DE DEBOCHADOS E DEMOCRATAS – OU: DA ARTE DE DISCORDARquinta-feira, 29 de outubro de 2009 | 3:49 Lula foi inaugurar a reforma de uma quadra poliesportiva no morro na Mangueira, no Rio, nesta quarta. Um evento dessa magnitude — a reforma de uma quadra! — contou com a presença da candidata Dilma Rousseff, do governador Sérgio Cabral (PMDB) e do prefeito Eduardo Paes (PMDB), a quem coube, em tom debochado, fazer alusão à campanha eleitoral antecipada, num clima de visível euforia. O evento todo escarnecia, de maneira desavergonhada, da Lei Eleitoral. É nessas horas que um sujeito como o tal FB deve pensar: “Como se nota, eu não sou o único a mandar a lei às favas por aqui”. Ele atira em helicópteros; estes, em instituições.
É… A situação está realmente para o deboche. Nota: Paes era, há dois anos, secretário-geral do PSDB, o segundo cargo mais importante do partido. Tinha vindo do então PFL, o de César Maia. Em outubro de 2007, um dos mais destacados parlamentares da CPI da Mensalão se converteu ao, digamos, “cabralismo” radical. A performance de ontem, mangando da Lei Eleitoral e do decoro que ela enseja, provou que não se tornou apenas um lulista pragmático — “Tudo pelo Rio!!!” —, mas um verdadeiro lulista de comício. Parece que vai se dedicar a essa tarefa com a energia dos recém-convertidos. É uma pena! Tão moço e, na verdade, tão velho! Sigamos para o principal.
Lula também participou ontem da inauguração de estúdios da TV Record, de Edir Macedo. E mandou ver: “Há um certo tipo de gente que, no exercício da democracia, não aceita perder. Ele quer que quem ganhe não faça nada para justificar os discursos feitos durante a campanha”. É verdade! Existe melhor definição para o Lula, quando oposição, do que essa que ele próprio dá? Lula nunca reconheceu a obra de seu antecessor quando estava na oposição e não a reconhece ainda hoje, quando já é governo. Ademais, de quem ele está falando?
Certamente não está se referindo a Serra, o oposicionista que lidera as pesquisas de intenção de votos, não é?, que silencia sobre a pantomima eleitoral do governo. Aliás, os que pretendem que o governador de São Paulo se diga já o candidato ignoram, parece, dois fatos: a) não pode se dizer porque há outro no partido que também é pré-candidato; b) fazê-lo agora, antes que a própria Dilma se diga candidata — em vez de apenas uma ministra inaugurando uma quadra — corresponde a expor-se aos ataques de Lula em rede nacional. Forçar o lançamento precoce da candidatura tem mais cheiro de armadilha do que de estratégia. Uma coisa seria o PSDB e o DEM dizerem para si mesmos: “Temos um candidato e vamos nos unir para tentar fazê-lo presidente”; outra, diferente, é pedir a um pré-candidato que assuma a linha de frente do combate contra… Lula! Porque o embate, agora, seria contra Lula. A fala do presidente desta quarta reforça essa evidência. É tudo o que ele quer. Quem tem de definir a candidatura são as duas legendas.
Lula, que nunca se cansa de culpar os governos do passado por tudo o que há de ruim no país — as coisas boas são obras suas, é claro — lembrou os presentes que Cabral e Paes não podiam ser acusados pelos atos de violência. Estava dizendo, na prática, que ele próprio não tem nada com isso. Então ficamos assim: as mazelas que estão aí decorrem de ações que não foram levadas a efeito por governos anteriores. No poder há sete, anos Lula, ele próprio, se isenta de qualquer responsabilidade. Os petralhas ficam satisfeitíssimos: “Pode reclamar, Reinaldo, ele tem 80% de popularidade”. Eu sei. E isso não torna decente esse modo de fazer política.
Num entrevista coletiva depois de inaugurar a quadra, Lula afirmou que os governadores e prefeitos já podem procurar a ministra Dilma neste fim de 2009 e início de 2010 para falar — atenção! — sobre o PAC de 2011 a 2015!!! Como ele disse, é preciso ter projetos. Se saem do papel, aí é outra coisa. Lembram-se das cifras gigantescas do PAC? R$ 646 bilhões até o fim de 2010. Uau! Até agora, o governo desembolsou, por meio do Orçamento da União, pouco mais de 4% desse valor. Mas Lula já quer pensar do período de 2011 a 2015.
É inútil falar dessas coisas todas? Como querem os petralhas, “Lula continua popular mesmo assim?” E daí? Como não sou político — ou não sou membro de uma parcela ao menos —, não preciso mudar de idéia nem torcer os números porque, afinal, o presidente é uma quase unanimidade. Aliás, até por isso, faço aqui questão de dissentir.
Como bem sabe o prefeito Eduardo Paes, que é um moço inteligente, concordar com governos é fácil. Aliás, nem as ditaduras fazem restrições à adesão. É fácil concordar com o poder no Brasil, em Cuba, na Coréia do Norte, nos Estados Unidos ou na China. Diria até que os métodos para a concordância são sempre os mesmos, pouco importa a cultura do país. Difícil é discordar. E a forma como o dissenso é tratado é que define e evidencia o grau de democratização da sociedade.
O Brasil não dispõe, felizmente — não ainda, ao menos — de mecanismos para punir a discordância. Está em curso, é verdade, o desenvolvimento de uma espécie de método para satanizar o dissenso. O lulo-petismo, como uma cultura política, dispõe hoje de esbirros no jornalismo e no subjornalismo para tentar estigmatizar os que se negam a brandir o livrinho de Lula — um livro em branco, onde só se escreve o pensamento do dia. E o próprio Lula, com esse discurso mequetrefe sobre, sei lá, os inimigos da pátria busca deslegitimar o direito do “outro” de ser outro. O “outro” é qualquer um que não o apóie, já que é esse apoio que define as pessoas de bem; afinal, Dilma tenta atrair a todo custo o PP de Paulo Maluf. É uma junção de éticas como massas negativas. A soma é menor do que cada uma das partes. Os tempos não são os mais iluminados. Anteontem, Barack Obama afirmou que estava com um “esfregão” limpando a sujeira que os outros fizeram… A América precisava de um estadista e elegeu alguém com Síndrome de Faxineiro… Nos EUA, a receita começou a desandar. Falta muito atraso àquele país para cair em truque vagabundo. Por aqui, vai dando certo.
Lula brutaliza a política. Continuarei a apontar seu óbvio desrespeito à lei e seu discurso que desmoraliza as instituições. Eles vão vencer, como asseguram os petralhas? Pode ser. Vamos ver. Uma coisa é certa: podem contar comigo! Continuarei firme no meu propósito de evidenciar que concordar com o governo é coisa que qualquer coreano do Norte faz. A discordância é que testa a democracia. Só lamento que o governo Lula não seja o que Lula diz.
Seria glorioso discordar de um governo perfeito só para escandalizar e testar a democracia!
Por Reinaldo Azevedo.Fonte:
Blog do Reinaldo, claro.