Religião é Veneno

Bem, essa questão de quem inventou o avião é uma pataquada que nunca se chegou a uma conclusão definitiva e de vez em quando aparece um para levantar a lebre mais uma vez.

Vários outros fizeram pesquisas muito semelhantes no afã de se fazer uma máquina capaz de voar e não apenas Santos Dumont. Os Wright buscaram alguns princípios básicos que lhes permitiram construir uma máquina capaz de voar. A questão apenas é que eles faziam tudo em segredo, pois pretendiam obter um monopólio na fabricação desse tipo de aparelho. Tanto quanto se sabe, o tal Flyer que construíram NÃO ERA CAPAZ DE VOAR por seus próprios meios: era preciso que fosse lançado ao ar e daí aproveitar os ventos contrários para ter sustentação. Seu controle não era nada fácil. A réplica que fizeram dele em comemoração ao centenário de sua construção foi um fiasco: não conseguiu decolar.
Santos Dumont tinha menos pretensões e na época em que fez o 14-bis, já existia uma entidade aeronáutica oficialmente reconhecida e que determinava as regras para se julgar a validade de uma tentativa de voo com um aparelho mais pesado que o ar: tinha de ser pública, previamente anunciada e o aparelho deveria ser capaz de decolar sozinho, sem nenhuma ajuda externa. Santos Dumont conseguiu preencher esses requisitos. Tanto assim que a réplica do 14-bis consegue voar.

Os Wright só ganharam projeção quando Wilbur foi até a França tentar o reconhecimento do trabalho deles. Ele levou um avião bem mais aperfeiçoado, capaz inclusive de levar um passageiro, mas ainda assim precisava de uma catapulta para iniciar o voo. Mas o fato de poder levar um passageiro, coisa que os outros ainda não conseguiam, elevou o cacife deles. Mesmo assim acabaram frustrados em sua pretensão: não conseguiram obter o monopólio ao qual ansiavam. Outros construtores de avião foram surgindo e tendo de enfrentar os Wright nos processos que moviam contra eles.

É isso.

Acauan escreveu:A causa de Santos Dumont como inventor do avião perdeu seu último reduto fora do Brasil depois que os franceses desistiriam de defender o inventor, a quem consideravam francês, tanto pela origem, quanto por ter realizado suas proezas na França.

Se combinamos no google a expressão em francês "inventeur de l'avion" com os nomes dos pioneiros, temos:

130.000 respostas para "inventeur de l'avion" + Wright
8310 respostas para "inventeur de l'avion" + "Clément Ader"
5450 respostas para "inventeur de l'avion" + "Santos Dumont"

As citações a Santos Dumont em francês costumam destacar que ele é considerado "inventeur de l'avion" somente no Brasil ou então são de autoria de brasileiros radicados na França ou que escrevem em francês na Internet.

É como eu disse: o avião não foi inventado por UM inventor apenas e sim por várias pessoas, das quais se juntaram seus acertos até se chegar a uma máquina voadora eficaz. Ninguém saiu com um aparelho pronto e acabado, todo certinho e bonitinho por obra de sua divina inspiração e de muita transpiração.
Assim, portanto, dizer quem "inventou" o avião, é só uma questão de gosto e de uma tentativa lógica de se definir critérios.

Bem, os Wrights definiram alguns princípios que os levaram a construir o Flyer. Sim, este aparelhinho mixuruca conseguia voar, ainda que dependesse de recursos externos para isso e principalmente de uma boa dose de sorte quanto a ventos contrários. Quer dizer, apesar de motorizado, ele funcionava mais como um planador e não como um avião de verdade. Tanto quanto eu saiba, só há a palavra deles de que conseguiram fazer o Flyer voar por 12 segundos em 1903. Se havia testemunhas outras, ninguém se apresentou.
Mas não interessa: os Estados Unidos já eram uma potência industrial e se tornaram uma potência mundial, com uma aviação de dar inveja a todo mundo e por que não admitir que tal coisa foi obra do "pioneirismo" dos Wrights?

Pois bem, quanto a Clement Ader, ele tentou fazer um aparelho voador, com uma péssima aerodinâmica e seus voos terminaram em queda, ou seja, foram anti-voos ou corridas para o chão. O mais aperfeiçoado que ele fez, o Eóle, percorreu uma corrida de mais de 100 metros, mas o oficial que testemunhou o evento disse que ele nem se levantou do chão. Mas tudo bem: ele era um "françuá" e os "françuás" talvez se sintam mais orgulhosos em defender que foi ele o inventor do avião... ainda que seu avião não tivesse voado. Afinal era um patrício e o Santos-Dumont, que não se percam pelo galicismo do sobrenome, não era "françuá" e daí não vale a pena se empenhar por ele. Seja Dumont, seja Ader, foi na França que a "invenção" do avião aconteceu.

E cá ficamos nos, os brasileiros, tradicionalmente medíocres, satisfeitos com nossa mediocridade, felicitando-nos por algum "bronze humilde" e nos envergonhando de algum "ouro arrogante" em qualquer competição esportiva. Ficamos na rabeira dos concursos de alunos de curso básico promovidos mundo afora e nossos governantes não veem nenhum problema nisso. E vamos esperar quem para defender Santos Dumont numa terra de ignorantes? Um motorista de taxi? Que ele ouviu falar a respeito do que houve, senão o que sua professorinha falou?

Bem, é assim que é feita a história. Houve testemunhas, houve filmes, fotos, etc, mas nada disso interessa para o historiador tendencioso ou para um povão ufanista. Faz-me lembrar um programa que vi no National Geographic, onde até num "mea-culpa", falava de um explorador do Ártico, que foi acompanhado de um negro. Na hora de se escrever e documentar os feitos deste explorador, a revista só queria falar do branco; do negro que o acompanhou, nada queria dizer. Para uma boa sociedade racista, era como se ele não existisse, como se tivesse sido só uma sombra do explorador branco...

É isso.