Seguidora de Osho estava montando um altar para Osho, o cabelo pegou fogo com as velas, mas vozes interiores lhe disseram para deixar queimar. Hoje ela usa turbante para esconder o couro cabeludo devastado e a falta de uma das orelhas, mas continua defendendo o cara. É a embaixadora de Osho no Brasil.
O mundo a seus pés
Bety Orsini
Uma mulher alta, vistosa, de turbante preto, caminha pelas ruas do Leblon indiferente aos olhares curiosos. Excêntrica para uns, louca para outros, conhecida por usar turbantes (tem mais de 50), Iolanda Figueiredo não se preocupa com os rótulos que lhe são atribuídos. Principalmente depois que foi escolhida pelo mestre Osho para ser sua embaixadora no Brasil.
Foi o filósofo indiano, originalmente conhecido como Bhagwan Shree Rajneesh, que lhe devolveu a paz há muito perdida. Como o controverso místico, ela sempre deixou claro que não seguiria as convenções do mundo à sua volta. E antes de chegar à espiritualidade, foi ao fundo do poço. Virou alcoólatra, subiu morros para comprar drogas, viu o sangue escorrer de seu nariz destruído pela cocaína e, na tentativa de se libertar, deixou o fogo lamber seu cabelo e destruir suas orelhas.
Durante esta entrevista, ela se emociona várias vezes. Tranquila como aqueles que superaram o lado escuro da alma, diz que não tem vergonha de chorar. E garante que o amor de um mestre é milagroso, mais forte do que uma bomba atômica.
— O que aconteceu comigo foi muito intenso e por causa disso me tornei um ser humano melhor — diz Iolanda, que assina as mais cobiçadas joias espirituais da cidade, a rosa mística e a estrela de cinco pontas.
Iolanda marca a entrevista no apartamento da filha Yara, em frente à Lagoa. Um ambiente decorado com tankas (pinturas em tecido ou papel arroz) de Buda e deusas, um ondulante sofá de onça desenhado por Yara, e uma luz divina entrando pela janela. O clima é, digamos, bem espiritual. Os gatos Godinho, Nego (às vezes chamado de Fábio Jr. por conta de sua denguice) e Angelina Jolie, se aninham ao lado das pernas de Iolanda.
Costas bem retas, ela cruza as pernas, mostra o tênis Prada que ama de paixão, e explica que não pode dar entrevista em sua casa porque o marido, o jornalista Sérgio Figueiredo, anda adoentado. E fala sobre o início de sua vida, que começou numa fazenda na vila João Pinheiro, no interior de Minas Gerais, onde morava com os pais, Paulo e Maria Madalena, e os cinco irmãos.
Naquele tempo, a família não tinha carro e sempre que precisavam ir à cidade era a pé ou no lombo de um cavalo. Filha mais velha, criada solta como índio, ela adorava trotar pelos campos e sentir o cheiro da vegetação entrando pelas narinas, enquanto todo o seu ser era tomado por uma sensação redentora de liberdade.
— Até os 7 anos minha vida foi um mar de rosas. Mas a espiritualidade já estava em mim. Quando eu era pequena, seres estranhos apareciam para brincar comigo.
Mas eu não contava para ninguém.
Para mim era tão normal que eu não dava importância.
‘O poder sem amor não vale nada’
Iolanda pede licença para tomar um café. Serve o meu numa xícara com asas azuis — explica que a cor trabalha a criatividade — e o dela numa xícara com asas cor de abóbora, que trabalha o chacra do poder. Mas alerta: — Sem amor, o poder não funciona.
Aos 7 anos, ela foi para um colégio interno na cidade, onde ficou até a quarta série, quando foi expulsa.
— Eu odiava estudar. Era muito malcomportada e naquela época tudo era moralista demais. Eu fazia sempre o contrário: se era para andar para cá, eu andava para lá. Meus pais não esquentavam a cabeça.
Aos 17 anos, cansada da mentalidade mineira, desembarcou no Rio para morar com um casal amigo dos pais no centro da cidade. A convivência com a família carioca foi rápida. Logo ela foi morar com Juan Eduard, pai biológico da filha única Yara, que morreu quando ela tinha pouco mais de 1 ano.
Depois disso, sem ter para onde ir e enfrentando dificuldades financeiras, foi acolhida pela dama da sociedade carioca Ruth Almeida Prado, no apartamento dela, perto do Copacabana Palace.
— Ela foi a pessoa que mais me ajudou na vida, sempre foi uma mulher a frente do seu tempo. Era uma marchand de tableaue todo mundo frequentava a casa dela. Ruth tinha um poder de compreensão infinito, aceitava as pessoas do jeito que elas eram.
Foi na casa dela que Iolanda conheceu o jornalista Sérgio Figueiredo, na época um homem que circulava com desenvoltura pela sociedade carioca.
— Ele se apaixonou perdidamente por mim, mas eu sentia que ele não queria. Era mais velho do que eu 13 anos, sofisticado, e eu uma pessoa do interior, sem cultura nenhuma, mal e porcamente cheguei ao quarto ano ginasial.
Mas como paixão não tem jeito... Sérgio alugou um apartamento para morar com Iolanda e logo se casaram. E então começaram os problemas.
— Eu era muito jovem e não tinha estrutura para frequentar aquela gente.
Comecei a beber demais, me drogar demais, fumava maconha o tempo todo.
Quando eu cheirava muito, ficava vários dias sumida. Ia para os morros onde tinha amigos e ficava cheirando, cheirando... Voltar para casa era muito difícil. Saber que meu marido estava desesperado sem saber onde eu estava era terrível.
Se ela sofria? Sofria muito.
— Uma pessoa que está bem não se droga como eu me drogava. Hoje eu vejo que era fuga, eu não dava conta de estar vivendo tudo aquilo.
Naquela época turbulenta, Yara era adolescente, estudava na Suíça, e não presenciava essas coisas.
— Sérgio e Yara apostaram na minha recuperação, eu tive essa sorte. Meu marido sempre dizia que, apesar de tudo, as pessoas tinham que me respeitar, porque uma pessoa como eu, que chegou ao Rio com dois cruzeiros dentro do sutiã sem conhecer ninguém, e que tinha agora uma filha estudando na Suíça e morava na Vieira Souto, era uma vencedora.
Naquela época, Iolanda tinha o mundo a seus pés. Seu armário era repleto de roupas grifadas, tinha muitas joias, endereço nobre, mas nada a satisfazia.
— Eles sofreram muito, sou eternamente grata ao apoio que eles me deram.
Eu passava um período internada, fazia análise, me livrava um pouco da ansiedade, ficava um ano maravilhoso sem beber e me drogar, mas depois recaía.
Bastava tomar um copo para eu beber um ano sem parar.
Foram praticamente dez anos entrando e saindo de clínicas: — Eu me sentia rejeitada, não suportava conviver com aquelas mulheres maravilhosas e chiquérrimas que tentavam me humilhar o tempo todo.
Foi a filosofia de Osho que ajudou Iolanda a sair do fundo do poço. Ela andava para todo lado com os discursos do guru indiano e, aonde ia, armava um altar e fazia suas preces. Foi numa delas que aconteceu um incidente que transformou completamente a sua vida.
— Eu armei o altar com as velas e, quando me abaixei para fazer uma reverência, meu cabelo começou a pegar fogo. Foi então que eu ouvi claramente uma voz me dizendo “Se você se deixar queimar e sair viva sairá totalmente transformada”.
Levantei a cabeça e fiquei olhando fixamente para um espelho que estava na minha frente e deixei queimar tudo.
Uma das minhas orelhas foi totalmente destruída (ela levanta o turbante e mostra o que restou), a outra foi parcialmente. O couro cabeludo também queimou todo — conta ela, que teve queimaduras de terceiro grau e foi salva pela equipe de Ivo Pitanguy. — Quando cheguei lá, o fogo tinha atingido o meu sistema nervoso central, eu estava sem noção das coisas.
Por pouco não morri. Depois disso, nunca mais coloquei uma gota de álcool na boca nem usei qualquer droga.
Ela conta que o primeiro contato com Osho foi no Uruguai.
— Com ele compreendi que, quando a gente está no fio da navalha, fica completamente relaxado, a gente chega em casa.
‘Sopa de rã cura todos os males’
Antes, ela tinha frequentado tudo em busca de alívio para essa inquietação.
Macumba, espiritismo, catolicismo.
— Eu sempre tive esses dois lados: quando estava bem, estava muito bem; quando estava doida, estava mais doida do que todo mundo junto — conta Iolanda, que se casou três vezes com o mesmo marido. — Da última vez, jurei que nunca mais nos separaríamos. Eu já era uma sanyase (pessoa que pratica o desapego), estava mais consciente, não vou querer reencarnar só para casar novamente com o Sérgio. Ele me entende, é o grande amor da minha vida.
A cada dia que passa Iolanda sai menos.
Medita seis horas por dia sempre que possível: três horas pela manhã, três à noite. E distribui sopa de rã para quem gosta ou que estão em dificuldades. Diz que a sopa, que carrega numa garrafa térmica, é milagrosa.
— É só fazer um refogadinho, misturar água, um inhame, uma rã e depois bater tudo no liquidificador.
Como designer, ela vende suas joias espirituais no ateliê da filha, no Leblon. As rosas místicas são disputadas. Atrás de cada peça — numerada e com as iniciais da artista — pode-se ler “Rosa Mística and Livrai-me de todos os males. Amém”. As estrelas de cinco pontas, usadas em rituais de exorcismo, são curativas.
— Drogados param de se drogar, bêbados param de beber. Eu sou muito mística. Vim nesse planeta para fazer alguma coisa. Como disse Osho, hoje somos apenas uma possibilidade de humanidade — repete Iolanda, que foi batizada pelo guru com o nome Ma Pren Rashky.
— Rashky é o nome de um tigre siberiano. Ele me deu esse nome porque achava que eu era um verdadeiro tigre.