Perigo: comentários sobre candidatos podem dar em multa
Enviado: 17 Mai 2010, 13:00
"O Globo" 17/05/10
REDE DE intrigas
Com as eleições à vista, eleitores devem usar a internet com prudência ao apoiar ou criticar candidatos
Esta é a primeira eleição presidencial brasileira em que a internet está representando papel preponderante, especialmente nas redes sociais e microblogs.
Twitter, Facebook, mensageiros instantâneos como Messenger e Google Talk, email e SMS (em computadores, notebooks, netbooks e smartphones — isso enquanto os tablets não ganham escala por aqui) são usados por candidatos e eleitores para expressar opiniões as mais diversas. Entretanto, sabemos como é a internet: muita gente abusa do direito de falar mal e parte para a ignorância, normalmente protegida pelo anonimato.
Por isso, todo cuidado é pouco ao abordar temas políticos na rede. Como evitar possíveis problemas com a Justiça ao se expressar? Para Rony Vainzof, sócio do escritório Opice Blum Advogados e professor de Direito Eletrônico da Universidade Mackenzie, em São Paulo, é preciso lembrar que, embora o anonimato seja grande “queridinho” dos internautas, ele está fora de nossa Constituição.
— Veja bem, a Constituição Federal, em seu artigo 5o inciso IV, estabelece como direito fundamental a livre manifestação de pensamento, sendo, todavia, vedado o anonimato — explica.
— A lei 12.034/09, mais precisamente no Art. 57-D, seguindo à risca nossa Carta Magna, também fala sobre a liberdade de manifestação dos cidadãos por meio da internet nas eleições, sendo vedado, porém, que tais iniciativas sejam anônimas.
Portanto, quem deseja co mentar a questões políticas com um mínimo de racionalidade deveria fazê-lo assinando embaixo, para começar.
O anonimato prejudica o debate e, muitas vezes, leva a um baixo nível nos comentários.
O problema não é novo, aliás. Em 1997, um estudo da Universidade de Sheffield já denunciava a agressão online e associava suas causas ao fato de ser a internet então um “meio novo, nada familiar, potencialmente ameaçador e frustrante” para os recém-chegados ao mundo dos computadores.
Tal afirmação vale ainda hoje, e talvez até mais agora do que então, já que a cada dia aumentam os usuários de telefones celulares e computadores.
— É preciso ter bom senso ao opinar, pois o que vale tanto na época da eleição quanto no dia a dia é cuidar para não ser enquadrado nas leis contra difamação, calúnia e injúria — explica Ronaldo Lemos, diretor do Centro e Tecnologia e Sociedade da FGV Direito. — Caluniar é atribuir falsamente um crime a terceiros nos comentários ou posts; difamar é denegrir a imagem (digamos, de um candidato) no meio eletrônico; e a lei contra injúria pune as ofensas.
Segundo Ronaldo, essas punições ocorrem com mais frequência justamente em época de eleições, e com a internet a tendência é que haja um aumento de processos.
Rony esclarece: — É assegurado o direito de resposta por conceito, imagem ou afirmação caluniosa, difamatória, injuriosa ou sabidamente inverídica — diz o advogado. — A análise do direito de resposta tramitará com preferência em juízo (artigo 58-A) e, caso seja deferida deverá ser exposta no mesmo veículo, espaço, local, horário, página eletrônica e tamanho utilizado na ofensa, em até 48 horas após a entrega da mídia física com a resposta do ofendido (artigo 58, parágrafo 3oinciso IV, alínea a).
Além disso, as respostas ficarão disponíveis para acesso pelos usuários do serviço de internet onde ocorreu a ofensa.
— Isso deve ocorrer por tempo não inferior ao dobro em que esteve disponível a mensagem ofensiva (artigo 58, parágrafo 3o inciso IV, alínea b) e as custas ficarão por conta do responsável pelo ilícito (Art. 58, parágrafo 3 o inciso IV, alínea c) — explica Rony.
Patrícia Peck, advogada especializada em Direito Digital, lembra que o direito de se expressar, como qualquer outro, não comporta o abuso de direito, previsto na letra fria da lei.
— Está lá, no artigo 187 do Código Civil: mesmo que você seja titular de um direito, não deve usá-lo para ultrapassar o limite da boa fé, dos bons costumes, sob risco de indenização — lembra Patrícia. — Então, ao criticar um candidato ou plataforma política, o eleitor deve ter cuidado, especialmente na internet. Como nela nos expressamos por escrito, é preciso que a redação seja clara e objetiva para não dar margem a problemas. Para chegar a essa redação cristalina, vale evitar palavrões e termos que permitam dupla interpretação.
— As pessoas precisam tomar cuidado para não disseminar nas redes sociais boatos, nem levantar falsos testemunhos, sob pena de serem responsabilizadas civil e criminalmente — diz Patrícia. — A legislação eleitoral traz penalidades maiores para os crimes contra a honra mais comuns (injúria, calúnia e difamação).
A redação de comentários e posts tratando de política deve ter em mente que hoje o computador representa a prova eletrônica num processo, e a máquina não tem como interpretar o tom em que algo foi composto.
— Na Justiça, será interpretada a literalidade do que foi escrito — afirma Patrícia.
Já o uso de imagens e vídeos engraçadinhos pode ser contextualizado e, com isso, a brincadeira tem chances de acabar mal.
— Imaginemos que alguém coloque na internet a foto de um candidato e a compare com um macaco — supõe Patrícia. — Ainda que o tom seja jocoso, o abuso de direito se configura, por se tratar de situação vexatória, humilhante, discriminatória.
O eleitor brasileiro, em especial, gosta muito de opinar e passar adiante opiniões que colheu em outros lugares, por vezes sem ter certeza sobre a fonte, podendo incorrer em ilícito.
Não esqueçamos a turma que adora mandar spam. Segundo Rony Vainzof, de acordo com o artigo 57-G da lei eleitoral reza que as mensagens eletrônicas enviadas por qualquer meio deverão dispor de mecanismo que permitam o seu descadastramento no prazo máximo de 48 horas caso o destinatário assim requeira, sob pena de multa no valor de R$ 100 por mensagem enviada após o prazo.
Há ainda quem goste de fazer perfis falsos em Facebook, Orkut, Twitter... O que a lei reserva para eles? — Haverá sanção com multa de R$ 5 mil a R$ 30 mil para aquele que fizer propaganda eleitoral atribuindo indevidamente sua autoria a terceiro (artigo 57-H). Tal conduta, inclusive, dependendo da forma que for feita, pode caracterizar o crime de falsa identidade (artigo 307 do Código Penal) — alerta Vainzof.