Entrevista com Candidato do PCO
Enviado: 15 Set 2010, 12:33
Causa Operária entrevista Rui Costa Pimenta, candidato a presidente pelo Partido da Causa Operária, sobre o caráter antidemocrático das eleições, a crise política, o debate da esquerda e as perspectivas para a próxima etapa política
15 de setembro de 2010
Causa Operária - Por que o Partido da Causa Operária colocou como uma das questões centrais da eleição a denúncia do seu caráter antidemocrático?
RCP – É absolutamente evidente que as eleições foram transformadas em uma verdadeira camisa de força para a discussão política. A eleição atual é a culminação de um longo processo de endurecimento das regras eleitorais. A cada eleição, o Legislativo e o Judiciário acrescentaram novos obstáculos em função da crise do regime político e da evolução das massas tanto para intervir na crise interna da burguesia, como para evitar o surgimento de qualquer oposição minimamente real aos partidos que são a base de sustentação do regime. Creio que chegamos a um ponto de virada na situação. As manobras tradicionais estão sendo vistas com desconfiança ou até mesmo rejeição cada vez maior por um importante setor da população que começa a se desprender politicamente tanto do bloco dirigido pelo PT como do bloco dirigido pelo PSDB, ou seja, as alas esquerda e direita do regime parlamentar. Nesse sentido, para nós não se trata simplesmente de uma denúncia, o que é de qualquer modo importante e o que fizemos em todas as eleições anteriores, mas de impulsionar uma tendência efetiva de oposição ao regime político que está se desenvolvendo de fato. A importância da denúncia, neste momento, está neste segundo fato. Acreditamos que esta seja uma forma, juntamente com várias outras questões, de promover um reagrupamento político contra o regime.
Qual a sua análise da “Ficha Limpa”?
RCP - A leia da chamada Ficha Limpa é apenas mais uma das manobras legais que, sob a cobertura do propósito de moralizar uma eleição que é um verdadeiro sistema organizado de imoralidade nos mínimos detalhes, visa a retirar o poder do eleitorado, isto é, do povo brasileiro sobre o processo eleitoral e as instituições representativas. A Lei da Ficha Limpa estabelece o princípio de que os candidatos podem e devem ser filtrados pelo poder Judiciário. Assim como os militares durante a ditadura selecionavam o que achavam que o povo poderia ler e o que não poderia ler, o Legislativo e o Judiciário, quer dizer, os partidos que dominam o regime político, acreditam que podem selecionar em quais candidatos o povo pode votar e em quais não pode, o que é aplaudido por uma parcela da classe média ofuscada por uma noção de moralidade que se colocaria acima da política, uma concepção religiosa da política. A única democracia possível, mesmo burguesa, é a da decisão popular. Como dissemos em outras oportunidades, eleição é quando o eleitor decide. De um modo geral, todas as normas e decisões visam, em última instância a subtrair o poder de decisão do eleitor e a restringir a informação. Detrás da aparência moral, aparece claramente o propósito ditatorial, antidemocrático. A campanha eleitoral brasileira, por exemplo, dura dois meses. Esta aberração é justificada com o argumento de que é preciso coibir o abuso do poder econômico. Dá-se, porém, exatamente o oposto. Em uma eleição de dois meses a predominância do poder econômico e, mais, dos meios de comunicação eletrônicos, outra face do poder econômico, é o mais completo possível. Nessas condições, a eleição transforma-se em uma farsa, em um jogo de cartas marcadas. As normas que reforçam esta situação são hoje mais de duzentas.
Por que este problema não teve o mesmo destaque nas eleições anteriores?
RCP - Por dois motivos. Por um lado, esta situação, embora firmemente estabelecida, não havia chegado ao extremo que chegou hoje. O extremo é sempre uma função da crise. Na tentativa de manter um sistema que se decompõe, a burguesia é obrigada a abusar, a tomar mais e mais medidas antidemocráticas e, com isso, entrega o jogo, como se diz. Por outro lado, e é a contrapartida desta crise, a experiência da população com as eleições não havia amadurecido para colocar o problema. Hoje, o problema, embora não seja uma compreensão generalizada, está claramente se desenvolvendo.
O que está por trás desta evolução antidemocrática?
RCP - A crise do regime que se manifesta em uma crise dos partidos burgueses. A etapa atual começa com a crise do regime militar e dos partidos que existem e dominam sob este regime, Arena e MDB. O primeiro entra em uma crise completa e é obrigado a ceder a dominação exclusiva, compartilhando-a com a oposição burguesa ao regime, organizada no MDB, atual PMDB. O governo do PMDB, no entanto, é quebrado pela luta da classe operária que realiza mais de 15 mil greves em 1985. O governo perde o controle da economia e enfrenta uma hiperinflação. A partir daí, o partido deixa de ser uma alternativa de poder do ponto de vista popular. O candidato do PMDB nas eleições de 1989 é completamente desprezado pelo eleitorado, uma catástrofe mesmo considerando que foi abandonando pelo seu partido que apoiou Collor sem fazê-lo oficialmente. Era o reconhecimento da liquidação do MDB como alternativa nacional. Collor foi um candidato avulso e de emergência, apoiado por todos os partidos burgueses contra o PT, mas sem pertencer diretamente a nenhum deles. Por detrás dele, governava a aliança PMDB-PFL. O fracasso de Collor abriu uma nova etapa. Confrontada com o PT e o movimento operário, a burguesia fantasiou-se de esquerda, usando para isso o PSDB e o sociólogo ex-esquerdista Fernando Henrique Cardoso. Detrás desta fachada, a direita não deixou de retroceder. O DEM, ex-Arena, ex-PFL, é um cadáver ambulante e o PSDB, que tomou o seu lugar entrou em colapso nesta eleição. O PMDB está no poder com Lula e, agora, com Dilma, mas não se reconstituiu como partido popular, ostentando algumas das personalidades mais rejeitadas da política nacional - o que não lhes impede de ganhar as eleições - como Sarney, Collor, Renan Calheiros, Jáder Barbalho, Orestes Quércia e outros. Fica claro que o sistema de partidos da burguesia está em uma crise sem precedentes e que esta crise vem evoluindo sem cessar. O único partido de que a burguesia dispõe com credibilidade popular, que vem se reduzindo drasticamente, é o PT, um partido que veio da esquerda e dos sindicatos. Fica claro que este sistema todo está ameaçado de colapso. O colapso eleitoral do PSDB, que deveria cumprir a função de perna direita do regime, é muito significativo. Há uma clara tendência centrífuga em todos os estes partidos em função desta crise. Se a burguesia não fortalecer ainda mais o monopólio político dos grandes partidos em crise e impedir os surgimento de novas forças de esquerda, ligadas ao movimento operário, estes partidos estão ameaçados de se decompor inclusive no terreno mais favorável para eles que é o das eleições. As restrições estão ligadas a este fato. Está claramente definido o propósito da burguesia de retirar o PCO e possivelmente os demais partidos da esquerda das eleições para fortalecer os partidos burgueses em crise e manter o seu controle sobre o regime.
Qual é o programa do PCO diante do caráter antidemocrático das eleições?
RCP - Nosso programa tem como essência permitir um maior controle do eleitorado, ou seja, do povo, dos trabalhadores sobre as eleições: liberdade total para a organização de partidos, sem quaisquer exigências draconianas, total liberdade para a propaganda eleitoral, sem limite de tempo e sem restrições de qualquer espécie, igualdade absoluta no fundo partidário e no tempo na televisão, eleições proporcionais de fato, fim do Senado, fim da urna eletrônica, juízes eleitos, fim de todas as restrições, fim de toda a censura, liberdade total de expressão na eleição etc. Nós sabemos que o regime capitalista, pela sua própria natureza econômica e classista, é incapaz de realizar eleições verdadeiramente democráticas, mas o importante é levantar um programa que, por um lado, coloque em evidência a ditadura da burguesia e, de outra, dê maior amplitude para a luta política da classe trabalhadora contra a burguesia.
A burguesia está falando em realizar uma reforma política após as eleições. Qual é o verdadeiro sentido desta reforma política?
RCP - A essência da reforma pretendida, qualquer que seja o seu disfarce pseudo democrático ou a hipocrisia moral de que se revestida é fortalecer o monopólio dos partidos burgueses, aí incluído o PT, e retirar o poder de decisão ao eleitorado, confrontando-o com um prato pronto, onde a sua possibilidade de escolha seria mínima. O ideal da burguesia seria o de constituir artificialmente, como fez a ditadura, um bi-partidarismo com dois partidos de integral confiança dos grandes capitalistas. Um dos objetivos é impedir ou obstaculizar ao máximo a constituição de um partido operário que surja como resultado necessário da crise do PT que é, hoje, o partido que, embora não sendo um partido operário, desempenha esse papel de fato sendo a representação parlamentar, embora burguesa, e sindical, embora burocrática, da classe operária, dos seus setores mais organizados antes e da grande massa de trabalhadores hoje. Esta tentativa de reforma deve ser energicamente combatida por toda a esquerda, pelas organizações operárias e pelas correntes democráticas. É preciso opor a ela uma outra plataforma, democrática e que mobilize a opinião contra essa nova República Velha que estão querendo criar.
A imprensa capitalista e representantes da burguesia alegam que os partidos que eles chamam de “nanicos” não têm audiência, são bizarros etc. O que você tem a dizer sobre isso?
RCP - A realidade é que não há nada mais bizarro, mais circense, mais rebaixado do que a participação dos chamados grandes partidos nas eleições. A tentativa de impugnar os partidos da esquerda como bizarros é ela em si mesma bizarra. Os partidos de esquerda, quaisquer que sejam os seus defeitos não são essas caricaturas de partidos que são os partidos burgueses, com seus cabos eleitorais alugados, com a sua falta de programa, de doutrina e até de políticos, porque muitos deles sequer são capazes de fazer um discurso no Congresso Nacional sem uma intensa atividade das suas assessorias. Os partidos da esquerda participam do movimento popular democrático das massas nos sindicatos e organizações da juventude estudantil com idéias e programas e são organizações sérias e atuantes que não se dedicam exclusivamente ao vale tudo da caça de votos que se vê na eleição, um verdadeiro espetáculo circense, mas sem o charme dos circos de picadeiro, uma pantomima grotesca.
Os partidos burgueses não são, na sua opinião, então, verdadeiros partidos?
RCP - Certamente que não! O Brasil tem uma tradição de não ter partidos burgueses verdadeiros. O primeiro verdadeiro partido político que existiu no Brasil foi o Partido Comunista. O primeiro partido de caráter nacional da burguesia foi a Ação Integralista Brasileira, fascista, quando a burguesia só havia criado os atrofiados PRs da República Velha, partidos estaduais, verdadeiras aberrações políticas. Os partidos burgueses no Brasil nunca tiveram uma verdadeira base popular, mas viveram do Estado e do capital. Na República Liberal, de 45 a 64, havia três grandes partidos, o PSD, partido da burocracia estatal fascistóide varguista, o PTB, partido apoiado no sindicalismo pelego e a UDN, partido apoiado pela burguesia e pelo imperialismo sem qualquer base popular. A ditadura acabou com este sistema, que entrou em crise completa, e impôs uma monstruosidade ainda maior na dupla Arena-MDB, partidos sem qualquer poder político real. Depois da ditadura, a decadência dos partidos burgueses é completa. Não têm militantes, a tal ponto que nas eleições exploram o trabalho da população desempregada e reduzida à miséria a preço vil, vivem de currais eleitorais ao estilo da República Velha, não têm programa, não têm doutrina e nem política imediata. Chegam ao extremo de colocar a própria plataforma eleitoral nas mãos de empresas de marketing que são capazes, como se viu na eleição passada, de fazer o mesmo programa para Maluf e Lula. São verdadeira caricaturas de partido e dependem inteiramente do Estado e de uma clientela estatal.
E o Partido dos Trabalhadores e o PCdoB, como se situam dentro desta análise?
RCP - O PT reuniu em um primeiro momento uma verdadeira militância política dos sindicatos e da esquerda, ainda que fosse em grande medida uma esquerda pequeno-burguesa e não operária. Mas lutou contra isso desde o primeiro momento. Uma das primeiras polêmicas dentro do PT foi se o partido deveria ou não adaptar a sua organização ao esquema de diretórios do regime militar. A posição de adaptar-se foi vitoriosa. Esta militância foi separada das organizações de massa da classe operária e, na maioria dos lugares, da própria classe operária. Após muitas lutas internas, Lula, José Dirceu e outros conseguiram transformar o PT em um partido burguês como os demais, sem militantes, sem nenhuma característica popular, exceto o fato de que vive parasitariamente de organizações de massa como a CUT e os sindicatos.
Qual a importância da proposta de um debate entre os partidos de esquerda?
RCP - O debate da esquerda é um protesto e um alerta contra o que se está tramando no interior das catacumbas da política burguesa contra o povo. Não se trata de uma mera defesa de interesses privados, mas de uma verdadeira luta de partido pelos interesses do povo, ou seja, pelos direitos democráticos de toda a população que estão sendo violentados sem nenhum pudor. Toda a esquerda, mesmo aquela que não participa das eleições, todas as organizações sérias, não burocráticas do movimento operário e estudantil devem apoiar este ato político de protesto para marcar a denúncia do que a burguesia está planejando para o regime político. Considero este debate uma importante tomada de posição da esquerda em defesa dos direitos democráticos da classe trabalhadora. Uma luta que devemos trabalhar para aprofundar na próxima etapa porque estará amplamente colocada.
Quais são as possibilidades de unidade entre estes partidos de esquerda em outros terrenos?
RCP - Apesar da animosidade de todo o período anterior, creio que se abrem novas possibilidades que correspondem às características da etapa que se abre. A base para esta unidade, na nossa opinião, deve ser justamente questões como estas que traduzem uma necessidade real das massas e um interesse real e não questões artificiais ou organizativas. Há muitas questões em que a esquerda pode se unir na próxima etapa, porque há grandes desafios para as massas. Acho, inclusive, mais ainda que a próxima etapa, com total independência do que pensam os partidos, que a próxima etapa colocará objetivamente, ou melhor, fará retornar com toda a força a questão da construção de um partido operário de massas, diante da qual toda a esquerda será chamada pela realidade a se pronunciar. Isso não quer dizer que será simples, mas exigirá uma grande compenetração política e muitas idas e vindas. No entanto, são características da etapa que se abre que não podem ser ignoradas. Será necessário fazer uma análise profunda sobre esta questão.
Por que o Psol não quer participar do debate?
RCP - O Psol tem uma característica que o diferencia do conjunto da esquerda e que o aproxima dos partidos burgueses: é um partido dominado por parlamentares e que vive, fundamentalmente, para garantir a sobrevivência desses parlamentares. Seu objetivo na eleição, não é segredo para ninguém, é eleger alguns parlamentares. Este é um objetivo primordial, diante do qual estão dispostos a sacrificar quaisquer princípios políticos que tenham. O Psol acredita que não deve, nesse sentido, se identificar com uma iniciativa da esquerda dita radical, mas cortejar os partidos burgueses. Veja-se que o candidato do Psol foi convidado para os debates na televisão e considerou isto como uma oportunidade, não para a luta política, mas para a publicidade eleitoral. Não denunciou a ausência dos demais partidos no debate e, nessa medida, somou-se à farsa eleitoral montada para enganar o povo. É importante compreender a linguagem da política. Com a sua recusa, para o bem ou para o mal, o Psol está dizendo para todos que não pertence em sentido algum à esquerda que está organizando o debate, da qual quer se diferenciar. Ao dizer isso, involuntariamente, diz também que pertence a um outro campo político. Les jeux sont faits, messieurs.
Qual a importância das eleições para o movimento de luta da classe operária, da juventude e demais movimentos de massa?
RCP - As eleições, para o movimento operário são uma campanha política, sobre a base da qual se manifesta uma contagem de forças, porque não se trata de uma mobilização de fato do movimento operário para a luta. Nesse caso, creio que, com todas as restrições, fica clara a repercussão política do nosso partido e, em geral, da esquerda, diante do retrocesso político da direita e da evolução da situação. A eleição serve como preparação para as lutas da próxima etapa.
Há quem acredite que a melhor política seria não participar das eleições. O que você tem a dizer disso diante da situação atual?
RCP - Essa posição não é apenas ingênua, uma vez que não compreende que aimportância da luta eleitoral para a classe operária não está nem exclusivamente no resultado eleitoral, eleição de um representante, nem no caráter democrático das eleições, mas na ampliação da luta política e da denúncia. Não participar seria simplesmente facilitar a fraude que a burguesia realiza contra as massas e ignorar a crise interna da burguesia e do seu regime. Por esse motivo, a posição tradicional dos marxistas, de Marx e Engels a Lênin e Trótski parte da obrigatoriedade da participação nas eleições, salvo em certas condições específica de evolução da luta das massas. Outra ingenuidade é acreditar que o voto nulo seja uma posição de contestação da eleição. O voto nulo indica apenas a falta de opção eleitoral, não a contestação da eleição. Nesse segundo caso, a posição seria o boicote às eleições, o que visivelmente não se coloca neste momento. A rejeição das eleições em nome de que são burguesas é uma característica típica do anarquismo, não do marxismo, ou seja, da política pequeno-burguesa e não proletária.
Com o objetivo de denunciar o caráter antidemocrático das eleições, oferecemos para vários grupos que não conseguiram se legalizar como partidos, a legenda para que pudessem concorrer em nome próprio, o que, curiosamente, não aceitaram. Se realizássemos um bloco eleitoral, deveríamos colocar como condição que os partidos não legalizados pudessem concorrer. É uma questão de princípio, como seria para o Psol ter reivindicando a participação de todos os partidos no debate. Omitir-se é fazer abertamente o jogo da burguesia, mesmo que involuntariamente.
O que esperar do novo governo do PT?
RCP - Certamente, nada de bom. Ao contrário, devemos esperar um ataque ainda mais duro contra as condições de vida das massas. O mais correto seria dizer que este é um governo do PMDB, que vai lançar-se ainda com maior voracidade ao saque do aparelho de estado do que se viu na era Lula. Podemos esperar reforma política antidemocrática, ataques aos direitos trabalhistas, privatizações, a dos Correios já está em marcha, e outros ataques aos trabalhadores.
Abraços,
15 de setembro de 2010
Causa Operária - Por que o Partido da Causa Operária colocou como uma das questões centrais da eleição a denúncia do seu caráter antidemocrático?
RCP – É absolutamente evidente que as eleições foram transformadas em uma verdadeira camisa de força para a discussão política. A eleição atual é a culminação de um longo processo de endurecimento das regras eleitorais. A cada eleição, o Legislativo e o Judiciário acrescentaram novos obstáculos em função da crise do regime político e da evolução das massas tanto para intervir na crise interna da burguesia, como para evitar o surgimento de qualquer oposição minimamente real aos partidos que são a base de sustentação do regime. Creio que chegamos a um ponto de virada na situação. As manobras tradicionais estão sendo vistas com desconfiança ou até mesmo rejeição cada vez maior por um importante setor da população que começa a se desprender politicamente tanto do bloco dirigido pelo PT como do bloco dirigido pelo PSDB, ou seja, as alas esquerda e direita do regime parlamentar. Nesse sentido, para nós não se trata simplesmente de uma denúncia, o que é de qualquer modo importante e o que fizemos em todas as eleições anteriores, mas de impulsionar uma tendência efetiva de oposição ao regime político que está se desenvolvendo de fato. A importância da denúncia, neste momento, está neste segundo fato. Acreditamos que esta seja uma forma, juntamente com várias outras questões, de promover um reagrupamento político contra o regime.
Qual a sua análise da “Ficha Limpa”?
RCP - A leia da chamada Ficha Limpa é apenas mais uma das manobras legais que, sob a cobertura do propósito de moralizar uma eleição que é um verdadeiro sistema organizado de imoralidade nos mínimos detalhes, visa a retirar o poder do eleitorado, isto é, do povo brasileiro sobre o processo eleitoral e as instituições representativas. A Lei da Ficha Limpa estabelece o princípio de que os candidatos podem e devem ser filtrados pelo poder Judiciário. Assim como os militares durante a ditadura selecionavam o que achavam que o povo poderia ler e o que não poderia ler, o Legislativo e o Judiciário, quer dizer, os partidos que dominam o regime político, acreditam que podem selecionar em quais candidatos o povo pode votar e em quais não pode, o que é aplaudido por uma parcela da classe média ofuscada por uma noção de moralidade que se colocaria acima da política, uma concepção religiosa da política. A única democracia possível, mesmo burguesa, é a da decisão popular. Como dissemos em outras oportunidades, eleição é quando o eleitor decide. De um modo geral, todas as normas e decisões visam, em última instância a subtrair o poder de decisão do eleitor e a restringir a informação. Detrás da aparência moral, aparece claramente o propósito ditatorial, antidemocrático. A campanha eleitoral brasileira, por exemplo, dura dois meses. Esta aberração é justificada com o argumento de que é preciso coibir o abuso do poder econômico. Dá-se, porém, exatamente o oposto. Em uma eleição de dois meses a predominância do poder econômico e, mais, dos meios de comunicação eletrônicos, outra face do poder econômico, é o mais completo possível. Nessas condições, a eleição transforma-se em uma farsa, em um jogo de cartas marcadas. As normas que reforçam esta situação são hoje mais de duzentas.
Por que este problema não teve o mesmo destaque nas eleições anteriores?
RCP - Por dois motivos. Por um lado, esta situação, embora firmemente estabelecida, não havia chegado ao extremo que chegou hoje. O extremo é sempre uma função da crise. Na tentativa de manter um sistema que se decompõe, a burguesia é obrigada a abusar, a tomar mais e mais medidas antidemocráticas e, com isso, entrega o jogo, como se diz. Por outro lado, e é a contrapartida desta crise, a experiência da população com as eleições não havia amadurecido para colocar o problema. Hoje, o problema, embora não seja uma compreensão generalizada, está claramente se desenvolvendo.
O que está por trás desta evolução antidemocrática?
RCP - A crise do regime que se manifesta em uma crise dos partidos burgueses. A etapa atual começa com a crise do regime militar e dos partidos que existem e dominam sob este regime, Arena e MDB. O primeiro entra em uma crise completa e é obrigado a ceder a dominação exclusiva, compartilhando-a com a oposição burguesa ao regime, organizada no MDB, atual PMDB. O governo do PMDB, no entanto, é quebrado pela luta da classe operária que realiza mais de 15 mil greves em 1985. O governo perde o controle da economia e enfrenta uma hiperinflação. A partir daí, o partido deixa de ser uma alternativa de poder do ponto de vista popular. O candidato do PMDB nas eleições de 1989 é completamente desprezado pelo eleitorado, uma catástrofe mesmo considerando que foi abandonando pelo seu partido que apoiou Collor sem fazê-lo oficialmente. Era o reconhecimento da liquidação do MDB como alternativa nacional. Collor foi um candidato avulso e de emergência, apoiado por todos os partidos burgueses contra o PT, mas sem pertencer diretamente a nenhum deles. Por detrás dele, governava a aliança PMDB-PFL. O fracasso de Collor abriu uma nova etapa. Confrontada com o PT e o movimento operário, a burguesia fantasiou-se de esquerda, usando para isso o PSDB e o sociólogo ex-esquerdista Fernando Henrique Cardoso. Detrás desta fachada, a direita não deixou de retroceder. O DEM, ex-Arena, ex-PFL, é um cadáver ambulante e o PSDB, que tomou o seu lugar entrou em colapso nesta eleição. O PMDB está no poder com Lula e, agora, com Dilma, mas não se reconstituiu como partido popular, ostentando algumas das personalidades mais rejeitadas da política nacional - o que não lhes impede de ganhar as eleições - como Sarney, Collor, Renan Calheiros, Jáder Barbalho, Orestes Quércia e outros. Fica claro que o sistema de partidos da burguesia está em uma crise sem precedentes e que esta crise vem evoluindo sem cessar. O único partido de que a burguesia dispõe com credibilidade popular, que vem se reduzindo drasticamente, é o PT, um partido que veio da esquerda e dos sindicatos. Fica claro que este sistema todo está ameaçado de colapso. O colapso eleitoral do PSDB, que deveria cumprir a função de perna direita do regime, é muito significativo. Há uma clara tendência centrífuga em todos os estes partidos em função desta crise. Se a burguesia não fortalecer ainda mais o monopólio político dos grandes partidos em crise e impedir os surgimento de novas forças de esquerda, ligadas ao movimento operário, estes partidos estão ameaçados de se decompor inclusive no terreno mais favorável para eles que é o das eleições. As restrições estão ligadas a este fato. Está claramente definido o propósito da burguesia de retirar o PCO e possivelmente os demais partidos da esquerda das eleições para fortalecer os partidos burgueses em crise e manter o seu controle sobre o regime.
Qual é o programa do PCO diante do caráter antidemocrático das eleições?
RCP - Nosso programa tem como essência permitir um maior controle do eleitorado, ou seja, do povo, dos trabalhadores sobre as eleições: liberdade total para a organização de partidos, sem quaisquer exigências draconianas, total liberdade para a propaganda eleitoral, sem limite de tempo e sem restrições de qualquer espécie, igualdade absoluta no fundo partidário e no tempo na televisão, eleições proporcionais de fato, fim do Senado, fim da urna eletrônica, juízes eleitos, fim de todas as restrições, fim de toda a censura, liberdade total de expressão na eleição etc. Nós sabemos que o regime capitalista, pela sua própria natureza econômica e classista, é incapaz de realizar eleições verdadeiramente democráticas, mas o importante é levantar um programa que, por um lado, coloque em evidência a ditadura da burguesia e, de outra, dê maior amplitude para a luta política da classe trabalhadora contra a burguesia.
A burguesia está falando em realizar uma reforma política após as eleições. Qual é o verdadeiro sentido desta reforma política?
RCP - A essência da reforma pretendida, qualquer que seja o seu disfarce pseudo democrático ou a hipocrisia moral de que se revestida é fortalecer o monopólio dos partidos burgueses, aí incluído o PT, e retirar o poder de decisão ao eleitorado, confrontando-o com um prato pronto, onde a sua possibilidade de escolha seria mínima. O ideal da burguesia seria o de constituir artificialmente, como fez a ditadura, um bi-partidarismo com dois partidos de integral confiança dos grandes capitalistas. Um dos objetivos é impedir ou obstaculizar ao máximo a constituição de um partido operário que surja como resultado necessário da crise do PT que é, hoje, o partido que, embora não sendo um partido operário, desempenha esse papel de fato sendo a representação parlamentar, embora burguesa, e sindical, embora burocrática, da classe operária, dos seus setores mais organizados antes e da grande massa de trabalhadores hoje. Esta tentativa de reforma deve ser energicamente combatida por toda a esquerda, pelas organizações operárias e pelas correntes democráticas. É preciso opor a ela uma outra plataforma, democrática e que mobilize a opinião contra essa nova República Velha que estão querendo criar.
A imprensa capitalista e representantes da burguesia alegam que os partidos que eles chamam de “nanicos” não têm audiência, são bizarros etc. O que você tem a dizer sobre isso?
RCP - A realidade é que não há nada mais bizarro, mais circense, mais rebaixado do que a participação dos chamados grandes partidos nas eleições. A tentativa de impugnar os partidos da esquerda como bizarros é ela em si mesma bizarra. Os partidos de esquerda, quaisquer que sejam os seus defeitos não são essas caricaturas de partidos que são os partidos burgueses, com seus cabos eleitorais alugados, com a sua falta de programa, de doutrina e até de políticos, porque muitos deles sequer são capazes de fazer um discurso no Congresso Nacional sem uma intensa atividade das suas assessorias. Os partidos da esquerda participam do movimento popular democrático das massas nos sindicatos e organizações da juventude estudantil com idéias e programas e são organizações sérias e atuantes que não se dedicam exclusivamente ao vale tudo da caça de votos que se vê na eleição, um verdadeiro espetáculo circense, mas sem o charme dos circos de picadeiro, uma pantomima grotesca.
Os partidos burgueses não são, na sua opinião, então, verdadeiros partidos?
RCP - Certamente que não! O Brasil tem uma tradição de não ter partidos burgueses verdadeiros. O primeiro verdadeiro partido político que existiu no Brasil foi o Partido Comunista. O primeiro partido de caráter nacional da burguesia foi a Ação Integralista Brasileira, fascista, quando a burguesia só havia criado os atrofiados PRs da República Velha, partidos estaduais, verdadeiras aberrações políticas. Os partidos burgueses no Brasil nunca tiveram uma verdadeira base popular, mas viveram do Estado e do capital. Na República Liberal, de 45 a 64, havia três grandes partidos, o PSD, partido da burocracia estatal fascistóide varguista, o PTB, partido apoiado no sindicalismo pelego e a UDN, partido apoiado pela burguesia e pelo imperialismo sem qualquer base popular. A ditadura acabou com este sistema, que entrou em crise completa, e impôs uma monstruosidade ainda maior na dupla Arena-MDB, partidos sem qualquer poder político real. Depois da ditadura, a decadência dos partidos burgueses é completa. Não têm militantes, a tal ponto que nas eleições exploram o trabalho da população desempregada e reduzida à miséria a preço vil, vivem de currais eleitorais ao estilo da República Velha, não têm programa, não têm doutrina e nem política imediata. Chegam ao extremo de colocar a própria plataforma eleitoral nas mãos de empresas de marketing que são capazes, como se viu na eleição passada, de fazer o mesmo programa para Maluf e Lula. São verdadeira caricaturas de partido e dependem inteiramente do Estado e de uma clientela estatal.
E o Partido dos Trabalhadores e o PCdoB, como se situam dentro desta análise?
RCP - O PT reuniu em um primeiro momento uma verdadeira militância política dos sindicatos e da esquerda, ainda que fosse em grande medida uma esquerda pequeno-burguesa e não operária. Mas lutou contra isso desde o primeiro momento. Uma das primeiras polêmicas dentro do PT foi se o partido deveria ou não adaptar a sua organização ao esquema de diretórios do regime militar. A posição de adaptar-se foi vitoriosa. Esta militância foi separada das organizações de massa da classe operária e, na maioria dos lugares, da própria classe operária. Após muitas lutas internas, Lula, José Dirceu e outros conseguiram transformar o PT em um partido burguês como os demais, sem militantes, sem nenhuma característica popular, exceto o fato de que vive parasitariamente de organizações de massa como a CUT e os sindicatos.
Qual a importância da proposta de um debate entre os partidos de esquerda?
RCP - O debate da esquerda é um protesto e um alerta contra o que se está tramando no interior das catacumbas da política burguesa contra o povo. Não se trata de uma mera defesa de interesses privados, mas de uma verdadeira luta de partido pelos interesses do povo, ou seja, pelos direitos democráticos de toda a população que estão sendo violentados sem nenhum pudor. Toda a esquerda, mesmo aquela que não participa das eleições, todas as organizações sérias, não burocráticas do movimento operário e estudantil devem apoiar este ato político de protesto para marcar a denúncia do que a burguesia está planejando para o regime político. Considero este debate uma importante tomada de posição da esquerda em defesa dos direitos democráticos da classe trabalhadora. Uma luta que devemos trabalhar para aprofundar na próxima etapa porque estará amplamente colocada.
Quais são as possibilidades de unidade entre estes partidos de esquerda em outros terrenos?
RCP - Apesar da animosidade de todo o período anterior, creio que se abrem novas possibilidades que correspondem às características da etapa que se abre. A base para esta unidade, na nossa opinião, deve ser justamente questões como estas que traduzem uma necessidade real das massas e um interesse real e não questões artificiais ou organizativas. Há muitas questões em que a esquerda pode se unir na próxima etapa, porque há grandes desafios para as massas. Acho, inclusive, mais ainda que a próxima etapa, com total independência do que pensam os partidos, que a próxima etapa colocará objetivamente, ou melhor, fará retornar com toda a força a questão da construção de um partido operário de massas, diante da qual toda a esquerda será chamada pela realidade a se pronunciar. Isso não quer dizer que será simples, mas exigirá uma grande compenetração política e muitas idas e vindas. No entanto, são características da etapa que se abre que não podem ser ignoradas. Será necessário fazer uma análise profunda sobre esta questão.
Por que o Psol não quer participar do debate?
RCP - O Psol tem uma característica que o diferencia do conjunto da esquerda e que o aproxima dos partidos burgueses: é um partido dominado por parlamentares e que vive, fundamentalmente, para garantir a sobrevivência desses parlamentares. Seu objetivo na eleição, não é segredo para ninguém, é eleger alguns parlamentares. Este é um objetivo primordial, diante do qual estão dispostos a sacrificar quaisquer princípios políticos que tenham. O Psol acredita que não deve, nesse sentido, se identificar com uma iniciativa da esquerda dita radical, mas cortejar os partidos burgueses. Veja-se que o candidato do Psol foi convidado para os debates na televisão e considerou isto como uma oportunidade, não para a luta política, mas para a publicidade eleitoral. Não denunciou a ausência dos demais partidos no debate e, nessa medida, somou-se à farsa eleitoral montada para enganar o povo. É importante compreender a linguagem da política. Com a sua recusa, para o bem ou para o mal, o Psol está dizendo para todos que não pertence em sentido algum à esquerda que está organizando o debate, da qual quer se diferenciar. Ao dizer isso, involuntariamente, diz também que pertence a um outro campo político. Les jeux sont faits, messieurs.
Qual a importância das eleições para o movimento de luta da classe operária, da juventude e demais movimentos de massa?
RCP - As eleições, para o movimento operário são uma campanha política, sobre a base da qual se manifesta uma contagem de forças, porque não se trata de uma mobilização de fato do movimento operário para a luta. Nesse caso, creio que, com todas as restrições, fica clara a repercussão política do nosso partido e, em geral, da esquerda, diante do retrocesso político da direita e da evolução da situação. A eleição serve como preparação para as lutas da próxima etapa.
Há quem acredite que a melhor política seria não participar das eleições. O que você tem a dizer disso diante da situação atual?
RCP - Essa posição não é apenas ingênua, uma vez que não compreende que aimportância da luta eleitoral para a classe operária não está nem exclusivamente no resultado eleitoral, eleição de um representante, nem no caráter democrático das eleições, mas na ampliação da luta política e da denúncia. Não participar seria simplesmente facilitar a fraude que a burguesia realiza contra as massas e ignorar a crise interna da burguesia e do seu regime. Por esse motivo, a posição tradicional dos marxistas, de Marx e Engels a Lênin e Trótski parte da obrigatoriedade da participação nas eleições, salvo em certas condições específica de evolução da luta das massas. Outra ingenuidade é acreditar que o voto nulo seja uma posição de contestação da eleição. O voto nulo indica apenas a falta de opção eleitoral, não a contestação da eleição. Nesse segundo caso, a posição seria o boicote às eleições, o que visivelmente não se coloca neste momento. A rejeição das eleições em nome de que são burguesas é uma característica típica do anarquismo, não do marxismo, ou seja, da política pequeno-burguesa e não proletária.
Com o objetivo de denunciar o caráter antidemocrático das eleições, oferecemos para vários grupos que não conseguiram se legalizar como partidos, a legenda para que pudessem concorrer em nome próprio, o que, curiosamente, não aceitaram. Se realizássemos um bloco eleitoral, deveríamos colocar como condição que os partidos não legalizados pudessem concorrer. É uma questão de princípio, como seria para o Psol ter reivindicando a participação de todos os partidos no debate. Omitir-se é fazer abertamente o jogo da burguesia, mesmo que involuntariamente.
O que esperar do novo governo do PT?
RCP - Certamente, nada de bom. Ao contrário, devemos esperar um ataque ainda mais duro contra as condições de vida das massas. O mais correto seria dizer que este é um governo do PMDB, que vai lançar-se ainda com maior voracidade ao saque do aparelho de estado do que se viu na era Lula. Podemos esperar reforma política antidemocrática, ataques aos direitos trabalhistas, privatizações, a dos Correios já está em marcha, e outros ataques aos trabalhadores.
Abraços,