A independência do Brasil foi mais violenta do que se pensa

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Fernando Silva
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A independência do Brasil foi mais violenta do que se pensa

Mensagem por Fernando Silva »

"O Globo" 11/09/10
A guerra que criou o Brasil
Livro de Laurentino Gomes mostra que separação de Portugal foi bastante violenta

Roberta Jansen

Um dos grandes mitos perpetuados sobre a Independência do Brasil, na análise do jornalista e escritor Laurentino Gomes, é a ideia de que a separação de Portugal foi totalmente pacífica, um grande acordo político entre D.João VI, que retornara a Lisboa em 1821, e D. Pedro I, que ficara no Brasil.

No recém-lançado “1822” (Ed. Nova Fronteira), Gomes mostra que, na verdade, o processo foi muito violento.

— A ideia de que separação foi pacífica, negociada entre pai e filho, não é verdadeira — afirma Gomes. — Em Minas, Rio e São Paulo foi um processo tranquilo. Mas no Norte, no Nordeste e no Sul o pau quebrou durante um ano e oito meses. E morreu muita gente. Pelos meus cálculos, foram 5 mil mortos. Não chega perto dos 25 mil da independência americana, mas também está longe de ser pacífico.

“O mais trágico confronto da Guerra da Independência”, nas palavras de Gomes, foi a pouco conhecida Batalha do Jenipapo, travada no sertão do Piauí, entre brasileiros e portugueses em 13 de março de 1823. O resultado, diz o escritor, foi uma carnificina: 200 brasileiros mortos e 500 feitos prisioneiros. Do lado português, apenas 16 baixas.

Quem mais lutou pela separação foram os baianos. Não por acaso, como mostra Gomes no livro, a Bahia é o estado que mais comemora a Independência, com grande participação popular inclusive, coisa rara em outras regiões. E não o faz no 7 de setembro, mas, sim, no 2 de julho, data da expulsão das tropas portuguesas de Salvador, em 1823.

O livro mostra que a guerra no estado durou um ano e seis meses e envolveu 16 mil pessoas. E houve várias outras lutas regionais.

O temor de uma rebelião de escravos era latente. Em 1821 chegou a circular no Rio um alerta de que poderia se repetir no país o banho de sangue ocorrido em 1794 no Haiti.

Não tinha como ser diferente. Na época, a desigualdade social era enorme, com total concentração de renda. De cada três brasileiros, dois eram escravos, índios ou mestiços.

O analfabetismo dominava inclusive entre os ricos — só 10% da população sabiam ler. As diversas províncias viviam em total isolamento.

— Isso tudo irrompe de forma violenta, na forma de um monte de rebeliões regionais e muitas mortes — constata Gomes. — Mas como o poder tenta legitimar-se como pacificador, aglutinador, organizador, cria essa imagem de que houve um processo pacífico, muito diferente do que aconteceu.

Na avaliação de Gomes, a ideia de uma Independência pacífica, negociada, foi criada pelo novo governo.

— Acho que houve um esforço de suavizar, de mascarar as grandes tensões latentes na sociedade brasileira — afirma o escritor. — Esse Brasil que emerge das margens do Ipiranga vem de cima para baixo, de um governo autoritário, que tenta organizar a grande confusão herdada da Colônia, com províncias isoladas e rivais, pobres, analfabetos, latifúndios, concentração de riqueza, ou seja, um país com muita chance de dar errado, de cair numa guerra civil ou étnica.

Por tudo, conclui o jornalista, o Brasil era um país “improvável”. O mais natural seria que, após a Independência, se esfacelasse. E por que isso não aconteceu?
— Acho que (a união) foi o resultado de um projeto muito bem sucedido da Coroa portuguesa no Brasil, que vem desde a época da colonização — defende Gomes.

Para o escritor, é um erro achar que a herança portuguesa é de improvisação, atabalhoamento, gente degredada e desqualificada. Segundo ele, a ação foi muito bem organizada.

— Desde as Capitanias Hereditárias, toda a ação da Coroa é sempre para manter o controle (territorial), conter invasões. Depois também, com os governadores gerais e o marquês de Pombal fortificando as fronteiras e impondo a língua — afirma o jornalista, lembrando que, até meados do século XVII, a língua franca em São Paulo era o tupi-guarani.
— É a Coroa que vai impondo essa noção de identidade nacional pela administração colonial, pelas leis e pela língua.

E, após a Independência, D. Pedro I manteve a fórmula, aglutinando os interesses das elites ao distribuir privilégios e títulos de nobreza, mas intervindo com força a cada rebelião, como na Confederação do Equador, em 1824. Para Gomes, ele é um elemento de força, que impede a divisão.

— O Brasil que herdamos hoje é fruto desse projeto autoritário, de cima para baixo, de uma pequena elite que organiza todo o resto — resume.

— A República tenta alargar um pouco a base de participação, mas o que se vê é uma república com prática monárquica, de general, caudilho, ditador, sempre impondo o Estado de cima para baixo.

Somente de 25 anos para cá, estamos tentando criar um consenso.

Hoje, temos mais educação, salário, emprego, agora temos matéria-prima para construir um país.

Trancado