"Só criatividade livra cosmologia de crise", diz físico

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"Só criatividade livra cosmologia de crise", diz físico

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"Só deus criatividade livra cosmologia de crise", diz físico

07/09/2009 - 11h59

RAFAEL GARCIA
da Folha de S. Paulo

É comum hoje o discurso de que a era de individualismo na ciência acabou. A figura romântica do astrônomo que passa noites solitárias em claro para elucidar o movimento das estrelas não existe mais. O físico com uma ideia genial fazendo contas isolado num quarto também já era. Agora, dizem, a ciência de ponta só pode avançar com grandes experimentos, telescópios gigantes, colaborações internacionais etc.

Isso tem um fundo de verdade, claro, mas o agigantamento desses projetos não substitui a criatividade na ciência, diz um dos maiores astrofísicos da atualidade: o britânico Simon White. Diretor do Instituto Max Planck de Astrofísica, da Alemanha, ele foi um dos criadores da Simulação do Milênio, projeto que reproduziu o comportamento do Universo em supercomputadores. Suas pesquisas foram citadas em 40 mil artigos científicos -um dos maiores índices dessa área.

White ajudou a demonstrar como a distribuição de galáxias se estrutura num esqueleto de matéria escura -uma matéria que não emite luz nem radiação, mas é muito mais abundante do que a matéria comum.


Apesar de sucessos no passado, White diz temer agora que a cosmologia entre em um beco sem saída teórico. Segundo ele, só uma ideia inovadora poderá tirá-la da situação em que ninguém sabe explicar uma outra entidade: a energia escura, a misteriosa força que faz a expansão do Universo se acelerar.

Sobrenome à parte, a energia escura é bem mais difícil de entender do que a matéria escura. Observações parecem mostrar que ela se comporta como uma entidade chamada constante cosmológica, presente nas equações de Einstein. É a hipótese de que o vácuo tem energia e pressão, por isso impulsiona o o Universo de dentro para fora.

Telescópios gigantes possivelmente confirmarão isso dentro de alguns anos, mas nenhuma teoria explica o que está por trás de uma constante cosmológica. Se ela existe mesmo, por ora, é entendida apenas como um parâmetro numa equação. Para dar um salto de compreensão, diz White, a cosmologia precisa de novas ideias.


FOLHA - A Simulação do Milênio terminou em 2005, mas ainda se fala dela. É possível extrair ciência nova do experimento até hoje?

SIMON WHITE - Na última vez que chequei, havia 240 estudos submetidos usando dados da simulação, sete no último mês. Certamente ela ainda não atingiu o fim de sua utilidade. Isso acontece porque nos esforçamos muito para tornar o acesso aos dados aberto a toda a comunidade de astrônomos.

FOLHA - Vocês conseguiram simular bem a distribuição de matéria escura e energia escura?

WHITE - Sim. Tratar a energia e a matéria escuras, na verdade, é mais fácil do que fazer o mesmo com a as partes que podemos ver. A física que afeta a matéria escura e a energia escura nos períodos em que estávamos interessados é apenas a física da gravidade, muito mais simples do que os processos físicos que afetam a matéria ordinária. Esta é sujeita a processos radiativos, de resfriamento...

FOLHA - Como a simulação de um Universo em computador pode render novas ideias?

WHITE - O Universo hoje é muito mais complexo do que quando era jovem, por causa dos objetos que se agregaram e colapsaram. E o processo que forma estrelas e galáxias também é muito mais difícil de calcular matematicamente do que os processos que afetavam o Universo jovem, quando tudo era praticamente uniforme.

Partindo das condições do Universo jovem, o computador faz cálculos para predizer quais tipos de estrutura e objetos existiriam hoje, usando a física que acreditamos ser a mais correta. Podemos então comparar essas simulações com objetos reais do presente e ver onde ela está batendo. Quando falha, sabemos que é para uma parte da física que não tratamos adequadamente ou não compreendemos. É assim que podemos saber quais coisas precisamos compreender melhor.

FOLHA - Como o sr. vê o problema da energia escura? O sr. disse que, se descobrirmos que ela realmente é a constante cosmológica, não será muito entusiasmante.

WHITE - O que podemos dizer, hoje, é que ela se comporta como a constante cosmológica, com uma precisão [margem de erro] de 10%. Mas pode ser que ela seja diferente de uma constante cosmológica por apenas 3%. Então, temos de fazer medições mais precisas. No futuro, se soubermos que ela é uma constante cosmológica, não vamos aprender muita coisa. Não há razão, porém, para acreditar que a diferença seja de 3% ou 5%. Mas também não podemos ter certeza antes de medir. É uma atividade de risco. Você não sabe qual será o resultado, e pode terminar sem saber mais do que sabe hoje.

FOLHA - Se a energia escura for mesmo a constante cosmológica, como físicos vão explicar o que dá origem a ela?

WHITE - Bom, uma das propriedades da mecânica quântica é a postulação de que o vácuo nunca está realmente "vazio". Há sempre partículas que surgem e se aniquilam numa escala extremamente pequena. Uma propriedade que surge daí é que o vácuo pode ter energia. Quando você faz uma tentativa simples de combinar a mecânica quântica com as teorias de Einstein, surge uma constante cosmológica. O problema é que o valor previsto nessa combinação é absurdamente maior do que aquele observado. No momento, ninguém entende de onde vem isso. Há muitas hipóteses, mas não há ainda como avaliar qual é a melhor. Todas são possíveis, mas talvez nenhuma seja plausível.

FOLHA - Por que o sr. compara essa crise à da física no século 19?

WHITE - No século 19, o principal problema dos físicos era entender por que os átomos são estáveis. De acordo com a física tradicional, se você colocasse um elétron girando em torno de um próton, ele deveria perder toda sua energia por meio de radiação e mergulhar no próton. Mas isso não ocorria. O que surgiu como salvação foi a mecânica quântica, uma ideia nova. Talvez estejamos em uma situação como aquela. Precisamos de uma ideia nova. E não é gastando um monte de dinheiro que a conseguiremos.

FOLHA - As observações feitas em supertelescópios então, não resolverão o problema?

WHITE - As observações não vão revelar o que é a energia escura. Se virmos que ela tem um valor diferente da constante cosmológica, saberemos que, o que quer que seja a energia escura, ela varia com o tempo. Aí conheceríamos mais as suas propriedades, mas continuaríamos sem saber o que ela é.

FOLHA - A nova ideia a que o sr. se refere pode surgir de uma única pessoa, um novo Einstein?

WHITE - Ideias sempre saem individualmente de pessoas. Mas pessoas não cultivam ideias em isolamento, elas debatem-nas. Darwin, por exemplo, não foi o único a pensar em evolução. A razão pela qual ele publicou sua teoria foi o fato de Alfred Wallace estar prestes a publicar a mesma ideia. O contexto na época era tal que várias pessoas pensaram naquilo. Isso não foi tão claro no caso da relatividade geral. A ideia de Einstein de que a gravidade surge da geometria do espaço e do tempo era muito original. Não sabemos se outra pessoa poderia conceber a mesma ideia logo.

FOLHA - É disso que o sr. fala quando alerta para o risco de pautar a ciência apenas em projetos de grande escala, nos quais decisões sempre precisam de consenso?

WHITE - O que eu quis apontar foi que as qualidades necessárias para ter sucesso em um grande projeto são muito diferentes das qualidades para ter ideias independentes.

Se você treina pessoas apenas com a perspectiva de participação em grandes projetos, você pode não atrair aqueles que aparecem com as ideias novas. Então, claramente, precisamos das duas coisas.

http://www1.folha.uol.com.br/folha/cien ... 0446.shtml
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