Duas Cocas Zero e a conta... com Antonieta Campos Xavier
por Mauro Ventura
Antonieta nasceu na roça, em Rio do Meio, na Bahia. O município é tão pequeno que, diz a lenda, na hora em que a roda traseira do carro entra na cidade a da frente já está saindo.
Única mulher entre oito irmãos, de família paupérrima, “chucra que nem um índio”, só entrou na escola aos 20 anos. Ainda assim, virou médica, especializando-se em infectologia, com pós em neurologia.
A mudança no destino se deu quando seu pai foi trabalhar na fazenda de João Borges. A filha de Borges, dona Lourdes, convenceu o pai da jovem de 16 anos a deixá-la passar um mês no Rio. Ela está aqui há 50 anos. Foi acolhida por Lourdes e o marido, Silval Palmeira, e teve todos os estudos pagos. Entrou para a família e tornou-se irmã de criação da produtora Vera de Paula, mulher do cineasta Zelito Viana e mãe do ator Marcos Palmeira.
Desde 1993, é perita legista do Instituto Médico Legal (IML). No necrotério, faz autópsias em vítimas da violência no Rio.
É uma das maiores especialistas do país em baleados. Sem papas na língua, costuma sofrer represálias pela obstinação em cumprir a lei. Já foi ameaçada de prisão por uma delegada e uma juíza, e transferida três vezes— passou cinco anos em Volta Redonda.
Tem uma filosofia para evitar pressões de autoridades: “Só falo com morto.”
REVISTA O GLOBO: O que faz o perito legista?
ANTONIETA CAMPOS XAVIER: Temos que atestar que a pessoa morreu e dizer do que ela morreu e como morreu. Fazemos plantões de 24 horas, mas ninguém deveria passar mais que seis horas num necrotério. Tem perito que fica seis meses encostado pela psiquiatria. Só não fico doida porque já sou. (Risos.) Uma vez briguei com um delegado: “Se o senhor aguentar duas horas sentado na porta só me vendo trabalhar, eu faço cem horas de necropsia por semana.” Tem delegado que vê muito “CSI” e acha que pode aplicar aqui.
Você é recordista em fazer autópsia em baleados, não?
Foi um detetive que inventou isso. Disse que eu estava no “Guinness” como a mulher que mais faz necropsia em baleados no mundo. É que quando chega uma vítima de PAF (perfuração por arma de fogo) eu logo pego e separo: “Isso aqui é meu.” Gosto de fazer e faço rápido.
Uma vez o chefe do serviço de patologia forense de Sydney, na Austrália, veio aqui conhecer nosso trabalho, porque estava aumentando muito a violência na sua cidade. Ele nos disse que lá teve 20 baleados no ano. Falei que só eu fazia 25 corpos por dia! Fora os outros peritos. Fazemos um trabalho detetivesco: seguir o trajeto da bala, até achá-la. E como o raio X do IML não funciona, às vezes é preciso cortar o corpo todo dentro até achar.
Como é o dia a dia num necrotério?
É um circo dos horrores, uma máquina de fazer doido. Teve época de eu fazer autópsia em cinco PMs fardados num dia. Uma vez veio um menino de 1 ano com tiro na cabeça, por causa de dívida de jogo. O homem foi cobrar, o pai não estava em casa e ele matou o bebê.
Outra vez chegou o filho de um policial, de 18 anos. Os traficantes queimaram o garoto vivo em pneus, e telefonaram para o pai: “Vem buscar seu carvãozinho.” Veio do presídio uma vítima de 29 anos. Depois de contar 150 facadas, parei.
Um garoto de 13 anos chegou com 68 tiros e 86 facadas. Já fiz necropsia em gente que tomou 109 tiros. Mas caiu muito o número de mortos que chega. A média eram 40 por dia, hoje são 20. É que botaram para funcionar o IML de Campo Grande. E cada vez mais os traficantes dão fim aos corpos na favela.
Estou fazendo uma pesquisa sobre a violência no Rio, de 1960 para cá. Abordo o modo de matar, o tipo de arma usada, o poder de destruição. Esses dias peguei baleados com um tipo diferente de tiro. A bala entra fazendo uma borda estranha, irregular.
Essa arma é nova, ainda não sei qual é.
O que mudou com o novo IML, em São Cristóvão?
O antigo IML (no Centro) era um horror. Não tinha banheiro nem pia para os peritos. No almoço a gente lavava a mão no restaurante ao lado. Tinha mofo, goteiras, o teto caía. As geladeiras estavam quebradas, e os corpos apodreciam numa sala.
Essa nova direção parece querer melhorar. O prédio atual é muito melhor, mas tem problemas.
O piso é ultramoderno, americano, mas incompatível com um necrotério. É frágil para aguentar o tranco de macas sendo carregadas o dia todo.
As paredes são de gesso cartonado. Molhou, derreteu. A aparelhagem do laboratório é nota mil, mas ainda não está funcionando direito.
O que você faz para relaxar?
Chego em casa, tomo banho, lavo todo o cheiro de defunto, faço palavras cruzadas, vejo novelas, assisto a filmes na TV. E vou dormir.
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- Fernando Silva
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Re: A rotina diária do Instituto Médico Legal do Rio de Janeiro
Normal, como toda rotina.
O Lula também chega em casa ( hotéis 6 e 7 estrelas), se lava pra tirar a catinga de cachaça ( scotch ) e dos defuntos brasileiros que ele faz de conta que salva da morte todo dia ( viajando ao exterior), abre as compras de grife e ...vai dormir.

O Lula também chega em casa ( hotéis 6 e 7 estrelas), se lava pra tirar a catinga de cachaça ( scotch ) e dos defuntos brasileiros que ele faz de conta que salva da morte todo dia ( viajando ao exterior), abre as compras de grife e ...vai dormir.


Re: A rotina diária do Instituto Médico Legal do Rio de Janeiro
Que merda de vida,ainda bem que Deus existe.Agora,não sei como diante de tanta desgraça alguém ainda mantenha o bom humor,mesmo acreditando no" fundo da alma"
que as coisas são assim...porque sim.
Pimenta no rabo dos outros é refresco mesmo

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Re: A rotina diária do Instituto Médico Legal do Rio de Janeiro
claudinei escreveu:Que merda de vida,ainda bem que Deus existe.Agora,não sei como diante de tanta desgraça alguém ainda mantenha o bom humor,mesmo acreditando no" fundo da alma"que as coisas são assim...porque sim.
Pimenta no rabo dos outros é refresco mesmo
Claudinei, ela mantem o bom humor porque já se acostumou. Já virou coisa corriqueira.
Eu, que trabalho no registro do P.S. de um hospital já me acostumei com cada meleca que aparece lá.
As únicas ocorrências que me tiram do sério são violências contra a mulher cometidas pelos fdps dos "companheiros" delas.
