Montfort X Ecumenismo X Racismo na DE
Enviado: 15 Jun 2009, 19:44
Análise de questão racista no Livro dos Espíritos de Allan Kardec
PERGUNTA
Nome: Dione
Enviada em: 28/12/2008
Local: Niterói - RJ, Brasil
Religião: Budista
Escolaridade: Pós-graduação em andamento
--------------------------------------------------------------------------------
Título original da carta: Vocês sabem ler textos?
Sou uma estudiosa de várias doutrinas, como vocês não colocaram ecumênica preferi selecionar Budista, mas me interesso por Deus e onde tiver uma doutrina, religião ou estudiosos de qualquer assundo relacionado a "RELIGARE" ai estarei. Pois este deveria ser o papel da religião e não o de segregar, não concordam? Deveríamos nos unir em nome de Deus e não ficar discutindo se o nome de Jesus é ou não Jeová, se os certos são os Católicos, os Protestantes, os Budistas ou os Espíritas.
Tenho vários livros de várias religiões e doutrinas em minha casa, pois amo estudar. "Me chamou" bastante atenção o artigo de vocês, então decidi pegar o livro dos espiritos e ler. O que Kardec faz é uma pergunta "racista" dando uma resposta não racista. Vocês só pegaram o que interessava ou não tiveram tempo de analisar a resposta? Pense comigo. Você acha que doutrinas reencarnacionistas como a Budista e a espirita perderiam tempo de se falar em racismo se hoje somos negros, mas ontem fomos brancos e anteontem amarelos, vermelhos?
Desculpe-me, mas poderiam perder tempo compreendendo a filosofia da doutrina em vez de criticar algo que nem sabe ler ainda. A culpa não é nossa! Infelizmente a nossa língua é muito complicada e realmente não sabemos ler. A intenção foi criticar esse tipo de pessoas que tem esses pensamentos racistas e não concordar com elas. Leia toda a resposta em vez de se prender na pergunta.
Quando ele perguntou se qualquer um poderia ser um "gênio" ele quis dizer que depende do grau de adiantamento de cada um e isso vem com as reencarnações e não com a cor de cada um. Compreenda o todo em vez de se prender a partes cortadas e falar o que não compreende...
Mais uma vez "Você acha que doutrinas reencarnacionistas como a Budista e a espirita perderiam tempo de se falar em racismo se hoje somos negros, mas ontem fomos brancos e anteontem amarelos, vermelhos?" Pense...pense...reflita...Não haveria lógica...
RESPOSTA
Prezada Dione,
salve Maria.
Respondo à sua pergunta provocativa: sim, nós lemos e entendemos muito bem o que Kardec quis dizer no Livro dos Espíritos. E ainda que a senhora possa alegar que a nossa interpretação seja contestável com relação à questão do Livro dos Espíritos à qual a senhora se refere, se olharmos dentro do contexto da obra completa de Kardec, relacionando esse texto a outros sobre o mesmo tema, a questão fica bem clara e não deixa margem para dúvidas de que Kardec e seus "espíritos superiores" eram de fato racista. Se a senhora se dignar a ler todos os argumentos que retiramos dos livros de Kardec, e não apenas a questão 222 do Livro dos Espíritos, talvez conseguirá compreender o contexto e as idéias desse gnóstico racista.
Mas comecemos pela questão 222 do Livro dos Espíritas, que é a que lhe provocou dúvida. Essa questão trata da pluralidade de existências, isto é, da reencarnação. É uma questão que visa mostrar como a reencarnação seria racional, lógica e justa. Kardec coloca em sua argumentação seis perguntas, pelas quais ele tenta colocar "em xeque" a crença contrária à reencarnação. Uma dessas questões (mais especificamente a sexta) é a questão racista em análise. Para deixar claro o teor da questão, copio abaixo as seis questões:
"Admitindo, de acordo com a crença vulgar, que a alma nasce com o corpo, (...) perguntamos:
1º Por que mostra a alma aptidões tão diversas e independentes das idéias que a educação lhe fez adquirir?
2º Donde vem a aptidão extranormal que muitas crianças em tenra idade revelam, para esta ou aquela arte, para esta ou aquela ciência, enquanto outras se conservam inferiores ou medíocres durante a vida toda?
3º Donde, em uns, as idéias inatas ou intuitivas, que noutros não existem?
4º Donde, em certas crianças, o instituto precoce que revelam para os vícios ou para as virtudes, os sentimentos inatos de dignidade ou de baixeza, contrastando com o
meio em que elas nasceram?
5º Por que, abstraindo-se da educação, uns homens são mais adiantados do que outros?
6º Por que há selvagens e homens civilizados? Se tomardes de um menino hotentote recém-nascido e o educardes nos nossos melhores liceus, fareis dele algum dia um Laplace ou um Newton?" (Allan Kardec, Livro dos Espíritos, Federação Espírita Brasileira, 76a. edição, 1995, Cap. V, q.222, pp.147-148. O destaque é nosso)
Perceba que em todas as questões Kardec tenta induzir um sentimento de injustiça com relação à realidade do mundo: a de que uns têm mais do que outros. E é nesse contexto que ele coloca a pergunta racista, dando a entender que, não admitindo a reencarnação, Deus seria injusto em criar alguns negros e outros brancos, isto é, alguns inferiores e outros superiores. Isso mostra que Kardec já assume, a priori, que o negro seja inferior ao branco, e coloca a questão da reencarnação como a chave para entender essa diferença.
Posteriormente Kardec vai responder dizendo que na verdade Deus é justo. O erro é não considerar que teremos diversas encarnações, e que estamos comparando pessoas em degraus diferentes da sua "evolução espiritual". É claro que isso é uma bobagem, mas não vou entrar nessa discussão. Se quiser, consulte o que escrevemos contra a reencarnação no site. Estou me atentando à interpretação do texto racista que a senhora duvidou que tivéssemos lido integralmente.
A senhora terá humildade para reconhecer que esse texto é de fato racista? Entende que Kardec está utilizando um preconceito racista (que ele admite a priori) de que o negro é inferior ao branco, para justificar a necessidade da reencarnação? Compreende que o racismo está em afirmar que o negro precisa evoluir para atingir o nível do homem branco? Será que a senhora é capaz de entender esse texto?
Se essa fosse nossa única prova de racismo que temos nos escritos de Kardec, a senhora poderia nos acusar de juizo temerário, pois a questão é discutível. No entanto, existem outras evidências de racismo nos escritos de Kardec que são ainda mais claras. Por isso acusamos com consciência tranquila de não estar cometendo nenhuma injustiça. E para deixar minha resposta para a senhora bem completa, cito algumas delas:
"O progresso não foi, pois, uniforme em toda a espécie humana; as raças mais inteligentes naturalmente progrediram mais que as outras, sem contar que os Espíritos, recentemente nascidos na vida espiritual, vindo a se encarnar sobre a Terra desde que chegaram em primeiro lugar, tornam mais sensíveis a diferença do progresso(sic!). Com efeito, seria impossível atribuir a mesma antiguidade de criação aos selvagens que mal se distinguem dos macacos, que aos chineses, e ainda menos aos europeus civilizados" (Allan Kardec, A Gênese, Ed . Lake, São Paulo, 1a edição, comemorativa do 100o aniversário dessa obra, p. 187, o sublinhado e o negrito são nossos).
"Um chinês, por exemplo, que progredisse suficientemente e não encontrasse na sua raça um meio correspondente ao grau que atingiu, encarnará entre um povo mais adiantado" (Allan Kardec, O que é o Espiritismo, Edição da Federação Espírita Brasileira, Brasília, 32a. edição, sem data, pp. 206-207. A edição original de Qu"est ce que le Spiritisme é de 1859).
Veja nessa última citação que as afirmações brutais de Kardec não se limitam apenas ao negros, mas atingem os orientais também.
Mais uma evidência: em seu livro "A Gênese", Kardec expõe uma teoria totalmente maluca sobre o que ele chama de Raça Adâmica. Segundo ele, espíritos evoluídos vieram para a Terra para expiarem faltas cometidas em outros planetas (veja que essa é uma tese de outro mundo!!), e encontraram aqui raças selvagens, com as quais tiveram que aprender a conviver. Segundo essa teoria esdrúxula, os homens mais evoluídos (que sem dúvida devem ser os caucasianos de origem francesa, como Kardec!!) têm origem nessa raça adâmica, extraterrestre, e não têm nem mesmo a mesma descendência biológica das outras raças. Ou seja, nem mesmo podemos nos considerar irmãos. Quanta diferença da Sagrada Escritura, que afirma que todas as raças surgiram dos filhos de Noé: Cam (negro), Sem (pardo) e Jafé (branco)! Se quiser mais detalhes sobre essa questão, acesse o link: http://www.montfort.org.br/index.php?se ... 7&lang=bra
Por fim, a evidência mais brutal é um artigo que Kardec escreveu para a Revue Spirite de Abril de 1862 chamado "A perfectibilidade da raça negra", onde ele expõe claramente todas as suas idéias racistas: a de que a raça negra é de fato inferior, mas que a doutrina espírita tem uma resposta do porquê disso; ocorre que, segundo ele, o negro está numa fase anterior de "evolução" espiritual, mas que ele progredirá e se reencarnará no futuro em raças superiores, quando atingir o nível de aperfeiçoamento de um homem caucasiano como Kardec. Tenho uma análise detalhada desse artigo no quarto trabalho do link: Allan Kardec - Um racista brutal e grosseiro
Creio que quanto à questão do racismo em Kardec já basta. Antes de encerrar essa carta, porém, quero falar um pouco sobre o posicionamento religioso ecumênico que a senhora revela em sua carta.
.... e segue a troca tendenciosa e falastrona de farpas entre as partes.

aqui: http://www.montfort.org.br/index.php?se ... 2&lang=bra