Durante uma semana foram percorridos cerca de 4 mil quilômetros nos quatro cantos do Estado de São Paulo
04/04/2010 - 17h03 . Atualizada em 05/04/2010 - 11h23
As rodovias de São Paulo, se por um lado comportam investimentos bilionários como o da obra do Rodoanel Mário Covas e estrutura de primeiro mundo, como na Bandeirantes, por outro há locais onde trafegar na contramão para desviar de crateras de até dois metros de diâmetro é a única forma de continuar a viagem. Asfalto aos pedaços, velhas placas de sinalização engolidas pelo mato alto ou crivadas de balas, além de acostamentos que só existem no papel fazem parte de uma realidade não mostrada nas propagandas oficiais do Estado. São problemas que o Correio - conjuntamente com a Gazeta de Ribeirão e a Gazeta de Piracicaba -, mostra a partir deste domingo (04/04) até quarta-feira, em uma série de quatro reportagens especiais que faz uma radiografia das estradas paulistas (municipais, estaduais, federais e concessionadas). Durante uma semana foram percorridos cerca de 4 mil quilômetros nos quatro cantos do Estado partindo de Campinas, Piracicaba e Ribeirão.
A constatação é de que fora da mancha de entorno da Capital — que inclui as regiões metropolitanas de Campinas e Santos, São José dos Campos e Sorocaba — e de outros centros regionais como Piracicaba e Ribeirão Preto, o cenário é outro. Há rodovias em péssimas condições em direção às regiões Sul e Oeste, locais que têm a produção agrícola — cana-de-açúcar e café, principalmente — como motores da economia, e no Litoral Norte e parte do Vale do Paraíba.
Para o professor Ulysses Semeghini, do Núcleo de Economia Social, Urbana e Regional do Instituto de Economia, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a concetração de investimentos em infraestrutura rodoviária nessas regiões é explicado pela alta concentração populacional e de renda. Segundo ele, a região concentra atualmente 80% do Produto Interno Bruto (PIB) paulista. “Há uma relação entre estrutura rodoviária e a concentração de pessoas e produção.” Já no Sul e Oeste paulista, segundo o professor, o que se vê são cidades-referência pontuais, o que explica a falta de uma malha rodoviária em melhores condições.
“Tenho absoluta certeza de que a falta de uma melhor infraestrutura influencia no menor desenvolvimento da economia”, aponta Flávio Benatti, presidente da seção de Transporte de Cargas da Confederação Nacional de Transporte (CNT).
Sul e Oeste: precariedade

A carência de investimentos nas estradas do Sul do Estado pode ser constatada na Rodovia Salvador Rufino de Oliveira Neto (SP-267), na altura de Itararé. Ali, as crateras, capazes de engolir uma moto por inteiro, estão espalhadas pelo asfalto. Como as costumeiras operações de recuperação não parecem mais aliviar o problema de mais de duas décadas, funcionários do Departamento de Estradas de Rodagem (DER) e moradores das áreas rurais jogam terra vermelha nos buracos. Quando chove, a lama deixa a pista escorregadia e ainda mais perigosa.
A SP-250, na região de Pilar do Sul, com pista simples, também é só buraco. Caminhões invadem, em alta velocidade, as faixas contrárias para escapar das crateras. As placas também não estão em bom estado de conservação, assim como a sinalização horizontal e o acostamento.
No Km 166, a reportagem flagrou um ônibus escolar cheio de crianças circulando na contramão para desviar das falhas. “Isso sempre acontece. É um perigo”, diz a dona de casa Neusa Machado. Na Raposo Tavares (SP-270), uma obra de responsabilidade do governo federal no trevo de Ourinhos em direção a Presidente Prudente está paralisada há mais de um ano, segundo moradores locais. “Tem muito acidente aqui”, diz o agricultor Rodinei Souza.
Já a SP-425 (Assis Chateaubriand), estadual, que passa entre algumas fazendas de café, apresenta boas condições de asfalto e sinalização. Mas, a partir do Km 416, justamente quando acabam as propriedades rurais, a situação da pista piora e muito.
Litoral

Outra região problemática é a do Litoral, que conta com boas rodovias como as do Complexo Anchieta-Imigrantes, mas exemplos de precariedade que fazem a área ser considerada oficialmente como a pior do Estado. A Rodovia dos Tamoios (SP-99), que tem 82 quilômetros de extensão que ligam as cidades de São José dos Campos e Caraguatatuba e está prestes a ser privatizada, é um exemplo. O asfalto é ruim em muitos trechos, falta pista duplicada, a sinalização precária, há trechos sem acostamento e o mato alto encobre algumas placas. (Colaboraram Raissa Scheffer, de Ribeirão Preto, e Felipe Rodrigues, de Piracicaba).
Trecho Norte e central do Estado: situação regular
Nas regiões Norte e Central do Estado, a reportagem percorreu 1 mil quilômetros de rodovias, a maior parte sob concessão. No primeiro trajeto de 500 quilômetros, partindo de Ribeirão em direção a São José do Rio Preto, foram encontras rodovias de grande fluxo de veículos e em condições precárias. N caminho de Rio Preto a Icém, a Rodovia Transbrasiliana (BR-153) tem pista simples, poucas placas e um pedágio de R$ 2,80. “Já fiquei parado na pista quase um dia inteiro e não chegou nenhum guincho para me socorrer”, conta o caminhoneiro Rogério Ferreira. Entre Rio Preto e Votuporanga a Rodovia Euclides da Cunha (SP-320), administrada pelo DER, tem condições precárias de asfalto e pista simples em boa parte. O governo do Estado abriu licitação para obras de restauração e duplicação.
Partindo de Piracicaba, a reportagem percorreu 613 quilômetros em 11 vias, em sua maioria concessionadas. “Há pistas que dá gosto dirigir, enquanto outras você sente medo”, diz o motorista Renato Rodrigues. Nas pistas geridas pelo DER na região são comuns as ondulações, buracos e remendos no asfalto. A vicinal Alto da Serra do Itaqueri (Itirapina/São Pedro) tem crateras ao longo do trajeto.
Condições de pistas colocam em risco vida de usuários
As cruzes fincadas ao longo do acostamento da SP-250, na região de São Miguel Arcanjo, ao Sul do Estado, servem de lembrete aos motoristas. Além dos estragos para o carro, a má condição das vias coloca em risco a vida dos motoristas. O funcionário público Jorge Rodrigues, de 51 anos, perdeu o filho Carlos Alberto, com 28, em um acidente nessa pista no dia 9 de abril de 2000. Hoje, o caso é lembrado por um pequeno santuário às margens do asfalto. “Meu filho saiu de uma vicinal e, quando entrava na rodovia, seu carro apagou. Ele foi atingido em cheio por um caminhão.” Rodrigues dirige a ambulância da Prefeitura local há 20 anos. “Tinha acabado de guardar a viatura quando a notícia de um acidente chegou. Era para eu ter socorrido o meu filho. Ele morreu no mesmo dia do seu aniversário.”
Na altura de Itaberá, na Rodovia Eduardo Saigh (SP-255), o balconista Danilo Proença e a sua mulher, Joseni Dias, ambos com 24 anos, escaparam por pouco. O Santana 1.8 CL do casal ficou irreconhecível após uma colisão frontal com outro veículo. “Nascemos de novo”, agradece Proença.
Na SP-249, em Itapeva, a estudante Francieli Aparecida, 15, foi atropelada no acostamento e vive hoje em uma cadeira de rodas. O motorista teria desviado de um buraco. A mãe da menina, Alice Furtoso, já perdeu um sobrinho, morto na mesma rodovia.(FG/AAN)
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