Culturas impossíveis e a origem da crença na vida eterna

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francioalmeida
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Culturas impossíveis e a origem da crença na vida eterna

Mensagem por francioalmeida »

Culturas impossíveis e a origem da crença na vida eterna.
Postado por Alysson Muotri em 28 de setembro de 2009 às 10:57
fonte:http://colunas.g1.com.br/espiral/

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As habilidades mentais dos humanos e outros animais têm mais semelhanças do que diferenças. Nas últimas décadas aprendemos, por meio de diversos trabalhos científicos, que os outros animais também são capazes de adquirir linguagem própria, produzir música, sentir empatia e passar ensinamentos. Temos então a impressão de que as diferenças culturais entre nossa espécie e as outras seriam apenas uma questão de profundidade.

Essa profundidade sugere que exista um contínuo cultural, envolvendo espécies com habilidades tão refinadas quanto os humanos. Entretanto, não há evidências que suportem essa idéia. Compartilhamos cerca de 99% de nosso DNA com bonobos e chimpanzés e ainda assim somos culturalmente muito mais complexos que nossos ancestrais. Essa quebra na continuidade pressupõe um interessante paradigma cientifico: a possibilidade de culturas impossíveis. Essas culturas não teriam tido sucesso evolutivo por alguma razão (talvez por falta de ambientes ou circunstâncias ideais) ou teriam tido problemas em se sustentar, levando à extinção.

Exemplo dessa falta de contínuo pôde ser observada em “formas” de vida cambrianas. Durante o período Cambriano (cerca de 500 milhões de anos atrás), houve uma rápida e imprescindível explosão de novas formas de vida. O fato de tamanha variação ter aparecido num curto período sugere que o genoma tem uma enorme capacidade criativa, adaptando-se rapidamente a diferentes ambientes. Mesmo nessa explosão de formas de vida, não encontramos um contínuo, sugerindo que outras forças impeçam a simples variação do que já existe. Isso pode até ser resultado de um empecilho físico, por exemplo. Voltemos agora à questão do contínuo cultural.

A data aproximada de quando ocorreu a revolução cultural humana não é um consenso entre os pesquisadores. Alguns sugerem que começou cerca de 800 mil anos atrás e teve seu pico cerca de 45 mil anos atrás. Esse período é associado com a geração de símbolos (matemáticos, artísticos e ritualísticos), uso controlado do fogo e ferramentas para uso múltiplos. Tomando-se que esse intervalo de tempo é irrisório numa escala evolucionária, e que essa expressão cultural humana emergiu rapidamente, a comparação com a explosão criativa do Cambriano é impressionante.

Alguma transformação genética deve ter acontecido, equipando os humanos com uma capacidade para gerar novas expressões culturais sem precedentes. Porém, da mesma forma que não se encontra o contínuo nas formas de vida do Cambriano, não encontramos o contínuo em diversas outras culturas. Algo aconteceu, impedindo que culturas hipoteticamente viáveis prosperassem em paralelo aos humanos. Será que o cérebro primata foi limitado de alguma forma a gerar outras formas de consciência?

A possibilidade de outras culturas intriga cientistas e escritores de ficção científica. Em quase todos os casos em que se cogitam situações ou ambientes onde outras culturas pudessem ter existido, assume-se implicitamente que essas teriam sido selecionadas positivamente. Mas isso pode não ser tão simples assim…

Entre as qualidades tipicamente humanas, está a consciência do “eu” e a “teoria da mente”, que permite uma inter-subjetividade ou o entendimento das intenções dos outros. Já descrevi a teoria da mente em maiores detalhes numa coluna anterior (“A teoria da mente e a síndrome de Williams). Esses atributos podem ter sido selecionados positivamente por causa dos benefícios à comunicação entre os membros da espécie, facilitando a procriação, linguagem e outras atividades críticas aos humanos.

Mas talvez a questão real seja: por que esses atributos somente surgiram em uma espécie, apesar de milhares de outras oportunidades durante a evolução? Ora, o surgimento da consciência humana e da teoria da mente deveriam trazer junto a consciência da vida finita, da própria morte. Longe de ser útil, o medo da morte pode ser encarado como um beco-sem-saída evolucionário, pois inibe atividades de risco e as funções cognitivas necessárias para a sobrevivência dos indivíduos da espécie. Ninguém se arrisca se as chances de morrer são grandes.

Apesar de diversas espécies manifestarem indícios de consciência do “eu” (incluindo orangotangos, chimpanzés, golfinhos, orcas, elefantes e talvez alguns pássaros), a transição para um fenótipo tipicamente humano foi bloqueada por milhões de anos de evolução de mamíferos (e talvez aves).

Assim, a única forma de essas propriedades terem sido selecionadas positivamente seria caso emergissem simultaneamente com mecanismos neurais responsáveis pela negação da morte ou crença na vida eterna. A ideia da consciência da própria mortalidade, ou desconfiança da morte, já foi associada a mecanismos de sobrevivência da espécie humana, mas nunca sob a perspectiva da descontinuidade cultural.

Se essa lógica for verdadeira, é correto pensar que outras espécies também tenham atingido um sofisticado grau cognitivo, com uma completa consciência do “eu” e teoria da mente, em algum momento da evolução. Mas acabaram por serem extintas, pois não conseguiram conciliar essa conquista evolucionária com o tremendo impacto negativo das consequências de saber que seriam, de fato, mortais.

Essa nova visão, ao meu ver, nunca antes tinha sido proposta e deve revigorar debates sobre as qualidades humanas universais necessárias para explicar a grande descontinuidade cognitiva observada entre nós e outras espécies. Pode também explicar por que humanos acreditam em reencarnação, vida após a morte, rituais de morte, crendices, tendências suicidas e martírio.

Arrisco ir mais longe e dizer que esse momento ímpar da evolução humana foi ainda influenciado pelas interconexões neurais não definidas entre os dois hemisférios, levando a um cérebro semelhante ao sinesteta ou esquizofrênico (principalmente no que se refere a ouvir vozes “do além”). Da combinação dessas fatores, ganhou a religião seu adubo mais fresco.

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salgueiro
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Re: Culturas impossíveis e a origem da crença na vida eterna

Mensagem por salgueiro »

Pouca evidência para muita conclusão.
“Um homem é rico na proporção do número de coisas das quais pode prescindir”, Thoreau

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