Nicolelis: “Einstein não seria pesquisador A1 do CNPq”

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Anna
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Nicolelis: “Einstein não seria pesquisador A1 do CNPq”

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Nicolelis: “Einstein não seria pesquisador A1 do CNPq”

Integração entre cérebro e máquinas vai influenciar evolução

Para Nicolelis, corpo não vai mais limitar ação da mente sobre o mundo. Pesquisador também comenta os desafios impostos à ciência no País pela burocracia e desorganização

Alexandre Gonçalves, de O Estado de S. Paulo, via Plano Brasil

Miguel Nicolelis é um dos pesquisadores brasileiros de maior prestígio. Pioneiro nos estudos sobre interface cérebro-máquina, suas descobertas aparecem na lista das dez tecnologias que devem mudar o mundo, divulgada em 2001 pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês). Em 2009, tornou-se o primeiro brasileiro a merecer uma capa da Science. Na quarta-feira, foi nomeado membro da Pontifícia Academia de Ciências, no Vaticano. Ao Estado, Nicolelis falou sobre o impacto da neurociência no futuro da humanidade. Criticou de forma contundente a gestão científica no País, especialmente em São Paulo. Também questionou os critérios – marcadamente políticos – que teriam norteado a escolha do ministro da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante.

Para onde a neurociência deve nos levar nos próximos anos?

No curto prazo, penso que as principais aplicações serão na medicina com novos métodos de reabilitação neurológica, para tratar condições como paralisia. No médio, chegarão as aplicações computacionais. Nossa relação com as máquinas será completamente diferente: não usaremos mais teclados, monitores, mouse… o computador convencional deixará de existir. Vamos submergir em sistemas virtuais e nos comunicaremos diretamente com eles.

No longo prazo, o corpo deixará de ser o fator limitante da nossa ação no mundo. Nossa mente poderá atuar com máquinas que estão à distância e operar dispositivos de proporções nanométricas ou gigantescas: de uma nave espacial a uma ferramenta que penetra no espaço entre duas células para corrigir um defeito. E, no longuíssimo prazo, a evolução humana vai se acelerar. Nosso cérebro roubará um pouco o controle que os genes têm hoje. Daqui a três meses, publicarei um livro em que comento estes temas.

O que você chama de curto, médio, longo e longuíssimo prazo?

Curto prazo são os próximos anos. Médio prazo, nas próximas duas décadas. Longo prazo, no próximo século. Longuíssimo prazo, alguns milhares de anos.

Como andam suas linhas de pesquisa na medicina?

Estamos avançando rapidamente no exoesqueleto (um dispositivo que dá sustentação ao corpo de uma pessoa paralisada e é capaz de mover-se obedecendo ao controle da mente). Está sendo desenvolvido na Alemanha. Para o treinamento dos pacientes, construímos salas virtuais onde pessoas paralisadas terão sua atividade cerebral registrada de forma não-invasiva por magneto-encefalógrafos. Vamos ver se elas aprendem a controlar com o pensamento os movimentos de um corpo virtual – um avatar que simula o exoesqueleto. Com uma pessoa tetraplégica será mais fácil, pois é justificável o uso de métodos invasivos como implantar os eletrodos dois milímetros e meio dentro do cérebro. As descobertas vitais já foram feitas. Nosso drama agora é engenharia e conseguir recursos para pagar um projeto que é o equivalente, na neurociência, a uma viagem à Lua.

Outra linha de pesquisa importante em medicina é Parkinson. No ano passado, publicamos um trabalho na Science. Estimulamos com eletricidade a medula espinhal de ratos com Parkinson e conseguimos reverter o congelamento motor característico da doença. Há um milhão de fibras na medula espinhal que sobem para o cérebro. Mandamos uma descarga de alta frequência que chega aos centros motores profundos do cérebro e faz com que eles saiam da sincronia absoluta característica da doença, pois estão todos disparando impulsos nervosos ao mesmo tempo, de um modo semelhante ao que ocorre em uma crise epiléptica. O sinal elétrico tem um efeito caótico que quebra a crise.

Também temos resultados preliminares em macacos obtidos aqui em Natal. Infelizmente, o Hospital Sírio-Libanês não quer continuar a parceria com nosso instituto. Por isso, procuramos outro hospital de grande porte, público ou privado, onde possamos realizar os testes clínicos, talvez já no próximo ano. Gostaria muito de marcar que a tradução dessa pesquisa para a prática clínica aconteceu aqui no Brasil, pois acredito que a Medicina brasileira é a melhor do mundo. Estou propondo uma nova teoria que vai provavelmente acabar com minha carreira (risos). Acredito que não há distinção entre doenças neurológicas e psiquiátricas: todas elas são doenças temporais, relacionadas ao tempo dos neurônios, ou seja, variantes epilépticas. A única doença do cérebro que existe realmente seria uma epilepsia. Já publicamos três trabalhos este ano com modelos de doenças ditas psiquiátricas e, em todas, encontramos uma assinatura temporal que permite classificá-las como distúrbios do tempo, epilépticos. A ideia surgiu quando vi os registros eletrofisiológicos de ratos com Parkinson e eles lembraram muito os registros de uma crise epiléptica central que conheci quando era estudante.

No médio prazo, ainda precisaremos dos nossos sentidos para dialogar com sistemas computacionais?

Em breve, vamos publicar um trabalho descrevendo o envio do sinal de uma máquina diretamente ao tecido neural de um animal, sem mediação dos sentidos: na prática, criamos um sexto sentido. Vai ser uma novidade explosiva, mas não posso dar mais detalhes, pois o artigo ainda não foi publicado. A internet como conhecemos vai desaparecer. Teremos uma verdadeira rede cerebral. A comunicação não será mediada pela linguagem, que deixará de ser o principal canal de comunicação. Para entender isso, basta pensar que toda linguagem é um comportamento motor – como mexer o braço. Esse comportamento motor também poderá ser decodificado e transmitido. Grandes empresas – como Google, Intel, Microsoft – já tem suas divisões de interface cérebro-máquina.

Quais as implicações antropológicas e sociológicas no longo prazo?

Talvez o primeiro impacto será descobrir que somos todos muito parecidos: as pretensas diferenças entre grupos de seres humanos vão se reduzir pois todos perceberão que somos iguais. Costumo dizer que será a verdadeira libertação da mente do corpo, porque será ela quem determinará nosso alcance e potencial de ação na natureza. O corpo permanecerá para manter a mente viva, mas não precisará atuar fisicamente. Nossa mente cria as ferramentas e as absorve como extensão do nosso corpo. Agora, a mente vai controlar diretamente as ferramentas. O que definimos como ser mudará drasticamente no próximo século.

De que modo a evolução poderá ser influenciada pelo cérebro?

O processo de seleção natural vai agir de uma forma muito mais rápida. Em um mundo onde as pessoas terão de atuar com a atenção dividida entre múltiplas ferramentas, os atributos evolucionais necessários para sobreviver mudam. A mente que consegue controlar vários processos de forma eficaz tem uma vantagem evolucional sobre as outras. Há uma base genética para essa facilidade. À medida que gente com essa vantagem se reproduz mais que os outros, ocorre seleção. Várias pessoas – como os biólogos evolucionistas Richard Dawkins e Stephen Jay Gould – previram que o cérebro passaria a ter um papel mais fundamental na evolução. Mas creio que estamos acelerando este papel. Os neandertais acordaram um dia e encontraram o Homo sapiens jogando bola na esquina da casa deles. Um dia, um sujeito pode acordar e se dar conta de que ele já não pertence mais à espécie dos pais. Mas estamos falando de milênios aqui.

Sua abordagem para criar uma interface cérebro-maquina foi listada pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês) como uma das dez tecnologias que vão mudar o mundo. Como ela surgiu?

Nós – eu e o neurocientista John Chapin – elaboramos um experimento para contestar a doutrina neuronal dominante no século 20 – que rendeu vários prêmios Nobel. Esta teoria estabelecia o neurônio como unidade funcional do sistema nervoso. Nós provamos que a unidade funcional é uma população de células. Um neurônio isolado – que sozinho constitui, de fato, uma unidade anatômica e computacional – não consegue reunir informação suficiente para gerar comportamento, principal função do cérebro. No fim da década de 80, tivemos a ideia de ligar um cérebro de rato a um robô para mostrar que mesmo o neurônio mais fenomenal não gera movimento. Mas, quando registrávamos populações de cinquenta neurônios – mesmo escolhendo-os de forma aleatória -, o animal conseguia movimentar o braço mecânico como se fosse o seu próprio. Não esperávamos um impacto tão grande. Construímos o primeiro centro de neuroengenharia do mundo na Universidade Duke. Agora, qualquer oficina de fundo de quintal nos Estados Unidos tem um centro de neuroengenharia. Há uma explosão de iniciativas no mundo inteiro: Japão, Suíça, Brasil…

Quais os principais desafios para aprimorar essa tecnologia?

Conseguimos registrar hoje cerca de 600 neurônios. Nos próximos dois anos, vamos chegar a 60 mil graças a uma inovadora tecnologia de eletrodos tridimensionais. De qualquer forma, é um método invasivo, o que restringe seu uso. Ninguém vai inserir eletrodos no cérebro para brincar com jogos na internet. Precisamos descobrir técnicas não-invasivas, mas que tenham a mesma resolução para registrar os neurônios.

O que é “registrar neurônios”?

Colocamos eletrodos no cérebro e registramos a atividade elétrica dos neurônios. Se você colocar os dados obtidos pelos eletrodos em uma tela de computador, não vai entender nada. É como olhar um programa binário de computador. Há uma mensagem codificada ali, mas com um código que está mudando continuamente, pois o cérebro é um sistema auto-adaptativo: cada vez que você faz alguma coisa, ele muda. Precisávamos descobrir um modo de extrair a informação motora dessas salvas de eletricidade que são, na realidade, padrões espaço-temporais que variam com o tempo. De início, parecia ruído… em boa medida, porque é mesmo ruído Poisson, como costumamos chamar. Mas percebemos que, com métodos de regressão linear, conseguíamos obter a informação. A partir daí, deixamos o próprio cérebro atuar como nosso computador: ele resolvia o sistema de equações lineares e encontrava um equilíbrio ótimo que aproveitávamos para estabelecer a interface.

O que você acha da política científica brasileira?

Está ultrapassada. Principalmente, a gestão científica. Foi por isso que eu escrevi o Manifesto da Ciência Tropical (PS do Viomundo: publicado primeiro aqui mesmo, neste espaço). O mais importante nós temos: o talento humano. Mas ele é rapidamente sufocado por normas absurdas dentro das universidades. Não podemos mais fazer pesquisa de forma amadora. Devemos ter uma carreira para pesquisadores em tempo integral e oferecer um suporte administrativo profissional aos cientistas.

Visitei um dos melhores institutos de física do País, na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), e o pessoal não tem suporte nenhum. Se um americano do Instituto de Física da Universidade Duke visitar os pesquisadores brasileiros, não vai acreditar. Eles tomam conta do auditório, fazem os cheques e compram as coisas, porque não é permitido ter gestores científicos com formação específica para este trabalho. Nós preferimos tirar cientistas que despontaram da academia. Aqui no Brasil há a cultura de que, subindo na carreira científica, o último passo de glória é virar um administrador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) ou da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). É uma tragédia. Esses caras não tem formação para administrar nada. Nem a casa deles. Não temos quadros de gestores. A gente gasta muito dinheiro e presta muita atenção em besteira e não investe naquilo que é fundamental.

Qual é a diferença nos mecanismos de financiamento e gestão científica nos EUA e no Brasil?

O investimento privado e público americano – sem contar os gastos do Pentágono que, em parte, são sigilosos – é equiparável: cerca de US$ 250 bilhões anuais cada um (o equivalente a R$ 425 bilhões). Eles também enfrentam o problema de que as empresas privadas não costumam investir em pesquisa pura, meio de cultura de onde saem as ideias aplicadas. Contudo, o governo não investe só em universidades. Ele também coloca dinheiro em empresas e em institutos de pesquisa privados. Este é o segredo.

No Brasil, a grande maioria dos mecanismos públicos de financiamento está voltado para universidades públicas. Sendo assim, você não contrata cientistas e técnicos para um projeto, pois depende dos quadros da universidade. Mas esses quadros estão dando 300 horas de aula por semestre. Não dá para competir com um chinês que está em Berkeley pesquisando o dia inteiro e recebendo milhões de dólares para contratar quem ele quiser. Como fazer ciência sem gente?

Na realidade, os americanos não contam com pessoas mais capazes lá. O que eles têm de diferente é um número muito maior de pesquisadores, processos eficientes, gestão científica profissional – a melhor jamais inventada – e dinheiro. Nos Estados Unidos, sou visto como um pequeno empreendedor. Recebo dinheiro do governo americano e uma parcela menor de investimento privado. Tenho assim uma “padaria” que faz ciência: posso contratar o padeiro, o faxineiro e a atendente de acordo com as necessidades do projeto. Esse empreendedorismo não é permitido pelas leis brasileiras. As mesmas regras que regem o gasto de quaisquer dez mil réis que um cientista ganha do governo federal servem para controlar licitações de centenas de milhões de reais para a construção de estradas, hidrelétricas…

Achar que um cientista vai desviar dinheiro para fazer fortuna pessoal é absurdo. O processo de financiamento deve ser mais aberto, com mecanismos simples de auditoria. Além disso, deveria ser mais fácil importar insumos e, com o tempo, precisaríamos atrair empresas para produzi-los aqui. É um absurdo ver anticorpos apodrecerem no aeroporto de Guarulhos por causa da burocracia. Alguém no topo da pirâmide – o presidente da República ou o ministro da Ciência e Tecnologia – precisa dizer: “Chega. Acabou a brincadeira.”

É um desperdício gigantesco de talento e de dinheiro. A China está recuperando pesquisadores que emigraram para os EUA oferecendo condições de trabalho ainda melhores que as americanas. Milhares de brasileiros voltariam ao Brasil se tivessem melhores condições para trabalhar. Mas o sujeito vem para uma universidade federal e é obrigado a dar 300 horas de aula por semestre. Perdemos o talento. Além disso, ele conquista a estabilidade de forma quase automática. Que motivação vai ter para crescer? Há talentos, mas os processos são medievais. E o cientista brasileiro tem muito receito de bater de frente com as autoridades para reivindicar o que ele realmente precisa.

Quanto o Brasil deveria investir em ciência?

O Brasil precisa investir de 4% a 5% do seu Produto Interno Bruto (PIB) em ciência e tecnologia para encarar a China, a Índia, a Rússia, os Estados Unidos, a Coreia do Sul… esses são os jogadores com quem devemos nos equiparar. É o mesmo porcentual que já investimos em educação. É essencial realizar os dois investimentos: por um lado, para formar gente e iniciar a revolução educacional que o País precisa; por outro, para usar o potencial intelectual dessas pessoas na produção de algo para o País. Atualmente, investimos 1,3% do PIB. No Japão, é quase 4%. Isso explica muita coisa.

Você afirmou diversas vezes que a ciência precisa ser democratizada no País.

Sem dúvida. É uma atividade extremamente elitizada. Não temos a penetração popular adequada nas universidades. Quantos doutores são índios ou negros? A ciência deve ir ao encontro da sociedade brasileira. Essa foi uma das razões que me motivaram a escrever o manifesto. Até bem pouco tempo, a ciência era uma atividade da aristocracia brasileira. Há 30 ou 40 anos só a classe mais alta tinha acesso à universidade. Não precisavam de financiamento porque tinham dinheiro próprio.

Hoje, nós precisamos de cientista que joga futebol na praia de Boa Viagem. Precisamos do moleque que está na escola pública. As crianças precisam ter acesso à educação científica, à iniciação científica. O que também implica uma democratização na distribuição de oportunidades e recursos em todo o País. Estamos trabalhando com 21 crianças da periferia de Natal. Elas nem mesmo entraram no ensino médio e já estão sendo incorporadas às linhas de produção de ciência do nosso instituto. Quatro participaram de um projeto piloto em que aprenderam a usar ressonância nuclear magnética de bancada para medir o volume de óleo nas sementes do pinhão-manso do semi-árido nordestino. E classificaram as diferentes sementes de acordo com a quantidade de óleo. Duvido que exista algum técnico na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) melhor do que essas crianças.

Não precisamos mais de caciques. Precisamos de índios. Devemos investir na massificação dos talentos. Esses moleques vão decidir o que vai ser a nossa ciência. Se chega um jovem muito talentoso que quer investigar besouro, devemos responder: “Está bom, filho. Vai pesquisar besouro.” Eu não investiria em tópicos, em áreas específicas. Eu investiria primordialmente em gente. Porque se você investir em pessoas talentosas, elas encontrarão nichos em que o Brasil terá benefícios tremendos. Nós temos uma das maiores olimpíadas de matemática do mundo, o que comprova que nosso talento matemático é enorme. Mas não dá frutos porque faltam caminhos, oportunidades, veículos…

Acreditamos que devemos escolher o melhor menino. Mas e os outros cem mil que quase ganharam? Precisam de incentivo para continuar. Por isso, eu proponho o bolsa-ciência. É um bolsa-família para garoto que tem talento científico. Não precisa ser gênio. Estou fazendo isso com esses 21 meninos. Os quatro garotos do pinhão-manso recebem mais dinheiro do que o pai e a mãe: uma bolsa de R$ 520 paga por doadores privados. Precisamos investir no caos que é o sistema nervoso. Desta forma, encontraremos caminhos imprevistos, surpresas agradáveis.

Como avaliar mérito na academia?

Nós publicamos mais do que a Suíça. Mas o impacto da ciência suíça é muito maior. Basta ver o número de prêmios Nobel lá. E eles têm apenas cinco milhões de habitantes. Na academia brasileira, as recompensas dependem do que eu chamo de “índice gravitacional de publicação”: quanto mais pesado o currículo, melhor. Ou seja, o cientista precisa colecionar o maior número de publicações – sem importar tanto seu conteúdo. Não pode ser assim. O mérito tem de ser julgado pelo impacto nacional ou internacional de uma pesquisa. Não podemos dizer: quem publica mais, leva o bolo. Porque aí o sujeito começa a publicar em qualquer revista. Não é difícil. A publicação científica é um negócio como qualquer outro. Mesmo se você considerar as revistas de maior impacto. Também não adianta criar e usar um índice numérico de citações (que mede o número de citações dos artigos de um determinado cientista).

Talento não está no número de citações: é imponderável. Meu departamento na Universidade Duke nunca pediu meu índice de citação. Também nunca calculei. Quando sai do Brasil, achei que estava deixando um mundo de lordes da ciência. Fui perguntando nome por nome lá fora. Ninguém conhecia. Ninguém sabia quem era. Críamos uma bolha provinciana que deve ser estourada agora se o Brasil quer dar um salto quântico. Mas as pessoas têm receio de falar com medo de perder o financiamento. Há outras formas de medir o impacto científico: ver o que cara está fazendo e consultar a opinião de pessoas que importam no mundo, dos líderes de cada área. Sob este ponto de vista, o impacto da ciência brasileira é muito baixo. E precisamos dizer isso sem medo. Não dá para esconder o sol com a peneira.

Quando decidem criar um Instituto Nacional (de Ciência e Tecnologia), em vez de dividir o dinheiro entre 30 ou 40 pesquisadores promissores, preferem pulverizar o dinheiro entre 120 cientistas, muitos deles com propostas que não vão chegar a lugar nenhum. Cada um recebe um R$ 1 milhão, uma quantia considerável na opinião de muita gente mas que não paga nem a conta de luz de um projeto bem feito. Não podemos ter receio de selecionar os melhores. Você precisa escolher os bons jogadores, não os pernas-de-pau. Outra coisa: só o Brasil ainda admite cientista por concurso público. Cientista tem de ser admitido por mérito, por julgamento de pares, por entrevista, por compromisso, por plano de trabalho.

Como você se vê na Academia?

Sou um pária. Não tenho o menor receio de falar isso. Sou tolerado. Ninguém chega para mim de frente e fala qualquer coisa. Mas, nos bastidores, é inacreditável a sabotagem de que fomos vítimas aqui em Natal nos últimos oito anos. Mas sobrevivemos. O Brasil é uma obsessão para mim. Há muita gente que não faz e não quer que ninguém faça, pois o status quo está bem. Tenho excelentes amigos na academia do País, respeito profundamente a ciência brasileira. Sou cria de um dos fundadores da neurociência no Brasil, o professor César Timo-Iaria, e neto científico de um prêmio Nobel argentino – Bernardo Alberto Houssay.

Por isso, foi uma triste surpresa os anticorpos que senti quando eu voltei. Algumas pessoas ficaram ofendidas porque não fiz o beija-mão pedindo permissão para fazer ciência na periferia de Natal. Este ano, na avaliação dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs), tivemos um dos melhores pareceres técnicos da área de biomedicina. E o nosso orçamento foi misteriosamente cortado em 75%. Pedi R$ 7 milhões. Recebemos R$ 1,5 milhão.

Operamos com um sexto do nosso orçamento. As pessoas têm medo de abrir a boca, porque você é engolido pelos pares. Então, eu fico imaginando um pesquisador que volta para o Brasil depois de estudar lá fora. De qualquer forma, o pessoal precisa entender que voltar para o Brasil é assumir um tipo especial de compromisso. Não é ir para Harvard, Yale… Você deve estar disposto a dar seu quinhão para o País porque ele ainda está em construção. Nem tudo vai funcionar como a gente quer. Vejo muita gente egoísta voltando para o Brasil. Os jovens precisam olhar menos para o umbigo e mais para a sociedade.

Qual é o futuro dos jovens pesquisadores no País?

Atualmente, eles têm uma dificuldade tremenda de conseguir dinheiro porque não são pesquisadores 1A do CNPq. Você precisa ser um cardeal da academia para conseguir dinheiro e sobressair. Com um físico da UFPE, cheguei à conclusão de que Albert Einstein não seria pesquisador 1A do CNPq, porque ele não preenche todos os pré-requisitos – número de orientandos de mestrado, de doutorado…

Se Einstein não poderia estar no topo, há algo errado. Minha esperança é que o futuro ministro ataque isso de frente pois, até agora, ninguém teve coragem de bater de frente com o establishment da ciência brasileira. Ninguém teve coragem de chegar lá e dizer: “Chega! Não é assim! A ciência não está devolvendo ao povo brasileiro o investimento do povo na ciência.” Os cientistas brilhantes jovens não têm acesso às benesses que os grandes cardeais – pesquisadores A1 do CNPq – têm, muitos deles sem ter feito muita coisa que valha.

Além disso, veja a situação do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CCT, que assessora o presidente da República nas decisões relacionadas à política científica). O presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC) – agora, um grande matemático – me perdoe, mas ele não deveria ter cadeira cativa nesse conselho. O Brasil deveria ter um conselho de gente que está fazendo ciência mundo afora. E não pessoas que ocupam cargos burocráticos em associações de classe. Deveria ser gente com impacto no mundo. E pessoas jovens com a cabeça aberta. Mas as pessoas têm muita dificuldade de quebrar esses rituais.

Para entender a que me refiro, basta participar de reuniões científicas e acompanhar a composição de uma mesa. Não há nada semelhante em lugar nenhum do mundo: perder três minutos anunciando autoridades e nomeando quem está na mesa. É coisa de cartório português da Idade Média. Cientista é um cidadão comum. Ele não tem de fazer toda essa firula para apresentar o que está fazendo. É um desperdício de energia, uma pompa completamente desnecessária. Muitas vezes, os pesquisadores jovens não podem abrir a boca diante dos cientistas mais velhos. Eu ouço isso em todo o Brasil.

No meu departamento nos Estados Unidos, sou professor titular há quase doze anos. Minha voz não vale mais que a de qualquer outro que acabou de chegar. Qualquer um pode me interpelar a qualquer momento. Qualquer um pode reclamar de qualquer coisa. Qualquer um pode fazer qualquer pergunta. E ninguém me chama de professor Nicolelis. Meu nome lá é Miguel. Por quê? Porque o cientista é algo comum na sociedade. O meu estado (a Carolina do Norte) possui uma das maiores densidades de PhD na população dos EUA. Se você se comportar como um pavão lá, vai se dar mal. Todo mundo tem pelo menos um PhD.

Aqui, precisamos colocar a molecada da periferia de Natal, de Rio Branco e de Macapá na ABC, por mérito. Às vezes, parece que existe uma igreja chamada Ciência no País. Se você não é um membro certificado, ela é impenetrável. Minhas críticas não são pessoais. Quero que o Brasil seja uma potência científica para o bem da humanidade. As pessoas precisam ver que a juventude científica brasileira está de mãos atadas. Precisamos libertar este povo. Já estou no terço final da minha carreira científica. O que me resta é ajudar essa molecada a fazer o melhor.

Você tem uma opinião bastante crítica sobre a política científica no País. Mas, na eleição, manifestou apoio publicamente à Dilma. Por quê?

Porque a outra opção era trágica. Basta olhar para o Estado de São Paulo: para a educação, a saúde e as universidades públicas. Não preciso falar mais nada. Eu adoro a USP, onde me formei. Mas a liderança que temos hoje na USP é terrível. O reitor da USP (João Grandino Rodas) é uma pessoa de pouca visão. Não chega nem perto da tradição das pessoas que passaram por aquele lugar. São Paulo acabou de perder um investimento de 150 milhões de francos suíços (cerca de R$ 270 milhões) porque o reitor da USP não tinha tempo para receber a delegação de mais alto nível já enviada pelo governo suíço ao Brasil. Mandaram o pró-reitor de pesquisa da universidade (Marco Antônio Zago) fazer uma apresentação para eles. Ninguém agradeceu a visita. Manifestei oficialmente ao professor Zago minha indignação como ex-aluno da USP.

Um dos integrantes da delegação suíça doou um super-computador de US$ 20 milhões de dólares (cerca de R$ 34 milhões) para nosso instituto em Natal. Chegou na semana passada e será um dos mais velozes do Brasil. Não pagamos um centavo. Não há mais espaço para provincianismo na ciência mundial. Nas reuniões que eu presenciei com comitês e comissões de outros países, a tônica da Fapesp sempre foi assim: “Fora de São Paulo não existe ciência que valha a pena investir”. Esse tipo de coisa é muito mal visto pelos estrangeiros. Não há mais lugar para regionalismo, preconceito… É ótimo para São Paulo ser responsável por 70% da produção científica do País, mas é muito ruim para o País, que precisa democratizar o acesso à ciência. Não adianta dizer em reuniões com emissários internacionais que São Paulo tem uma “relação amistosa” com o Brasil, este outro País fora das fronteiras do Estado. Este bairrismo não ajuda em nada.

A Fapesp é uma jóia, um ícone nacional, reconhecida no mundo inteiro. Mas isso não quer dizer que as últimas administrações foram boas. Temos de ser críticos. Esta última administração, em especial, foi muito ruim. A Fapesp está perdendo importância. Veja só: a Science (no artigo publicado há algumas semanas sobre a ciência no Brasil) não dedicou uma linha à Fapesp. Que surpresas você vê saindo da ciência de São Paulo? Acho que a matéria da Science foi uma boa chamada para acordar, para sair dos louros, descer do salto alto e ver o que podemos fazer com os R$ 500 milhões anuais da Fapesp. Ah, se eu tivesse um orçamento assim! Temos muito menos e posso dizer para o diretor-científico da Fapesp (Carlos Henrique de Brito Cruz) que nós saímos na Science. E ele tem condição de investir nos melhores centros de pesquisa do País.

Como você avalia o governo Lula?

Apoiei e apoio incondicionalmente o presidente Lula porque vivemos hoje o melhor momento da história do País. A proposta global de inclusão do governo Lula – e espero que será a mesma com a Dilma – é aquela que eu acredito. Contudo, os detalhes devem ser corrigidos. Admiro profundamente o ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende. Tivemos grandes avanços como a criação dos INCTs e dos fundos setoriais. Mas o ministro não enfrentou a estrutura.

Talvez não pudesse… por não ter condições práticas ou por fazer parte dela, por ter crescido nela. Em oito anos, nunca fui chamado para dar uma opinião no MCT ou para apresentar os resultados do projeto de Natal. Sei que outros cientistas, melhores do que eu, também não foram chamados. É curioso. Mas fui chamado pelo Ministério da Educação. O ministro (Fernando Haddad) é o melhor já tivemos na história da República. Ele criou a infraestrutura que será lembrada daqui a 50 anos como a reviravolta da educação brasileira. Com o Haddad eu consigo conversar e nossa parceria está dando resultados.

O que você achou da escolha de Aloizio Mercadante para o MCT?

Estou curioso para saber qual é o currículo dele para gestão científica. Fiquei surpreso com a indicação, mas não o conheço. Não tenho a mínima ideia do seu grau de competência. Mas não fica bem para a ciência brasileira – um ministério tão importante – virar prêmio de consolação para quem perdeu a eleição. Não é uma boa mensagem. Mas talvez seja bom que o futuro ministro não seja um cientista de bancada, alguém ligado à comunidade científica. Assim, se ele tiver determinação política, poderá quebrar os vícios.

O primeiro ministro da Ciência e Tecnologia (Renato Archer, que permaneceu no cargo de 1985 a 1987) não era cientista e foi talvez um dos melhores gestores que já tivemos. Ele tinha consciência de que seu ministério era estratégico. O MCT estabelece parcerias e tem impacto na ação de outros ministérios: Educação, Saúde, Indústria e Comércio, Relações Exteriores, Agricultura, Meio Ambiente… Hoje, boa parte do orçamento do ministério não é nem executado. As agências de financiamento não têm uma rotina de chamadas. Não podemos continuar como está.

http://www.viomundo.com.br/voce-escreve ... dores.html
Cérebro é uma coisa maravilhosa. Todos deveriam ter um.

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Reid
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Re: Nicolelis: “Einstein não seria pesquisador A1 do CNPq”

Mensagem por Reid »

Muitíssimo interessante :emoticon1:

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Fernando Silva
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Re: Nicolelis: “Einstein não seria pesquisador A1 do CNPq”

Mensagem por Fernando Silva »

Eu gostaria de me conectar ao computador por ligação direta. Seria bom para a minha tendinite.
Claro que teria que haver uma barreira para que o computador não me controlasse de volta.

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Fenrir
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Re: Nicolelis: “Einstein não seria pesquisador A1 do CNPq”

Mensagem por Fenrir »

É triste, mas sei por um conhecido, que a física da USP esta cheia destes pavões.
Ele me disse que enquanto voce não tiver pelo menos um doutorado, você é um nada, um zero. Ele mesmo só obteve algum respeito depois de conseguir o título.
Esta parte de se preocupar com citações e numero de artigos publicados, deixando o conteudo em segundo plano tambem é verdadeira, nas palavras dele e por alguns artigos ruins que já vi no arxiv.org com autoria ou co-autoria de figuras conhecidas e respeitadas no meio.
"Man is the measure of all gods"
(Fenrígoras, o sofista pós-socrático)

"The things are what they are and are not what they are not"
(Fenrígoras, o sofista pós-socrático)

"As mentes mentem"
(Fenrir, o mentiroso)

The_Forsaken
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Re: Nicolelis: “Einstein não seria pesquisador A1 do CNPq”

Mensagem por The_Forsaken »

É triste, mas é a verdade. Reflete o que eu, de certa forma, vejo dentro da iniciação científica: a burocracia, a falta de pessoal, a mania de colecionar publicações (embora não sejam todos os pesquisadores que façam isso) etc...

Por isso, eu proponho o bolsa-ciência. É um bolsa-família para garoto que tem talento científico.


Já pensei nisso também. Até porque tenho amigos que nem cogitam a carreira científica justamente pela... falta de dinheiro.

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Anna
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Re: Nicolelis: “Einstein não seria pesquisador A1 do CNPq”

Mensagem por Anna »

Em relação a política e gestão científica brasileira, bem como o amadorismo e relação medieval que está cristalizada na estrutura institucional, de gestores e leis brasileiras, não há uma palavra dita pelo Nicolelis que não seja a mais pura verdade.

se a coisa não mudar a gente não sai do lugar. Não há como competir com pesquisadores estrangeiros que jamais tocam nessas burocras e quilos de trabalhos administrativos que são impostos aos pesquisadores em Universidades e Institutos brasileiros. Um jovem pesquisador, recém admitido em uma universidade ou instituto, já pode se prepapar para colocar sua carreira e produção na geladeira até que termine seu estágio probatório, quando terá a chance de começar a negar algumas coisas que lhe serão demandadas.

Outro grande absurdo mesmo é a contratação feita através de concurso público com provas. Nenhum pesquisador sério estrangeiro acredita quando contamos nossa forma de aquisição de novos talentos. A reação de um deles foi "O que o Brasil pretende com isso? Se afundar?"

A crítica direcionada aos jovens cientistas procede perfeitamente, o Brasil penaliza o cientista jovem, numa atitude tradicionalista que cabia na academia da idade média, os jovens tem que ficar debaixo da asa dos velhos cientistas, e jamais conseguem financiamento, ou tem a possibilidade de testar suas próprias idéias e seguir sua linha de pesquisa com independência. O que acontece é um aperda inestimável dos melhores anos desses pesquisadores, quando acabam de sair do doutorado e estão cheios de energia e idéias novas prontas a serem executadas e corrigidas com eficiência.

Tenho um colega de minha idade que é pesquisador em Harvard e logo após a defesa de seu doutorado (que foi realizado direto, sem a necessidade do mestrado antes) ele foi contratado por Harvard (sem tenure, ou seja, seu emprego não era fixo, era um contrato que precisa ser renovado, e ele pode não ser renovado), teve financiamento aprovado pra seu projeto através da NSF (numa disputa extremamente competitiva entre os melhores cientistas dos states na área, e onde apenas 6 projetos são financiados, mas com montantes muito altos), com pouco mais de 30 anos Gonzalo já era uma das maiores referências em nossa área, com inumeras publicações de impacto na science e nature. Não demorou muito mais de dois anos seguintes pra ele se transformar em uma das mais reconhecidas referências mundiais em estudos evolutivos de invertebrados e hoje seu nome consta nos principais livros e compedios de Zoologia usados em todas as universidades do mundo.

O mesmo Jamais, veja bem, JAMAIS acontece no Brasil, se acontece ainda não conheci um sequer. Grandes referências no Brasil chegam nesse ponto quando já estão olhando de frente para aposentadoria.
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Anna
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Re: Nicolelis: “Einstein não seria pesquisador A1 do CNPq”

Mensagem por Anna »

Fenrir escreveu:É triste, mas sei por um conhecido, que a física da USP esta cheia destes pavões.
Ele me disse que enquanto voce não tiver pelo menos um doutorado, você é um nada, um zero. Ele mesmo só obteve algum respeito depois de conseguir o título.
Esta parte de se preocupar com citações e numero de artigos publicados, deixando o conteudo em segundo plano tambem é verdadeira, nas palavras dele e por alguns artigos ruins que já vi no arxiv.org com autoria ou co-autoria de figuras conhecidas e respeitadas no meio.


A coleção de artigos se transformou em uma forma de status entre pesquisadores, e mais preocupante e grave, se transformou nisso em função da pressão das agências de fomento e dos critérios de avaliação das instituições responsáveis pela gerência científica no Brasil. Até mesmo para pontuar currículos em disputas por vagas, grants, prêmios. O problema é que os pesquisadores deixaram de realizar e publicar estudos de longo prazo e grande impacto e fragmentam sua produção, muitas vezes buscando atalhos e publicações menores e mais rápidas para encher o currículo e continuarem no jogo.

O pior disso tudo é que as agências estão cientes do problema, mas não mudam. Isso é discutido desde que eu iniciei na pesquisa quando era um feto no segundo ano de graduação. Já estou no segundo pós-doc e nenhum mínimo sinal de mudança.

Como iremos competir com Gonzalos da vida dessa forma e aspirar que nossos jovens talentos chegem as páginas da nature e science, e solidifiquem carreiras com projeção internacional de grande impacto? Não vai rolar nunca se continuarmos empolados, arrogantes, cheios de si, mas agindo como amadores.
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Re: Nicolelis: “Einstein não seria pesquisador A1 do CNPq”

Mensagem por Márcio »

Meu filho está ingressando nessa seara. Passou na UFRN para fazer Ciências Biológicas e depois tentar algo mais específico em pesquisas.
Mostrei-lhe o artigo sobre o Nicolelis, meu filho ficou meio frustrado com o jeito que a ciência é tratada (destratada) no Brasil.
Eu estou muito orgulhoso dele, mas, espero que o caminho lhe seja menos doloroso possível e que não se decepcione em demasia.
Que os deuses o ajudem!
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'' O homem sábio molda a sí mesmo, os tolos só vivem para morrer.'' (O Messias de Duna - F.Herbert)

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Re: Nicolelis: “Einstein não seria pesquisador A1 do CNPq”

Mensagem por Anna »

Márcio escreveu:Meu filho está ingressando nessa seara. Passou na UFRN para fazer Ciências Biológicas e depois tentar algo mais específico em pesquisas.
Mostrei-lhe o artigo sobre o Nicolelis, meu filho ficou meio frustrado com o jeito que a ciência é tratada (destratada) no Brasil.
Eu estou muito orgulhoso dele, mas, espero que o caminho lhe seja menos doloroso possível e que não se decepcione em demasia.
Que os deuses o ajudem!


Eu não diria que a ciência é destratada no Brasil, felizmente já passamos dessa fase. A ciência é reconhecida, mas o Brasil sofre de sérias mazelas e engessos burocráticos e uma mania de manter certos tradicionalismos que não tem cabimento e retém nosso avanço. Como disse o Nicolelis resolver o problema é mais simples do que parece, mas alguém nas esferas administrativas vai ter que bater de frente e realizar a reforma.
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Re: Nicolelis: “Einstein não seria pesquisador A1 do CNPq”

Mensagem por Apo »

Estudar nas Federais ( as melhores inclusive) está se transformando em mais um circo dos milhares que o Brasil cria e/ou transforma. É tudo uma piada de mau gosto.
Minha filha está cursando Direito na Federal. Os professores não dão aula, os alunos desistem de frequentar ( estudam quase por autodidatismo, que muitos acham que seja um caminho que amadurece e independiza, enfim...) e mesmo assim ainda se luta muito por uma vaga pública. Onde vamos parar?

Este negócio das fontes a serem citadas nos trabalhos é como aquele tempo em que fazer um Currículum Vitae de 50 páginas fazia o cara parecer o melhor candidato a uma vaga de assistente. Muito triste. Ainda bem que há professores e empregadores que não caem mais nesta.
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The_Forsaken
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Re: Nicolelis: “Einstein não seria pesquisador A1 do CNPq”

Mensagem por The_Forsaken »

Apo escreveu:Estudar nas Federais ( as melhores inclusive) está se transformando em mais um circo dos milhares que o Brasil cria e/ou transforma. É tudo uma piada de mau gosto.
Minha filha está cursando Direito na Federal. Os professores não dão aula, os alunos desistem de frequentar ( estudam quase por autodidatismo, que muitos acham que seja um caminho que amadurece e independiza, enfim...) e mesmo assim ainda se luta muito por uma vaga pública. Onde vamos parar?


Eu faço Engenharia Elétrica em uma federal do Rio Grande do Sul, e os mesmos problemas existem. O autodidatismo acaba sendo um mal necessário se o aluno quer aprender (e não simplesmente decorar a matéria para ir bem no exame - e ainda tenho professores que cobram decoreba!), visto que tenho professores que não dão aula: ou lêem mecanicamente de slides, ou copiam aulas de livros (e com erros)...

Sem falar nos diversos outros problemas do curso e da universidade: bibliotecas obsoletas, laboratórios idem, falta infra-estrutura...

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Re: Nicolelis: “Einstein não seria pesquisador A1 do CNPq”

Mensagem por Apo »

The_Forsaken escreveu:
Apo escreveu:Estudar nas Federais ( as melhores inclusive) está se transformando em mais um circo dos milhares que o Brasil cria e/ou transforma. É tudo uma piada de mau gosto.
Minha filha está cursando Direito na Federal. Os professores não dão aula, os alunos desistem de frequentar ( estudam quase por autodidatismo, que muitos acham que seja um caminho que amadurece e independiza, enfim...) e mesmo assim ainda se luta muito por uma vaga pública. Onde vamos parar?


Eu faço Engenharia Elétrica em uma federal do Rio Grande do Sul, e os mesmos problemas existem. O autodidatismo acaba sendo um mal necessário se o aluno quer aprender (e não simplesmente decorar a matéria para ir bem no exame - e ainda tenho professores que cobram decoreba!), visto que tenho professores que não dão aula: ou lêem mecanicamente de slides, ou copiam aulas de livros (e com erros)...


Pois é. Mas penso que nem 8 e nem 800. Acho que existem os dois lados da troca. Meu marido dá aula em Faculdade particular e não falta nunca, além de trocar muitas experiências profissionais com os alunos. Claro que ele pega pesado no conteúdo e nas avaliações. A parte de autodidatismo fica por conta da pesquisa e trabalho individual, onde cada aluno precisa ir atrás do plus que faz a diferença para o seu próprio crescimento. O professor e o aluno sabem bem a diferença entre a mediocridade e o esforço. Saem ambos ganhando. Pelo menos eu penso assim. Quando fiz meus 2 pós há uns 12 anos, senti que alguns professores estavam a me mostrar coisas que eu jamais veria em livros apenas. Há coisas que não estão escritas simplesmente. Os professores que não davam aula ou só mandavam ler textos e fazer resumos me deixavam com a sensação de que eu estava pagando para nada. Até porque alguns textos contêm equívocos, qualidade duvidosa, etc... Mas isto é do perfil de cada um. Não que eu aprecie aulas expositivas, longe disto.

Sem falar nos diversos outros problemas do curso e da universidade: bibliotecas obsoletas, laboratórios idem, falta infra-estrutura...


Isto faz parte da destruição de nossa estrutura toda de ensino. Começaram pelos níveis fundamental e médio. E agora é a vez de sucatear o ensino superior.
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Anna
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Re: Nicolelis: “Einstein não seria pesquisador A1 do CNPq”

Mensagem por Anna »

The_Forsaken escreveu:
Apo escreveu:Estudar nas Federais ( as melhores inclusive) está se transformando em mais um circo dos milhares que o Brasil cria e/ou transforma. É tudo uma piada de mau gosto.
Minha filha está cursando Direito na Federal. Os professores não dão aula, os alunos desistem de frequentar ( estudam quase por autodidatismo, que muitos acham que seja um caminho que amadurece e independiza, enfim...) e mesmo assim ainda se luta muito por uma vaga pública. Onde vamos parar?


Eu faço Engenharia Elétrica em uma federal do Rio Grande do Sul, e os mesmos problemas existem. O autodidatismo acaba sendo um mal necessário se o aluno quer aprender (e não simplesmente decorar a matéria para ir bem no exame - e ainda tenho professores que cobram decoreba!), visto que tenho professores que não dão aula: ou lêem mecanicamente de slides, ou copiam aulas de livros (e com erros)...


Isso ocorre porque um professor precisa ser formado, assim como um cientista, requer treinamento adequado, e nenhum curso de Ciências do terceiro grau faz esse tipo de coisa. Há duas ou três disciplinas ligadas à educação que são pavorosas e extremamente obsoletas (povoam o minha memória como os piores momentos de tortura em sala de aula nos meus 37 anos de discente), após esse horror parte-se do princípio que aquelas criaturas estão aptas a dar aula para ensino fundamental, médio, e para graduação quando conseguirem seus mestrados e doutorados.

Outra coisa, a maioria dos cientistas quer ser cientista, e não professor, ele não entrou na faculdade de ciências, encarou o mestrado, e depois o doutorado sonhando em se afundar em sala de aula dando 300 horas aulas pra graduação, ele sonhou em pesquisar. A maioria dos cientistas não é muito bom com didática, raras são excessões, e o melhor com eles é sentar em uma sala expositória e ficar batendo papo informal com os livros, e artigos de interesse, que já foram previamente lidos pelos alunos. Então é preciso rever urgentemente o que desejamos nesse país. E talvez aproveitar talentos de acordo com suas aptidões seja um bom caminho. Na minha turma de graduação não me lembro de um que tenha entrado querendo ser professor. Como não há mercado de trabalho para ciência, e se transformar em cientista requer muito empenho e consessões ou um pai rico, foi em professor de ensino médio e fundamental que muitos se transformaram. Se são bons professores já não sei.

:emoticon26:

Sem falar nos diversos outros problemas do curso e da universidade: bibliotecas obsoletas, laboratórios idem, falta infra-estrutura...

Esses são problemas intrinsecos de educação no país, e fogem do escopo da gestão e desenvolvimento da ciência.
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Trancado