sua arte para transportar malas de dinheiro entre uma região e outra. Quando a urgência das tarefas supera o número de tarefeiros, é sintoma de que a Organização está febril, comprometida pela exaustão”