Políticas de não-repetência e a qualidade da educação:
evidências obtidas a partir da m odelagem dos dados da
4ª série do SAEB-99*
MARIA EUGÊNIA FERRÃO
Departamento de Matemática da Universidade da Beira Interior/Portugal (UBI)
[...]2.2 Os dados do SAEB
O estudo foi realizado pela aplicação de modelos de regressão
multinível aos dados do SAEB (Sistema Nacional de Avaliação da
Educação Básica) coletados em 1999, juntamente com algumas variáveis
extraídas do censo escolar do mesmo ano (nomeadamente a informação
sobre o regime de organização do ensino). O SAEB é um levantamento em
larga escala realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais (INEP/MEC) a cada dois anos. Tem representatividade
estadual e nacional com base numa amostra de alunos das 4ª e 8ª séries do
EF e da 3ª série do ensino médio (EM). Em 1999 o SAEB cumpriu seu
quinto ciclo de avaliação. Nele participaram cerca de 280 mil alunos, 43 mil
professores e 7 mil diretores, em aproximadamente 7 mil escolas de todos
os estados brasileiros e do Distrito Federal. As disciplinas foram Língua
Portuguesa, Matemática, Geografia, História e Ciências nas 4ª e 8ª séries do
Ensino Fundamental. Na 3ª série do Ensino Médio foram testadas as
mesmas disciplinas à exceção de Ciências que foi substituída por Física,
Química e Biologia. A todos os envolvidos – alunos, professores e diretores
– foram aplicados questionários para coletar características de contexto, de
processo e insumos. Aplicadores externos preencheram questionários com
informação da turma e da escola.
Este estudo restringe-se à região Sudeste do Brasil (estados de São
Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Minas Gerais). Utilizam-se os dados
referentes aos alunos da 4ª série de suas respectivas escolas, estando
envolvidos 16.066 alunos de 514 escolas. Nos dados da subamostra de
Minas Gerais, há 195 escolas, e nos de São Paulo, 88. O percentual de
alunos em turmas com promoção automática é de 35,6% (1862 alunos) em
Minas Gerais e de 62,2% (2276 alunos) em São Paulo6.
[...]
Tanto na rede pública como na particular, verifica-se que as
estimativas pontuais associadas à adoção da promoção automática são
desfavoráveis (observe que as curvas relativas à promoção automática são
mais negativas). No entanto, tratando-se de estimativas, convém observar o
respectivo intervalo de confiança. A partir dele pode concluir-se que não há
diferença estatisticamente significativa entre o rendimento dos alunos das
escolas públicas (que constituem a amostra) com e sem promoção
automática (observe que há sobreposição dos intervalos de confiança). Já
nas escolas particulares, para os alunos com defasagem menor do que 4
anos, é possível perceber a diferença. O desempenho dos alunos em escolas
particulares sem promoção automática é superior, em média, ao de todos
os outros, diferença esta estatisticamente significativa. Além disso, não há
diferença entre escolas públicas e particulares com promoção automática.
Os alunos com mais de três anos de idade além da adequada, nas escolas
particulares sem promoção automática, atingem resultados que não são
estatisticamente diferenciáveis aos dos estudantes em escolas particulares
com promoção automática e em escolas públicas sem promoção automática
(também existe sobreposição dos intervalos de confiança).
Quanto a Minas Gerais, os resultados da tabela 3.2 sugerem que não
existe efeito substancial da promoção automática sobre a proficiência dos
alunos. Apesar do efeito ser estatisticamente significativo ao nível de 10%
(mas não ao de 5%), a sua magnitude é muito inferior ao efeito marginal da
variável defasagem idade-série.
Em qualquer dos dois estados, a estimativa associada ao termo de
interação entre defasagem idade-série e promoção automática não é
estatisticamente significativa, tal como pode ser constatado pelos
resultados dos modelos 2 e 3 nas tabelas 3.1 e 3.2. Desta forma, não há
evidência de que alunos com defasagem escolar tenham o seu desempenho
acadêmico reduzido face aos colegas por estudar em escolas que
implementem a política de não-repetência. [...]
http://www.fcc.org.br/pesquisa/publicacoes/eae/arquivos/1179/1179.pdf
E agora, paulistas e mineiros repetentes?
A ideia, muitas vezes veiculada, de que tudo piorou com a progressão continuada não tem sido comprovada por meio de estudos e pesquisas, pelo menos até o momento. Um estudo, ainda que limitado, sobre o impacto das políticas de não reprovação no sudeste brasileiro, envolvendo alunos de 4ª série e tendo como referência os dados do SAEB (Brasil, 2004), concluiu que:
[...] relativamente às escolas que constituem a amostra, os modelos apresentados sugerem que nos estados de São Paulo e Minas Gerais o regime de promoção automática, pelo menos nas escolas públicas, pode contribuir para a correção da defasagem idade-série sem perda da qualidade na educação vis-à-vis as escolas públicas com sistema seriado. Não foi encontrada evidência de que o desempenho acadêmico dos alunos com defasagem idade-série seja inferior ao desempenho dos alunos em idade adequada por causa do regime de organização do ensino em vigor na escola que frequenta. Também não foi encontrada evidência de que alunos desfavorecidos socioecono-micamente que estudam em escolas com promoção automática tenham desempenho inferior aos seus colegas. (Ferrão; Beltrão; Santos, 2002, p. 69)
Também analisando dados obtidos no SAEB, Alavarse (2007) concluiu não haver indicadores que mostram queda na qualidade do ensino vinculada às políticas de não reprovação anual.
Como fechamento das problematizações com dados de avaliação, destaco que não há indicadores que sustentam que os ciclos, ou pelo menos a não reprovação, tenham produzido uma erosão da qualidade do ensino.
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1517-97022009000300010&script=sci_arttext
[...]
Sistema de ciclos x serial
Outro mito que vem causando polêmica na sociedade, sendo bastante impulsionado pela imprensa, é a questão da aprovação automática e a implementação do sistema de ciclos. A mídia vem adotando uma postura em relação a esse tema em que posiciona o sistema de ciclos como o cerne do problema da educacional do país, principalmente por englobar a aprovação automática dos alunos. Não obstante, índices recentes disponibilizados pelo SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica) comprovam que os alunos do regime seriado tiveram desempenho ligeiramente menor aos do regime de ciclos, numa diferença numérica estatisticamente irrelevante.
Já o estado de São Paulo, onde 65% das escolas adotam o sistema de ciclos, tem a quarta melhor média do Brasil em português, enquanto Alagoas, majoritariamente serial, obteve o segundo pior desempenho. O próprio presidente Lula ao falar que “no Brasil foi decidido que o aluno não repetiria mais e hoje 52% das crianças na quarta série não conseguem interpretar um texto” dá margem a interpretações que induzem ao erro. A fala não revela que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação não obriga a implementação do sistema de ciclos, mas confere à opção de adotá-lo em substituição ao sistema serial. Além disso, foge à verdadeira causa do problema educacional no país.
A Unesco comparou recentemente 132 países com relação à taxa de repetência. Na pesquisa o Brasil ficou em 8o lugar, com 25% de repetência dos alunos matriculados. “Esta taxa é absurda. Há que se observar que ao repetir um aluno da rede pública de ensino no Brasil a taxa de evasão cresce no ano seguinte. Não estou em defesa da aprovação automática necessariamente, mas a sociedade precisa compreender que o problema não reside no sistema de ciclos ou no serial, é muito mais amplo e engloba diversos fatores. Não se deve convergir as implicações em um só ponto – como a prévia condenação do regime de ciclos – porque isso não solucionará nada”, disse o jornalista.
Uma das variáveis da questão é a discrepância do investimento brasileiro no ensino médio e no superior. O aluno de ensino superior custa 13 vezes mais que o aluno do ensino fundamental. Em pesquisa realizada pela a OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) em 2000, onde se compararam 28 países, o Brasil ocupou a 25o posição no ranking dos maiores gastos com ensino fundamental e a 7o posição em relação ao ensino superior. Foi a segunda maior relação fundamental/superior, caracterizando uma discrepância enorme.
http://informacao.andi.org.br:8080/relAcademicas/site/visualizarConteudo.do?metodo=detalharNoticia&codigo=96
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No entanto, é um dos alvos preferidos de qualquer político quando perguntado sobre educação. Em vez de serem honestos e tentarem explicar que não é tão simples assim, optam pelo caminho fácil que é dizer o que o povão quer ouvir.