Transtorno social
Psicologia da corrupção
A falta de moral pode ser explicada por meio do desenvolvimento inadequado do "senso ético" no cérebro, mas aspectos socioantropológicos, fatores genéticos e pessoais também colaboram para o surgimento do transtorno de personalidade difícil de ser curado.
Por Agência Notisa de Jornalismo Científico
Corrupção, segundo consta no dicionário on-line Michaelis (acesso em 28/7/09), vem do latim corruptione e tem por significados "ação ou efeito de corromper", "decomposição", "putrefação", "depravação", "desmoralização", "devassidão", "sedução" e "suborno". A palavra se tornou comum e mesmo vulgar no vocabulário dos brasileiros após os inúmeros escândalos, envolvendo personalidades e políticos, divulgados pelos meios midiáticos nos últimos tempos.
Porém, a discussão sobre suas causas e origens diverge entre diversos fatores apontados por especialistas. A psiquiatra forense Hilda Morana, coordenadora do departamento de Psiquiatria Forense da Associação Brasileira de Psiquiatria, define o termo no seu sentido social. Para ela, corrupção é "ato de cometer atitudes ilícitas com o intuito de conseguir vantagem financeira ou mais poder". Segundo Hilda, o típico corrupto é "o indivíduo que busca driblar regras em benefício próprio, sem levar em consideração outras coisas que não o próprio benefício".
Ela afirma que esse tipo de comportamento é causado por um transtorno de personalidade, que, especificamente, pode ser definido de forma mais clara como um defeito do caráter. "É o chamado transtorno de personalidade antissocial. O indivíduo que possui o transtorno de personalidade antissocial não foi capaz, ao longo do tempo em que ocorreu o desenvolvimento de seu cérebro, de desenvolver adequadamente o 'senso ético'.
Ele não é capaz de respeitar o outro em sua plenitude, espontaneamente", afirma. Hilda diz que esse distúrbio é causado por falhas cerebrais, mais especificamente, "por falhas do desenvolvimento cerebral em áreas frontais, chamadas suborbitárias, que muitas pesquisas apontam como sendo as regiões do cérebro responsáveis pela formação do 'senso ético', e também da assimilação da moral estabelecida.
Ou seja, é 'um defeito de fabricação'". Se o indivíduo apresenta esse problema em algum momento da vida, muito provavelmente vai morrer com ele, e até mesmo tratamentos modernos contra o transtorno de personalidade não apresentam resultados 100% garantidos na recuperação".
Parentes envolvidos
A especialista acredita que o quadro é parte de um conjunto de outros distúrbios, denominados transtornos de desenvolvimento. Entre eles, Hilda cita o retardo mental, que é um distúrbio que afeta de forma mais ou menos séria as áreas responsáveis pelo desenvolvimento intelectual do indivíduo, e o autismo, que afeta as áreas do cérebro responsáveis pela fala, pela sociabilidade e também pode afetar as áreas responsáveis pelo desenvolvimento intelectual.
"Por sua vez, o transtorno de personalidade provoca uma deficiência no caráter, em decorrência de má-formação das áreas do cérebro responsáveis pela sensibilidade moral", declara. A psiquiatra forense argumenta que, para ela, há poucas dúvidas sobre o caráter herdado do distúrbio. Ela diz que sempre há pelo menos um parente que também está envolvido em alguma operação ilícita ou em alguma trapaça, embuste ou situação similar.
"O caráter herdado da doença é inquestionável. Nem sempre o outro indivíduo afetado é um parente direto, como um pai ou uma mãe. Às vezes um tio, ou primo. Mas é certo que, se o indivíduo apresentou em algum momento esses sintomas, é possível encontrar outros afligidos pelo quadro na família". Para Hilda, a corrupção pode ser diagnosticada a partir do consultório.
Ela explica que é possível determinar a presença do distúrbio por meio do exame Pet Scan, ou tomografia por emissão de pósitrons, e que "o método revela com clareza a área suborbitária afetada pelo distúrbio do desenvolvimento. A gravidade do quadro pode variar muito. A gradação do distúrbio altera entre 'leve' até 'muito grave', e permite enquadrar a maioria dos criminosos e transgressores. Por exemplo, um quadro 'leve' pode se adequar a um oportunista que realiza pequenos delitos. Já um caso muito grave pode representar um político que realize grandes perseguições ou até mesmo um genocídio, como um ditador".
Sem cura
Entre as causas do problema, a psiquiatra aponta o fator genético. Mas, ao mesmo tempo, ela declara que não há apenas um gene responsável pelo quadro, mas uma interação entre genes responsáveis pelo desenvolvimento cerebral. E por outro lado, há também as pressões ambientais.
"A má-formação das regiões suborbitárias do cérebro em decorrência desse distúrbio do desenvolvimento é consequência não só de um gene específico, ou de uma pressão ambiental. É uma interação genético-ambiental, uma associação de genes e 'fatores desencadeadores'. Ou seja, em dois gêmeos univitelinos, existe a possibilidade de que um apresente o problema, e outro não".
"O transtorno de personalidade provoca uma deficiência no caráter, em decorrência de má-formação cerebral"
Quanto ao comportamento do indivíduo afetado, Hilda declara que "o portador do distúrbio tem plena consciência da natureza criminosa e funesta de seus atos, mas não apresenta remorso ou hesitação, exceto quando a ação pode trazer algum mal considerável para ele mesmo. Para ele, vale o 'dane-se o resto'". E acrescenta: "na linguagem popular, é 'safadeza' mesmo, oportunismo, falta de moral, ética e escrúpulos.
Esse personagem é constantemente atraído para situações em que se conhecem possibilidades de obtenção de vantagens diversas com facilidade, e por isso a proliferação desses indivíduos no meio político". Ela declara que "essa situação não é exclusiva do Brasil,percebe-se esse padrão no mundo. Estatísticas recentes apontam que cerca de 15% da população mundial é afetada pelo transtorno. Entre todos os casos, os mais graves, que podem responder por crimes mais sérios, orbitam entre 1% e 2% desses indivíduos. Estes, quase que obrigatoriamente, cometerão atos cruéis de algum tipo: grandes golpes que podem afetar muitas pessoas, torturas, assassinatos bárbaros para obtenção de fortunas, etc.".
Museu da Corrupção
Feito para apresentar todas as páginas negras da política brasileira, o Museu da Corrupção é uma página on-line de informação e de notícias. Lá estão reunidos os maiores escândalos dos últimos anos, vídeos, dossiês, tudo representado de uma maneira satirizada e cômica. Indispensável para quem quer se aprofundar no tema da corrupção
http://www.dcomercio.
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A psiquiatra lamenta que não existam medicamentos com resultados satisfatórios contra o transtorno. "Alguns até apresentam efeitos moderados e podem mesmo melhorar o funcionamento da região afetada, mas nunca acabar com o comportamento patológico", diz. Para ela, uma solução adequada para o problema é "o fim da permissividade excessiva para com a corrupção política".
Hilda afirma que "o portador do transtorno conhece as consequências possíveis de seus atos, para ele mesmo, mas a impunidade estimula esse indivíduo a praticar o ato, porque ele é capaz de 'pesar' os benefícios e revezes que a ação ilícita pode trazer".
Virada da infância
Já João Augusto Figueiró, médico e psicoterapeuta do Hospital das Clínicas da USP, corrobora em muitos aspectos com a colega forense, mas acredita em uma causa multifatorial e, principalmente, em menos determinismo.
"A corrupção política, policial, tem a ver com a formação insuficiente da moralidade, mas não necessariamente com a presença de um distúrbio de personalidade. As práticas corruptas normalmente são realizadas por indivíduos com falhas nos ditos 'sentimentos morais', na ética e na preocupação pelo bem-estar alheio".
Figueiró explica que a região do cérebro responsável pelos sentimentos morais é "o chamado 'cérebro moral', que é composto pelo lobo pré-frontal, pelo sistema límbico e por uma porção do lobo temporal". Ele atesta que, quando essas regiões sofrem um desenvolvimento adequado, na juventude, o indivíduo em questão poderá apresentar comportamentos considerados adequados.
Para ele, esse desenvolvimento se dá por meio da interação do cérebro com o ambiente, ou seja, pela interação entre o que foi herdado pelo sujeito e as pressões ambientais. O psicoterapeuta diz que esse processo ocorre principalmente nos primeiros anos de vida, quando já são observados padrões de comportamento moral.
Ele declara que "já no primeiro ano pode ser observada alguma reação 'moral' a expressões do sofrimento alheio. Entre os 3 e 5 anos de vida, ocorre uma virada que evidencia preocupações legítimas com o outro, sentimentos de culpa e anseio por reparações. Essa virada pode ser explicada como uma 'virada para a empatia', ou a capacidade de se identificar com o outro".
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