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Soldados revelam o horror da vida no Haiti

Enviado: 29 Jan 2006, 14:00
por Aurelio Moraes
MISSÃO NO CARIBE

Para brasileiros que estiveram no país caribenho, o termo "missão de paz" não retrata a realidade
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Soldados revelam o horror da vida no Haiti

LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL

MARLENE BERGAMO
REPÓRTER-FOTOGRÁFICA

A câmera digital registrou 17 minutos de agonia do haitiano. De uma rua atulhada de lixo em Bel Air, favela na capital haitiana considerada reduto de partidários do ex-presidente Jean-Bertrand Aristide, sai o homem, tiro no pescoço. A blusa listrada empapada de sangue, ele agacha ao lado do blindado brasileiro Urutu, dez homens a bordo. Pede socorro. Os soldados sacam suas câmeras digitais e começam a fotografar. Ninguém desce para ajudar.
O Urutu não leva pessoal médico, e o homem pode ter sido mandado para servir de isca aos militares da Missão de Estabilização da ONU no Haiti (na sigla em francês, Minustah). Pode ser emboscada. "Chama alguém do corpo médico", grita um.
O homem arfa, tira a camisa, rola na rua. Moradores da favela cercam-no, enquanto os brasileiros tiram mais fotos. Um quarto de hora depois, ouve-se um ronco e cessam os movimentos. O homem parece morto. Outro carro vem atrás, com enfermeiro. O homem é levado ao hospital. Não se sabe mais dele. O Urutu retoma a jornada e segue em frente, patrulhando.
A cena está entre os mais de 5.000 arquivos de fotos e filmetes gravados no laptop do soldado S., 22, que esteve no Haiti entre dezembro de 2004 e junho de 2005, como parte do segundo contingente de militares brasileiros enviados na missão de paz da ONU.
Há 20 meses, a ONU mantém tropas no país para, no jargão militar, "estabilizar" a situação -desarmar as gangues e os partidários de Aristide, cujo governo caiu em fevereiro de 2004- e garantir a transição democrática.
As eleições gerais marcadas para o próximo dia 7, depois de quatro adiamentos, podem até dar a impressão de que esses objetivos estejam em via de ser cumpridos. Mas o país está longe da paz.
Segundo o chefe do Escritório de Comunicações da Minustah, David Wimhurst, a área de Cité Soleil, a maior favela de Porto Príncipe, segue como condomínio fechado por bandidos armados. A polícia da ONU não entra, os soldados não se arriscam.
Há apenas seis meses, disse Wimhurst em entrevista telefônica de Porto Príncipe, a favela estava aberta, mas a ação das tropas brasileiras em Bel Air levou a bandidagem a migrar para os becos e vielas estreitas de Cité Soleil, onde um carro não passa.
A rotina de seqüestros na capital haitiana é outro indicador de violência que segue impávido -ONGs contam 12 novos casos por dia apenas em Porto Príncipe. Na quinta-feira, dois missionários franceses acompanhados por dois haitianos foram emboscados perto de Cité Soleil.

Fotos, filmes e carteirinhas
Para entender a rotina dos soldados brasileiros naquela que é a maior missão de paz já enviada pelo Brasil ao exterior, a Folha reuniu oito soldados, idades entre 22 e 25 anos, em um bar e pizzaria na periferia de São Paulo. Os rapazes chegaram carregando fotos e filmes de sua estadia de seis meses no Haiti, além das carteiras de identidade da Minustah. Eles brincam quando mostram uma foto do grupo na Cantina de Bombagay -em francês crioulo, língua oficial do país, "bom companheiro". A pedido dos entrevistados, as identidades deles não serão divulgadas.
Em duas horas de entrevista, os rapazes dizem que o nome "missão de paz" dá uma impressão errada sobre o que está acontecendo no Haiti. Um soldado explica o ponto de vista dos demais: "Até parece que esse nome é para tranqüilizar as pessoas no Brasil. Na verdade, não há dia em que as tropas da ONU não matem um haitiano em troca de tiros. Eu mesmo, com certeza, matei dois. Outros, eu não voltei para ver". O soldado não tem remorso: "Chora a mãe dele, não a minha", diz.
Os militares contam que cada vez que um soldado sai em patrulha leva seu fuzil FAL e quatro carregadores de 20 tiros. Como os confrontos com gangues são rotineiros, é comum os soldados voltarem sem parte da munição. "Só quando acontece alguma coisa excepcional é que a gente declara que matou. Comigo, nunca aconteceu essa tal coisa excepcional. Quando voltava sem parte da munição, dizia ter trocado tiros, não atingindo ninguém, e os S-2 [oficiais da inteligência] deixavam por isso mesmo."
O grupo mostra fotos e mais fotos de cadáveres. Estão jogados pelas ruas transformadas em lixões a céu aberto de Porto Príncipe. Boa parte está decapitada (costume dos bandos). Cães aparecem disputando a carniça. Há uma série de fotos de um cadáver que primeiro aparece sem cabeça. Com os dias passando, o corpo incha ao mesmo tempo que mingua. Cachorros devoram-lhe a caixa torácica, então uma perna, um braço, outro e outro e resta a carcaça. Cabe à Polícia Nacional Haitiana recolher os corpos. Mas o trabalho demora às vezes mais de semana para ser realizado.
A abundância de fotografias decorre do fato de a maioria dos soldados ter câmeras digitais e laptops, comprados nas folgas em Miami ou na República Dominicana. Eles fotografam e baixam os arquivos nas suas máquinas.
No laptop de S., a pasta "Fotos Chocantes" mistura doses diversas de horror. Outra pasta, batizada de "É Nóis", mostra a rotina dos rapazes. Na foto que registra, por exemplo, o embarque de soldados em um Boeing KC-137 da Força Aérea (eles se preparavam para voltar ao Brasil), vêem-se sete câmeras digitais focadas em grupos de amigos.

Letalidade
"É muito fácil matar no Haiti, apesar de o soldado brasileiro ter um grande respeito pela população civil", diz um. "É que os fuzis FAL têm um alto índice de letalidade." Enquanto a bala de uma pistola 9 mm viaja a 1.440 km/h em média desde o cano até o alvo, a velocidade média dos projéteis FAL (com 7,62 mm de diâmetro) é de 2.880 km/h, o dobro.
Um sargento explica o poder do FAL: "A bala entra com um movimento de rotação em torno de seu próprio eixo. Mas, ao encontrar um obstáculo [um osso, por exemplo], ela se desestabiliza e pode sair de lado, arrombando a carne". Outro soldado completa: "Às vezes, no meio de um tiroteio, um cara vindo em nossa direção pode parecer uma ameaça. Se a gente pede para ele parar e ele não pára, o jeito é atirar. Só que, com os FAL, quase sempre acaba em morte. É um fuzil de guerra, não de patrulha urbana como as que fazemos no Haiti".
Mais do que contar, um dos rapazes mostra o momento mais apavorante em toda a missão. Para isso, abre o arquivo "pânico", um filminho que o flagra "histérico", como ele mesmo reconhece, envergonhado. Ele relata a cena: "A patrulha brasileira ia dentro de um Urutu [com duas esquadras de quatro homens cada], quando foi cercada [por supostos bandidos haitianos]. Se eles conseguissem arremessar um só coquetel molotov dentro da viatura, não sobrava um de nós. E eles iam se aproximando perigosamente do carro, e nós não tínhamos mais munição para responder." O vídeo mostra o soldado berrando para o sargento que comandava as duas esquadras: "Vam'bora. Tá esperando o quê? Vamo morrê. Vamo morrê. Vamo morrê".

Mulher por comida
De volta ao Brasil, todos os soldados passaram uma semana de quarentena. Depois de examinados para malária, dengue, tifo, HIV e distúrbios psicológicos, e de ser advertidos (de novo) de que não deveriam divulgar fatos militares ocorridos no Haiti, um deles soube ter sido infectado pelo plasmódio causador da malária.
"Eu fiquei chateado porque a gente tomava mefloquina duas vezes por semana no Haiti", lembra o soldado. A mefloquina é uma droga que reduz, mas não elimina, os riscos de contrair a malária. Quando chegou ao Brasil, ele começou a sentir as febres, os calafrios e as dores associados à doença, ainda sem cura.
S. diz ter arrumado uma namorada na República Dominicana, onde passou as férias de 15 dias a que todo soldado tem direito nos seis meses em que está na missão. No Haiti, garante, não manteve relações sexuais, apesar da rotina de haitianos indo para o acampamento brasileiro oferecer suas mulheres em troca de comida.
"A gente não podia nem ter relações sexuais com haitianas [por causa do risco de Aids e outras doenças sexualmente transmissíveis] nem dar alimentos para quem quer que fosse sem autorização da ONU. Se déssemos, no dia seguinte não haveria um homem, mas o Haiti inteiro oferecendo suas mulheres e pedindo comida em nossa porta."
No último dia de serviço, os brasileiros romperam a regra e, pelos vãos da cerca de concertina (fita farpada com lâminas ultra-afiadas que protege a base), entregaram a famílias haitianas os itens do café da manhã: sucrilhos, cereais, mel, manteiga de amendoim, creme de chocolate, leite de caixinha e café. "Era um senhor café da manhã", lembra um soldado. "Tanto que engordei sete quilos na missão", diz.
Todos os entrevistados disseram que voltariam ao Haiti. O caso de um rapaz que voltou com saldo de R$ 10 mil no banco, um laptop, uma câmera digital Sony Cybershot de 5,2 megapixels e ainda com fama de herói no bairro explica o desejo coletivo.
A poupança cresceu graças à complementação do soldo. Quando em missão de paz, um soldado que no Brasil ganha pouco mais de R$ 500 por mês passa a receber quase R$ 2.700. "Depois tem outra. Se a saudade aperta, o rum haitiano é bom demais. Anota aí o nome: é Barbancourt. Rum Barbancourt, um santo remédio contra a saudade", diz S.
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft2901200609.htm

Enviado: 29 Jan 2006, 14:14
por Megas
Eu vi no Domingo Espetacular uma reportagem com soldados que foram pra la, eles disseram que não aguentaram, choraram, gente morta aqui e mais um monte de trelele.
Mas guerra é guerra né?

Enviado: 29 Jan 2006, 20:06
por Acauan
É esperado que soldados de vinte anos se sintam oprimidos por uma realidade humana catastrófica como a do Haiti.
Mas é preciso lembrar que eles são soldados do exército brasileiro, não as Bandeirantes.
Sua missão é justamente esta, cumprir o seu dever, matando quando necessário.

Até onde eu sei as tropas que estão no Haiti são de soldados profissionais, gente que escolheu e decidiu de vontade própria ingressar nas forças armadas.
Neste conflito, até agora, a única baixa brasileira foi por suicídio e, segundo a reportagem, os próprios militares confessam que engordam sete quilos durante a missão.

Se mandados a uma guerra de verdade, onde todos os dias vários dos nossos morressem, que tipo de declarações teríamos então?

Para mim esta parece ser mais uma daquelas matérias ideologicamente direcionadas, cujo objetivo é apenas reforçar um bordão que pintou na imprensa que é chamar o Haiti de nosso Iraque.
Os soldados entrevistados caem como uma luva neste objetivo, embora eu acredite e espero que outros membros da força brasileira se mostrassem um pouco mais empolgados com a oportunidade de exercitarem em condições reais aquilo para que foram treinados.

Re.: Soldados revelam o horror da vida no Haiti

Enviado: 29 Jan 2006, 20:10
por Aurelio Moraes
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MISSÃO NO CARIBE

Batalhão brasileiro nega a ocorrência diária de mortes de civis e diz que há uso intensivo de armas não-letais

Tropa cumpre regras rígidas, diz militar

CAROLINA VILA-NOVA
DA REDAÇÃO

O batalhão do Brasil atualmente no Haiti disse que são "incoerentes" os relatos de soldados brasileiros à Folha sobre a morte quase diária de civis em confronto com militares da ONU no país.
O Batalhão Haiti negou também que haja o uso apenas de munição letal e afirmou que as tropas são treinadas para atuar de acordo com rígidas normas.
Apesar de a Minustah reconhecer a ocorrência eventual de mortes de civis em enfrentamentos -os chamados "danos colaterais", no jargão militar -, o batalhão afirma que pelo menos desde a chegada do quarto e último contingente de soldados brasileiros no Haiti, em 16 de novembro, não foram registrados casos do tipo.
"Cada contingente passa aqui seis meses. Fazendo uma conta rápida, são 180 dias [com um morto por dia]. Não está meio exagerado isso? Seria uma chacina", disse à Folha por telefone, de Porto Príncipe, o tenente-coronel Fernando da Cunha Matos, da assessoria de imprensa do Batalhão Haiti, sobre a afirmação de que "não passa um dia" sem que um haitiano seja morto.
Matos também refutou a afirmação de que as armas usadas têm alta letalidade, afirmando que o número de feridos é muito superior ao número de mortos.
Segundo ele, o Exército usa um fuzil FAL 7,62 mm, e o fuzileiro naval, um M16 calibre 5,56 mm. "Os dois são armas militares e empregam munição de alta velocidade, mas daí a dizer que elas só matam é exagero", disse.
"O nosso contingente emprega ostensiva e intensivamente armamento não-letal", disse Matos, ressalvando que não responde pelos contingentes anteriores.
Segundo o militar, todo disparo de armamento feito por um soldado, mesmo de bala de borracha, tem de constar em relatório diário sobre a quantidade de tiros disparados, o calibre e a situação do confronto. "Não basta dizer que a tropa consumiu dez tiros. Tem de dizer como, por que, onde, em que direção."

Direito de defesa
Matos diz ainda que todos os soldados, independentemente do contingente, são treinados para agir segundo regras da ONU pelas quais o direito de defesa deve ser proporcional à agressão sofrida.
"Para você abrir fogo diretamente contra uma pessoa, ela tem de estar armada, apontando e atirando em você. A regra é tão restrita que, se essa pessoa virar de costas e fugir, você não pode atirar nela, ainda que ela já tenha atirado em você", explicou.
O chefe do Escritório de Comunicações da Minustah, o canadense David Wimhurst, há dois meses no Haiti, diz que a ONU não faz contabilidade nos confrontos que envolveram suas tropas e os grupos armados locais. "Já pedi esse levantamento, mas ainda não deu tempo de providenciá-lo."
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft2901200610.htm

Re: Soldados revelam o horror da vida no Haiti

Enviado: 29 Jan 2006, 20:10
por O ENCOSTO
Mr.Hammond escreveu:MISSÃO NO CARIBE

Para brasileiros que estiveram no país caribenho, o termo "missão de paz" não retrata a realidade
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Soldados revelam o horror da vida no Haiti



meu, vai tomá no teu cú. :emoticon12:

Re.: Soldados revelam o horror da vida no Haiti

Enviado: 30 Jan 2006, 07:16
por Aurelio Moraes
:emoticon12: :emoticon12: :emoticon12: :emoticon12: :emoticon12: :emoticon12: :emoticon12: :emoticon12: :emoticon12: :emoticon12: :emoticon12: :emoticon12:
Ele tá no Haiti, por isso sumiu.