O que é conservadorismo?

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O que é conservadorismo?

Mensagem por user f.k.a. Cabeção »


O conservador se define por sua postura de humildade do saber, pela atitude de que quanto maior seu conhecimento sobre as coisas, maior seu conhecimento sobre sua própria ignorância e melhor sua avaliação dos riscos envolvidos na arrogância reformista.

O conservador social ou político é aquele que entende que o conhecimento está distribuído na sociedade de forma bastante esparsa, e que instituições complexas emergem permitindo a comunicação desse conhecimento entre agentes sem que os próprios agentes as compreendam integralmente. Que o expediente aparentemente sensato de questionar todos os valores e instituições estabelecidos antes de proceder num julgamento ou decisão é na verdade uma armadilha intelectual perigosa, uma vez que alguém se tornaria o maior de todos os escolásticos do mundo antes de entender uma fração minúscula das instituições das quais ele se serve para, digamos, comprar um sanduíche numa padaria.

Partamos de um exemplo um tanto prosaico: embora praticamente todos se sirvam de regras gramaticais e aritiméticas, pouquíssimas são as pessoas que compreendem detalhadamente a origem e funcionamento destas estruturas simbólicas e seus mecanismos lógicos, semióticos e linguísticos. Essas regras não foram desenhadas por sábios e impostas sobre todos em seguida, mas foram sendo criadas de forma difusa por diversos usuários desses instrumentos de comunicação, até formarem estruturas ordenadas grandes e relativamente estáveis, reconhecíveis e distinguíveis através de nomes como “alemão” e “tuaregue”, “álgebra de Boole” e “aritimética cardinal transfinita”.

A coisa fica ainda mais obscura quando entramos em temas como ordem jurídica, moral e econômica, onde até mesmo os especialistas não conseguem entrar num acordo, embora praticamente todos reconheçam que de alguma forma, a ordem social existe e a informação é comunicada. Essas estruturas apresentam um grau variado de convergência e coerência interna e externa como as instituições dos mercados financeiros mundiais, da justiça civil Romano-germânica e da justiça comum inglesa, das leis e costumes de cada cultura, e sua complexidade é substancialmente maior do que a das estruturas linguísticas formais.

Conservadores não rejeitam a mudança, conservadores rejeitam a noção de revolução.

Revolução é um desses termos com uma variedade enorme de escopos e contextos, e em virtude disso, extremamente propenso a falsas analogias, ambiguidades e abusos.

O processo de Revolução em política consiste no ato de, por meio de ação organizada e violenta, desintegrar ou desestabilizar instituições estabelecidas no intuito de substitui-las por instituições superiores segundo alguma hierarquia moral calcada num ideal futurista de sociedade.

Assim revoluções destroem o know how acumulado nas instituições, e em geral são extremamente nocivas a civilização. Ainda assim revoluções são extremamente sedutoras, pois elas sugerem uma ilusão de conhecimento e moralidade superior, de ruptura com o atraso e de adiantamento do futuro ideal.

Em períodos de estabilidade institucional prolongada, onde pessoas começam a tomar a civilização como algo dado e indestrutível, idéias de plasticidade ou descartabilidade institucional encontram grande popularidade. O espírito revolucionário se manifesta na sua forma progressista, um tanto mais branda que sua forma rebelde, mas que bebe da mesma fonte de ignorância arrogante e presume-se igualmente conhecedor da moralidade do amanhã.

Nem progressistas nem rebeldes tencionam o caos, porque de alguma forma na sua mente ordem e civilização podem ser separadas facilmente das instituições que as possibilitam, e eles acreditam portanto que podem destruir instituições sem com isso reduzir a civilização à barbarie.

A atitude comum do progressista é a de ironizar as ressalvas conservadoras a respeito da necessidade de proteger instituições de assaltos sistemáticos, recorrendo a exigências que o conservador prove suas supostas alegações de que a civilização poderá ruir caso tal ou tal instituição seja eliminada. Mas é justamente por reconhecer que este conhecimento está além do alcance de mentes limitadas que o conservador assume uma atitude reticente com relação a propostas inovadoras radicais. O que o esquerdista demanda é basicamente a armadilha identificada acima, de justificar todas as instituições antes de empregá-las, o que é impraticável e em última análise puro nonsense.

O papel do conservador é chamar a atenção para esse tipo de fenômeno de dissonância cognitiva, e organizar-se de maneira a desmontar esses programas de sabotagem involuntária. É denunciar essa tentativa de inverter o ônus da prova empreendida por progressistas em toda a sua desonestidade intelectual. Sem um movimento conservador respeitável, o progressismo pode atingir a massa crítica e gerar a metástase institucional que já pôs fim a diversas civilizações, e o Ocidente não está imune.
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Re: O que é conservadorismo?

Mensagem por Acauan »

Cabeção,

Só um toque.
Assumir a autodenominação da Esquerda como "progressista" é um tiro no próprio pé, como foi para os mencheviques ao aceitarem que seus opositores se denominassem "a maioria", mesmo não o sendo.

Entendo claramente que o progresso não é sempre ou necessariamente bom e que "progressismo" nada mais é que o culto ao sequenciamento da modernidade contemporânea, tomada como mais alto grau de referência para tudo, por conta apenas de expectativas de futuro idealizadas.

Mesmo assim, é mais adequado politicamente usar a expressão "autodenominados progressistas", para deixar claro que se refere a "partidários de uma ideologia do progresso", cujos avanços que pregam ignoram os perigos do passo a frente quando se está à beira do abismo.
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Re: O que é conservadorismo?

Mensagem por user f.k.a. Cabeção »



Essa é uma boa ressalva e consistente com a idéia de que a grande dificuldade desse debate está mais no nível linguístico/lexical do que no nível conceitual.

E isso não apenas com as criativas auto-descrições lisongeiras que esquerdistas costumam de tempos em tempos adotar (ou sequestrar, como no caso de “liberal” nos EUA), quando as antigas descrições caem em eventual descrédito. Acredito que o próprio termo conservador usado por direitistas, embora seja relativamente preciso, tenha sido uma “escolha” infeliz.

Conservadorismo é uma atitude que pode ser aplicada a diferentes dimensões decisionais além da política. Conservadorismo em geral está associado a uma aversão a riscos conhecidos ou desconhecidos, um viés pelo que já foi testado e é seguro no lugar de novidades sobre as quais pouco se sabe. Em geral o conservadorismo não inspira muita celebração, e personalidades mais conservadoras não costumam ser muito carismáticas e populares.

De uma certa forma, esse cluster mental negativo em torno do termo conservador cria uma espécie de reação espasmódica quando ele é evocado no contexto político. Pessoas que não gostam de personalidades conservadoras acabam por extrapolação lexical não gostando de atitudes políticas conservadoras, e acabam tentando se dissociar dessa imagem. Mesmo F.A. Hayek, que nos meus termos é talvez o maior de todos os conservadores, escreveu um artigo sobre porque ele não era um “conservador”. (embora no caso, ele se referi-se sobretudo ao Partido Conservador do Reino Unido)

Mas não há essencialmente nada que sugira que um conservador político social tenha que se comportar de maneira igualmente conservadora em outros aspectos de sua vida. A escolha entre um perfil conservador e um perfil, digamos, ousado ou radical, depende apenas de sua percepção acerca dos riscos e benefícios aos quais ele vai se expor ou expor outras pessoas.

Eu prefiro que as estimativas do piloto de meu avião acerca do combustível necessário para o voo sejam ligeiramente conservadoras. O risco de acidente devido a pane seca é mais relevante do que a possibilidade de lucrar com uma economia pequena de combustível. Além disso, esse é um risco que ele impõe sobre outras pessoas.

Quanto ao técnico do meu time, pode valer a pena ser mais arrojado e trocar o zagueiro pelo atacante, se o time estiver perdendo. O risco de perder de goleada é menos relevante do que a possibilidade de empatar ou virar o jogo. E o dano produzido numa derrota é sobretudo absorvido pelo técnico, mais do que qualquer outra pessoa.


No caso da política, eu prefiro meus políticos os menos assanhados possível. Tendo em vista o quanto eles entendem daquilo que eles pretendem modificar, eu não tenho expectativas de que eles se saiam melhor do que uma criança de 5 anos operando uma mesa de controle de uma usina nuclear.
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Re: O que é conservadorismo?

Mensagem por Engineer »

Este é um cenário que nem em meus sonhos mais pitorescos eu ousaria antever: Cabeção conservador.

Desde que frequento o REV e o Realidade, antes mesmo de conhecer o conteúdo de um texto essas linhas azuis já me advertiam que este provavelmente estaria achincalhando o estado e exaltando as virtudes da anarquia.

Sei lá, acho que estou ficando velho!

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Re: O que é conservadorismo?

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Bem, uma coisa não necessariamente anula a outra, mas isso vai ficar para outra hora.
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Edson Jr
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Re: O que é conservadorismo?

Mensagem por Edson Jr »

Cabeção é Capricorniano (o signo mais conservador do Zodíaco). Gostei dos textos. Diria que concordo 80%.
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Re: O que é conservadorismo?

Mensagem por Apo »

Conservador = humilde?

Eu ein...preciso rever TODOS os meus conceitos.
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Edson Jr
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Re: O que é conservadorismo?

Mensagem por Edson Jr »

Apo escreveu:Conservador = humilde?

Eu ein...preciso rever TODOS os meus conceitos.


Essa correlação realmente não tem nada a ver.

Conservador está mais para teimosia, falta de criatividade e medo do novo, apesar dessas coisas serem importantes para manter a sociedade com um mínimo de ordem. Se houvessem somente conservadores no mundo a vida seria chata pra caralho. Fato!

No geral, o texto é bacana, pois é preciso haver os dispostos em manter a coisa do jeito que está, valorizando a tradição e cultura. Só faltou também valorizar a importante da existência de forças contrárias, pois é no conflito dessas forças que a civilização evolui sem o perigo da estagnação (conservadores) ou do caos (não-conservadores).
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Re: O que é conservadorismo?

Mensagem por Apo »

O que vai nas profundezas do conservador pode ser uma emaranhado de coisas, mas geralmente de humilde eles não têm muito. São arrogantes, preconceituosos, prepotentes, cheios de falácias batidas e nem não o braço a torcer que é por medo ou incapacidade mesmo de assimilar e viver alguma mudança.

Revolucionários podem ser arrogantes e prepotentes também. Tanto o conservador como o revolucionário bebem da mesma fonte: certezas absolutas baseadas em verdades inalienáveis, segundo eles, suas teses, intenções e perspectivas. Um porque precisa dar continuidade ao status quo a que se agarra como uma criança despreparada ( "in statu quo ante bellum" - manter-se como antes da guerra, pressupondo que qualquer mudança seria uma batalha com perdas irreparáveis e só ). O outro porque precisa mudá-lo, através da revolução/guerra, doa a quem doer.

A questão toda está em conceituar ambos os sujeitos, dentro de seus tipos de inércia próprios. E por fim, autonomear-se como um dos dois, o que pode resultar numa linha onde ambos se vêem nos extremos opostos, mas bem poderiam estar perto do ponto de equilíbrio.

Eu me considero conservadora e revolucionária ao mesmo tempo. Pelas mesmas razões.
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Re: O que é conservadorismo?

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Ah e sim...a humildade é uma cobrinha de duas cabeças.
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Acauan
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Re: O que é conservadorismo?

Mensagem por Acauan »

Edson Jr escreveu:
Apo escreveu:Conservador = humilde?


Essa correlação realmente não tem nada a ver. Conservador está mais para teimosia, falta de criatividade e medo do novo, apesar dessas coisas serem importantes para manter a sociedade com um mínimo de ordem. Se houvessem somente conservadores no mundo a vida seria chata pra caralho. Fato!


Este é estereótipo que a Esquerda tenta impor sobre o que seria um conservador.

Conservadorismo não - e nem pode ser - o culto à estagnação, mesmo porque a própria manutenção do status quo exige mudanças permanentes, como dito na célebre frase "é preciso que as coisas mudem para que fiquem sempre as mesmas."

Só que conservadorismo nem sequer é manutenção do status quo.
Basicamente, conservadorismo é a crença de que alguns valores são atemporais - reconhecimento do indivíduo humano como centro e objetivo da sociedade, liberdade e autodeterminação do indivíduo e consequente responsabilidade individual por seus atos, família, civismo, patriotismo e tradicionalismo.

As sociedades podem e devem mudar, mas os conservadores acreditam que estes valores devem ser preservados.
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Re: O que é conservadorismo?

Mensagem por Apo »

Depende de como se vê o conservadorismo. E de como o conservador se vê. Certos conservadores são atrasados, inertes, retrógrados, prepotentes e arrogantes em seus valores pela manutenção, sim, do status quo QUE ELE CONSIDERA ADEQUADOS A SEUS VALORES ( que ele não reconhece como retrógrados). Mas estes conservadores jamais admitem que sejam assim. Usam de um corolário de falácias para validar e extremopor ( boa palavra, neologismo meu ) a posição daqueles que querem mudar qualquer pecinha do jogo de lugar.
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Re: O que é conservadorismo?

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Conservar = preservar = manter = ficar parado
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Re: O que é conservadorismo?

Mensagem por user f.k.a. Cabeção »


Sobre conservadorismo e anarquia.

Anarquismo é outro conceito para o qual diversos aprioris existem e cuja imagem convencional as vezes acaba sendo bastante distorsiva.

Muito dos argumentos que me são dirigidos consistem em críticas a uma imagem convencional de conservador ou de anarquista que de fato são incompatíveis, mas as quais eu nunca tentei defender.

Porque eu não sou um “anarquista convencional”, assim como eu também não sou um “conservador convencional”. Apenas o fato de eu me considerar simultaneamente ambos já é prova o bastante dessa afirmativa. Mas não-convencional não significa necessariamente inconsistente, e eu vou tentar explicar o que eu pretendo por isso.

Como eu havia dito antes, meu conservadorismo consiste na minha atitude moderada e respeitosa com relação a instituições que eu confesso pouco entender e que eu percebo afetarem muitas outras pessoas além de mim. Eu apenas acho que pessoas deveriam ter mais cuidado quando falam de instituições como se fossem estruturas simplesmente irracionais a serem terraplainadas pelo trator reformista.

Mas o vago termo instituições é outra fonte de confusão. Algumas vezes as pessoas misturam instituições abstratas e os diferentes indivíduos e organizações concretas que delas se ocupam de alguma forma. Assim, a educação se torna a “escola pública”, a moeda e os preços se tornam o “banco central”, a justiça se torna o “juiz e os tribunais estaduais e federais”, a ordem se torna o “policial e as forças de segurança estatal”, a lei se torna o “legislador e o congresso”. Mas quando eu falo de moeda, educação, justiça, ordem e lei eu falo de coisas muito mais abrangentes e gerais do que os tramites existentes nessas divisões da corporação estatal. Essas estruturas são muito mais complexas do que aparentam e nenhuma hierarquia burocrática poderia lidar com problemas dessa dimensão.

Eu não percebo o Estado como uma instituição fundamental, mas como uma organização dedicada a gestão de certos assuntos institucionais. E dentro dessa perspectiva é que eu pretendo julgar a eficácia dessa forma de divisão do trabalho em comparação com outras possibilidades existentes.

Eu já discuti algumas dessas possibilidades existentes aqui, com exemplos mais ou menos prosaicos e já em funcionamento, mas que em geral passam despercebidos ao senso comum. Minha intenção não era a exaustão de opções, afinal, eu creio que estas sejam potencialmente infinitas, mas apenas sugerir e ilustrar um novo ponto de vista para esse problema.

A conclusão que eu costumo chegar é a de que os orgãos estatais não existem por sua necessidade lógica, mas pela generalizada ignorância e obscurantismo acerca de como instituições emergem e são mantidas.

Apesar de todos esses orgãos terem um impacto sobre a forma como essas instituições são percebidas e utilizadas, eles não são nem a essência nem a origem dessas instituições. Eles são o resultado indireto da existência dessas instituições dentro de uma situação onde as pessoas creem na mitologia estatista.

Essa mitologia determina que a origem das instituições é o Estado, e que este é também o principal responsável por sua estabilidade e funcionamento.

Assim como em outras épocas diversas dessas instituições eram associadas parcial ou completamente a Igreja, já que naquele contexto a mitologia mais proeminente era a de que essas instituições eram criações divinas e deviam ser tuteladas pelos represantes legítimos de Deus na Terra.

Eu não sou cristão. Eu não acredito no misticismo abraamico, ou em qualquer forma pessoal de divindade. Eu não creio que as tábuas dos dez mandamentos foram literalmente escritas com fogo por Jeová. Mas isso não quer dizer que eu discorde do valor sagrado desses mandamentos, ou que eu os considere equivalentes moralmente a uma lista de compras de supermecado.

Eu acho que esses mandamentos são de uma certa forma uma metáfora imperfeita de uma verdade ideal subjascente a natureza das interações humanas, a qual nós não conhecemos perfeitamente mas da qual nós nos aproximamos atraves da experiência civilizacional. Assim como nossas leis físicas, eu assumo a existência de uma realidade moral que a nossa racionalidade pode revelar apenas de forma parcial e limitada, refinando-se sem jamais alcançar o conhecimento perfeito, mas aproximando-se dele gradualmente. Um espécie de espírito das leis, uma racionalidade atemporal completa, mas de natureza incompleta e emergente quando vislumbrada no tempo, que no contexto do simbolismo religioso cristão pode ser interpretada como a mente ou a cidade de Deus.

A tradição é o mecanismo de transmissão e preservação dessas instituições imperfeitas, que com o tempo sofrem pequenas mutações na medida que pessoas as aplicam de formas diferentes dentro de contextos particulares. Essas mutações locais podem ser intencionais ou não, podem ser sistemáticas ou não, mas o efeito de larga escala na estrutura das instituições é certamente não intencional e não planejado.

Da maneira que eu vejo o Estado, ele não é mais do que uma corporação que se vale de uma questionável prerrogativa moral da violência, e que na prática pode ora colaborar com aspectos da manutenção das instituições, ora se ocupar de deteriora-las ou destrui-las. E que não é o Estado quem determina isso, mas é a atitude geral das pessoas com respeito as instituições. Os burocratas apenas leem os ventos da mudança e os mais espertos adaptam-se a eles.

Embora estruturas estatais sejam de uma certa forma pervasivas no mundo, eu não sou fatalista e portanto não as considero indispensáveis, inevitáveis ou insubstituíveis, pelo contrário, eu as vejo como uma espécie de cancro, de tumor no tecido institucional, cuja atenção deve ser dedicada no sentido de contê-lo e eventualmente regredi-lo e extirpar-lo.

Mas isso não me tornaria um progressista, alguém propondo a dissolução radical de uma estrutura institucional com base numa moralidade futurista?

Se essa fosse realmente a minha proposta, sim. Mas como eu disse, eu não sou um “anarquista convencional”.

Em nenhum momento eu propus qualquer coisa que possa ser compreendida como ruptura radical, ou qualquer tipo de moralidade futurista validando ações presentes.

Eu sempre discuti como certos mecanismos já conhecidos servem para preservar instituições já aceitas. Não há futurismo algum.

Além disso eu discuto como o Estado se justifica com base numa ilusão de perfomance que ele na verdade não cumpre. Procuro mostrar como é fácil iludir as pessoas de que certos fenômenos de difícil compreensão exigem algum tipo de “regulação”, e como agências reguladoras na verdade não servem para o propósito de sua criação, mas como isso é sutil demais para ser notado e facilmente mascarável no virtuosismo retórico dos discursos bem-intencionados e em grandiosas ações de caráter meramente propagandístico, cuja a inocuidade ou mesmo contra-produtividade prática mascara-se na incapacidade geral de isolar causas e efeitos em questões dessa escala.

Que todos argumentos que servem para justificar a existência de um Estado ativo são indigentes, já que os propósitos apontados para o estabelecimento dessa corporação não são atingidos.

E que no final, embora organismos estatais tenham acumulado algum know how para certas questões institucionais importantes, a única sustentação que essa corporação encontra é na credulidade ou no fatalismo popular, e nada mais.
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Re: O que é conservadorismo?

Mensagem por Acauan »

Apo escreveu:Depende de como se vê o conservadorismo. E de como o conservador se vê. Certos conservadores são atrasados, inertes, retrógrados, prepotentes e arrogantes em seus valores pela manutenção, sim, do status quo QUE ELE CONSIDERA ADEQUADOS A SEUS VALORES ( que ele não reconhece como retrógrados). Mas estes conservadores jamais admitem que sejam assim. Usam de um corolário de falácias para validar e extremopor ( boa palavra, neologismo meu ) a posição daqueles que querem mudar qualquer pecinha do jogo de lugar.


Esta é uma descrição de comportamento dos dogmáticos, não importa de qual ideologia.
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Re: O que é conservadorismo?

Mensagem por Acauan »

Apo escreveu:Conservar = preservar = manter = ficar parado


Questão de múltipla escolha:

A função principal da sua geladeira é:

a) conservar os alimentos
b) preservar os alimentos
c) manter os alimentos
d) deixar parados os alimentos
e) todas as anteriores pois é tudo a mesma coisa.
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Re: O que é conservadorismo?

Mensagem por Apo »

Acauan escreveu:
Apo escreveu:Depende de como se vê o conservadorismo. E de como o conservador se vê. Certos conservadores são atrasados, inertes, retrógrados, prepotentes e arrogantes em seus valores pela manutenção, sim, do status quo QUE ELE CONSIDERA ADEQUADOS A SEUS VALORES ( que ele não reconhece como retrógrados). Mas estes conservadores jamais admitem que sejam assim. Usam de um corolário de falácias para validar e extremopor ( boa palavra, neologismo meu ) a posição daqueles que querem mudar qualquer pecinha do jogo de lugar.


Esta é uma descrição de comportamento dos dogmáticos, não importa de qual ideologia.


Então, foi o que eu falei: conservador ou revolucionário pode ser extremista ou não. Dizer que o conservador tem uma postura humilde é correto?
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Re: O que é conservadorismo?

Mensagem por Apo »

Acauan escreveu:
Apo escreveu:Conservar = preservar = manter = ficar parado


Questão de múltipla escolha:

A função principal da sua geladeira é:

a) conservar os alimentos
b) preservar os alimentos
c) manter os alimentos
d) deixar parados os alimentos
e) todas as anteriores pois é tudo a mesma coisa.


:emoticon22:

No caso da geladeira, alimento parado não é o caso. No caso de ideologias , é.
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Re: O que é conservadorismo?

Mensagem por Acauan »

Apo escreveu:Então, foi o que eu falei: conservador ou revolucionário pode ser extremista ou não. Dizer que o conservador tem uma postura humilde é correto?


Mais correto é dizer que o conservadorismo é uma postura humilde, independente de quem se diz conservador adotá-la ou não.
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Re: O que é conservadorismo?

Mensagem por Edson Jr »

Apo escreveu:O que vai nas profundezas do conservador pode ser uma emaranhado de coisas, mas geralmente de humilde eles não têm muito. São arrogantes, preconceituosos, prepotentes, cheios de falácias batidas e nem não o braço a torcer que é por medo ou incapacidade mesmo de assimilar e viver alguma mudança.

Revolucionários podem ser arrogantes e prepotentes também. Tanto o conservador como o revolucionário bebem da mesma fonte: certezas absolutas baseadas em verdades inalienáveis, segundo eles, suas teses, intenções e perspectivas. Um porque precisa dar continuidade ao status quo a que se agarra como uma criança despreparada ( "in statu quo ante bellum" - manter-se como antes da guerra, pressupondo que qualquer mudança seria uma batalha com perdas irreparáveis e só ). O outro porque precisa mudá-lo, através da revolução/guerra, doa a quem doer.

A questão toda está em conceituar ambos os sujeitos, dentro de seus tipos de inércia próprios. E por fim, autonomear-se como um dos dois, o que pode resultar numa linha onde ambos se vêem nos extremos opostos, mas bem poderiam estar perto do ponto de equilíbrio.

Eu me considero conservadora e revolucionária ao mesmo tempo. Pelas mesmas razões.


Perfeito!

Assino embaixo! :emoticon45:
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Re: O que é conservadorismo?

Mensagem por Edson Jr »

Acauan escreveu:
Apo escreveu:Então, foi o que eu falei: conservador ou revolucionário pode ser extremista ou não. Dizer que o conservador tem uma postura humilde é correto?


Mais correto é dizer que o conservadorismo é uma postura humilde, independente de quem se diz conservador adotá-la ou não.


Só se for no modelo ideal ou universo conceitual. No plano real, não.
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Re: O que é conservadorismo?

Mensagem por Edson Jr »

Apo escreveu:Depende de como se vê o conservadorismo. E de como o conservador se vê. Certos conservadores são atrasados, inertes, retrógrados, prepotentes e arrogantes em seus valores pela manutenção, sim, do status quo QUE ELE CONSIDERA ADEQUADOS A SEUS VALORES ( que ele não reconhece como retrógrados). Mas estes conservadores jamais admitem que sejam assim. Usam de um corolário de falácias para validar e extremopor ( boa palavra, neologismo meu ) a posição daqueles que querem mudar qualquer pecinha do jogo de lugar.


Mais claro que isso impossível!
"Três paixões, simples mas irresistivelmente fortes, governam minha vida: o desejo imenso de amar, a procura do conhecimento e a insuportável compaixão pelo sofrimento da humanidade." (Bertrand Russel)

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Re: O que é conservadorismo?

Mensagem por Edson Jr »

Acauan escreveu:
Apo escreveu:Conservar = preservar = manter = ficar parado


Questão de múltipla escolha:

A função principal da sua geladeira é:

a) conservar os alimentos
b) preservar os alimentos
c) manter os alimentos
d) deixar parados os alimentos
e) todas as anteriores pois é tudo a mesma coisa.


Acho que a redundância da Apo foi para deixar bem claro que conservar não tem nada a ver com mudar.
Editado pela última vez por Edson Jr em 18 Fev 2011, 23:06, em um total de 1 vez.
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Re: O que é conservadorismo?

Mensagem por Edson Jr »

Acauan escreveu:Conservadorismo não - e nem pode ser - o culto à estagnação, mesmo porque a própria manutenção do status quo exige mudanças permanentes, como dito na célebre frase "é preciso que as coisas mudem para que fiquem sempre as mesmas."


"Para que fiquem sempre as mesmas"

Ou seja, a finalidade é evitar que as coisas mudem. O resto é apenas jogo de palavras.

Acauan escreveu:Só que conservadorismo nem sequer é manutenção do status quo.
Basicamente, conservadorismo é a crença de que alguns valores são atemporais - reconhecimento do indivíduo humano como centro e objetivo da sociedade, liberdade e autodeterminação do indivíduo e consequente responsabilidade individual por seus atos, família, civismo, patriotismo e tradicionalismo.

As sociedades podem e devem mudar, mas os conservadores acreditam que estes valores devem ser preservados.


Pois é ... e se deixassem tudo nas mãos dos conservadores, seria bem possível ainda haver escravidão, as mulheres praticamente não teriam nenhum direito, os homossexuais sofreriam um preconceito ainda maior ... e por aí vai. Os conservadores já apoiaram (e boa parte ainda apóia) "valores" ultrapassados e a mudança não é prerrogativa deles, nunca foi. É justamente o lado oposto (tão arrogante quanto) que pressiona no sentido da mudança.

O resultado acaba sendo um equilíbrio de forças (o que é bom). Se a balança pender mais para um lado, pode haver estagnação ou caos.
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