Índia: obsessão por pele clara gera indústria de cosméticos
Enviado: 25 Out 2009, 10:04
"O Globo" 25/10/09
Na Índia, obsessão por pele clara gera indústria de cosméticos branqueadores
Florência Costa - Correspondente
NOVA DÉLHI. A cientista política Suchitra Jha, de 26 anos, é uma típica representante da nova geração da Índia moderna: boa formação, trabalha fora, independente.
Mas não foi considerada uma boa candidata a noiva no programa de televisão “Noiva perfeita” porque não tem pele clara. O programa ajuda aspirantes a noivos a encontrar suas almas gêmeas com o consentimento de suas mães, como acontece no tradicional casamento arranjado indiano. Ranjana Narang, mãe de um dos rapazes, não mediu as palavras para explicar por que não queria que Suchitra se casasse com seu filho Gaurav.
— Meu filho é claro, eu quero uma garota clara para ele — ela disse diante das câmeras.
A pretendente reagiu: — Eu sempre tive consciência de que a discriminação de cor existe em nossa sociedade, mas nunca pensei que isso fosse me atingir dessa forma em uma plataforma nacional como a televisão. A mãe dele não precisava ter expressado abertamente o seu preconceito. Isso foi humilhante para mim e para todas as garotas que estão assistindo ao programa e não são claras.
Para muitas mulheres, o tom de pele é que decidirá que valor elas terão no movimentado mercado matrimonial indiano, liderado pelos classificados de casamento nos jornais e pelos sites de relacionamentos conjugais. Nos anúncios em que noivos procuram noivas, é muito comum ver, entre as exigências do pretendente, a de que a moça seja branca. Os pais da noiva de pele mais escura geralmente têm que pagar um dote maior para a família do noivo. Uma espécie de compensação pelo fato de ela não ser clara.
A obsessão por pele clara é comum nos países da Ásia como um todo, mas na Índia a grande maioria da população tem pele morena.
Apenas em alguns estados do sul do país essa mania por pele clara não pegou. É um reflexo do antigo sistema de castas hindu: as castas altas, como brâmanes, eram associadas a pessoas de cor menos escura do que as outras de castas mais baixas.
Uma imensa indústria ganha uma fortuna com a febre do branqueamento, vendendo produtos — cremes, sabonetes e talcos — que passam a ideia da “brancura radiante”, o sonho da “brancura perfeita”. Essa indústria cresce cerca de 15% e movimenta aproximadamente US$ 20 milhões ao ano. Cerca de 40% do mercado dos produtos para pele na Índia são voltados para o branqueamento da pele.
Recentemente, a indústria do clareamento de pele tem sido alvo de protestos, acusada de reforçar o preconceito por propagar comerciais que mostram mulheres e homens escuros como não atraentes.
Uma campanha de outdoor recente nas ruas de Nova Délhi mostrava o rosto de uma típica indiana, morena, e a frase “Eu não sou clara, mas sou adorável”, uma referência à marca que virou mania nacional, batizada de “Fair and lovely” ( “Clara e adorável”). Há também alguns protestos em escalas menores: Nikki Duggal, uma indiana que tem um estúdio de design em Délhi, vende camisetas com os slogans: “Black is beautiful” e “Dark and lovely”.
— Na nossa cultura, fazemos as pessoas de pele escura se sentirem patinhos feios — critica Nikki.
Um comercial de TV recente estrelado por atores de Bollywood foi acusado de discriminatório. O comercial mostrava o ator Saif Ali Khan e a atriz Neha Dhupia como um casal de namorados, ambos de pele clara. O rapaz encontra na rua sua antiga namorada, a atriz Priyanka Chopra, uma morena que foi Miss Mundo. Ela aparecia com rosto triste, sinal de que ainda gostava do ex-namorado. No final, Priyanka acabou reconquistando o namorado depois que passou a usar o creme “Beleza branca”, que promete “dar um brilho branco e rosado à pele morena”.
A febre do branqueamento hoje está cada vez mais forte entre os homens, que antes não sofriam a mesma pressão que as mulheres.
As prateleiras das farmácias estão cheias de cremes para branquear também a pele do público masculino . O ator Shahrukh Khan, o rei de Bollywood, transformouse em garoto-propaganda de um creme de clarear a pele para homens na TV inglesa — dirigido à diáspora indiana e paquistanesa.
Mas acabou sendo alvo de protestos por lá, por reforçar o preconceito.
Várias novelas na TV também exploram a obsessão pela brancura.
Ragini é a garota morena, personagem da novela “ Bida ai ” (“Despedida”), que faz sucesso atualmente. Sua irmã é clara, a queridinha da família que conseguiu arranjar um noivo primeiro.
A história se passa em Agra, cidade do Taj Mahal, e é sobre a discriminação que Ragini enfrenta por não ter nascido com a pele alva como a da irmã.