Os supersoldados
Enviado: 21 Ago 2009, 12:25

SÃO PAULO - Avanços na neurociência ajudam os militares a projetar os guerreiros do futuro.
Linda Geddes, da New Scientist Sexta-feira, 21 de agosto de 2009 - 09h48
Batalhões de supersoldados vão ser selecionados para tarefas específicas de acordo com sua disposição genética, e, em seguida, serão monitorados para que se possam detectar sinais de fraqueza. É o que diz um relatório da Academia Nacional de Ciência dos Estados Unidos (NAS). Quando o soldado estiver em más condições, um assistente digital vai avisá-lo das ameaças ao seu redor ou pedir a algum colega que emita um sinal eletromagnético para estimulá-lo. Caso toda uma unidade enfrente problemas, biossensores vão entrar em contato com a central de comando e pedir sua substituição. Conforme os avanços na neurociência transformam cenas como essa em realidade, surgem questões éticas que precisam ser analisadas. Em maio, a NAS divulgou um relatório no qual define o potencial militar da neurociência. O documento revela como as forças armadas poderão desenvolver os soldados do futuro. Patrocinado pelo exército americano e elaborado por 14 neurocientistas, o estudo enfoca áreas nas quais a ciência é madura o suficiente para produzir tecnologias úteis às forças armadas (veja Para onde vai o dinheiro?). "A compreensão cada vez mais ampla da neurociência traz oportunidades para aperfeiçoar o desempenho dos soldados no campo de batalha", diz o relatório.
Pronto para a batalha?
A adoção da neurotecnologia pelo exército americano poderá resultar em batalhões de supersoldados
- NUTRIÇÃO E ESTRESSE: Suplementos alimentares fornecem energia aos neurônios e reequilibram a química do cérebro, prejudicada pelo cansaço e pelo estresse
- MIRA: O alvo aparece iluminado no capacete. Algoritmos destacam pessoas e objetos recém-chegados à cena.
- UNIFORME: Sensores determinam as condições fisiológicas e fornecem informações sobre a saúde e a habilidade de realizar tarefas. Os comandantes usam essas informações para prever se o combatente vai se sair bem numa missão e, se necessário, deslocá-lo para outra equipe.
- SISTEMA DE AVALIAÇÃO: Estabelece a extensão de ferimentos e danos ao equipamento.
- BOTAS: Incorporam nanomateriais que protegem contra explosões, reduzem o impacto nas articulações ósseas e aumentam a resistência dos pés.
- IMAGENS CEREBRAIS E BIOMARCADORES: Predizem quais soldados são mais adequados a diferentes tarefas.
- DROGAS PRÓ-COGNITIVAS: Melhoram a percepção e a concentração.
- ASSISTENTE DIGITAL: Alerta o soldado sobre eventos críticos no ambiente. Também faz traduções automáticas.
- EXOESQUELETO ATIVO: Possibilita que o soldado acione dispositivos robóticos por meio de linguagem natural e gestos
- EXOESQUELETO INFERIOR: Acompanha o passo do soldado e dá resistência à perna. Terá sua própria fonte de energia, capaz de recarregar aparelhos eletrônicos.
Pronto para a luta?
Daqui a cinco anos, biomarcadores poderão ser utilizados para determinar se o cérebro de um soldado está funcionando adequadamente. Em dez anos talvez seja possível prever como as pessoas vão reagir a condições como calor ou frio excessivos, e quanto serão capazes de suportar esforço físico intenso. Testes genéticos também poderão ser aplicados por oficiais de recrutamento para determinar quais soldados são mais indicados para ocupar certos cargos.
Combinando avaliações psicológicas com testes genéticos que medem os níveis de substâncias químicas no cérebro, por exemplo, será possível traçar um mapa das competências do soldado. "Podemos inferir que um indivíduo com alto nível de serotonina no cérebro conseguirá permanecer calmo quando estiver sob pressão. Portanto, tem mais chances de ser um bom atirador de elite", diz Paul Zak, da Universidade Claremont, na Califórnia, integrante do grupo que elaborou o relatório. Por outro lado, se uma pessoa tem pouca dopamina, ela estará menos propensa a correr riscos. Assim, é preferível que ocupe um cargo de comandante numa zona civil.
A seleção por genótipos deve trazer alguns inconvenientes. Candidatos recusados para determinadas vagas poderiam contestar a decisão argumentando discriminação genética. Anders Sandberg, neurocientista do Instituto Futuro da Humanidade, da Universidade de Oxford, na Inglaterra, diz que o exército precisa tomar cuidado ao decidir como fazer uso dessas novas tecnologias. "O campo de batalha está mudando radicalmente. As guerras cada vez mais se parecem com jogos de computador. No futuro, possuir os genes que o tornam um excelente combatente físico pode não ser tão importante quanto ter uma coordenação visual e manual impecável", afirma.
Exterminadores do agora
Uma possibilidade sinistra é a de neurocientistas criarem guerreiros cognitivamente manipulados, cujas emoções foram suprimidas. O trabalho de Paul Zak, por exemplo, consiste em analisar a influência da oxitocina nas sensações de confiança e empatia. Se forem criadas drogas capazes de bloquear a oxitocina, elas podem reduzir a aptidão de um soldado para simpatizar com inimigos ou com civis. "Há inúmeras histórias de soldados que se recusaram a atirar em outros combatentes", diz Zak. "Se conseguíssemos acabar com essa resposta empática, criaríamos soldados mais bem preparados para enfrentar o campo de batalha e arriscar suas vidas", completa ele.
Os neurocientistas da NSA reconhecem que dilemas éticos são uma consequência inevitável do seu trabalho. Por isso, sugerem que as forças armadas americanas contratem filósofos especializados em ética para analisar as ramificações desse desenvolvimento tecnológico antes que ele efetivamente ocorra. "Isso precisa ser examinado porque, em algum momento, vai se tornar realidade", afirma Zak, "É necessário manter o controle desse avanço", diz.
Caça aos estressados
A neurociência também pode salvar vidas numa guerra. Se for possível prever quais soldados estão suscetíveis ao estresse será mais fácil impedir uma tragédia. Em maio, por exemplo, o sargento do exército americano John Russell foi acusado de atirar em cinco colegas seus, matando-os. Russell havia completado 15 meses de missão no Iraque e estava em tratamento por sofrer de estresse agudo.
As pesquisas indicam que recrutas cujo eixo cerebral entre o hipotálamo e a hipófise é mais sensível ao estresse têm mais dificuldade para completar um treinamento na Seal, a força de operações especiais da marinha americana. Ao estudar a questão, Robert Ursano e seus colegas da USU, universidade especializada em saúde no estado americano de Maryland, perceberam que é possível descobrir como uma pessoa vai reagir ao estresse analisando quantidades de receptores de serotonina e níveis de p11, uma proteína relacionada com a depressão.
O problema é encontrar marcadores precisos que indiquem reações futuras, avalia Simon Wessely, do Centro Real de Pesquisas de Saúde Militar, em Londres, que não colaborou com o relatório. "Os marcadores que temos são falhos. Embora funcionem estatisticamente em grupos grandes, não são capazes de afirmar que o soldado A é vulnerável e o soldado B não", diz. "Ao classificar incorretamente um soldado como alguém que facilmente perde o equilíbrio emocional prejudicamos sua carreira e diminuímos a força de trabalho tão essencial ao exército", diz.
Lapsos de atenção
A perspectiva mais provável no curto prazo é o monitoramento de soldados para identificar quando seu desempenho mental está sendo afetado por stress ou cansaço. Muitas falhas dos combatentes envolvem lapsos de atenção. Por isso, descobrir formas de monitorar a concentração dos soldados seria útil. Estudos recentes relacionam a variação do fluxo sanguíneo e da oxigenação do cérebro com momentos em que a pessoa deixa de perceber coisas ao seu redor. Sensores no capacete poderiam acompanhar essas variações e alertar o soldado e sua unidade de que sua concentração está prejudicada.
Outra possibilidade seria usar imagens do cérebro para avaliar quais recrutas compreenderam novos conceitos de treinamento. Num teste recente, imagens feitas por ressonância magnética foram empregadas para comparar as atividades cerebrais de estudantes de física e de outros universitários. Os voluntários assistiam a filmes que mostravam duas bolas de tamanhos diferentes caindo com velocidades similares ou díspares. Em seguida, perguntava-se aos estudantes se os filmes atendiam às suas expectativas de como as bolas deveriam cair. Nos universitários que não estudavam física, uma área do cérebro associada à detecção de erro se iluminou quando as bolas de diferentes tamanhos caíram com a mesma velocidade. Já nos estudantes de física essa área se destacou quando as mesmas bolas caíram com velocidades distintas, mostrando que eles conheciam o conceito newtoniano segundo o qual bolas devem cair com a mesma velocidade independentemente do seu tamanho.
Floyd Bloom ressalta que a possibilidade de uma tecnologia ser mal utilizada não é motivo para ignorá-la. Investimentos militares poderiam resultar em benefícios para a sociedade. "Investir nessas oportunidades será vantajoso porque vai aperfeiçoar a forma como educamos nossas crianças e entendemos a nós mesmos", diz.
Para onde vai o dinheiro
As prioridades das forças armadas americanas para equipar seus soldados:
CURTO PRAZO (5 ANOS):
Realidade virtual imersiva
Monitoração de batimentos cardíacos
Medida da resistência elétrica cutânea
LONGO PRAZO (10-20 ANOS):
Veículos equipados para estimulação magnética transcranial
Varredura cerebral para avaliação fisiológica
MÉDIO PRAZO (5 A 10 ANOS):
Eletroencefalograma no capacete
Proteção do crânio e do tronco contra impactos
Biomarcadores para previsão da reação ao stress
EM DESENVOLVIMENTO (5 ANOS COM APERFEIÇOAMENTO CONTÍNUO):
Biomarcadores para uso no campo de batalha
Biomarcadores para níveis de sono
http://info.abril.com.br/noticias/cienc ... 2009-8.shl