O Brasil antes dos tupis guaranis

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Fernando Silva
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O Brasil antes dos tupis guaranis

Mensagem por Fernando Silva »

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"O Globo" 16/04/11

Como era gostoso o paraíso

REINALDO MORAES

Na próxima sexta-feira, 22 de abril, vai fazer 511 anos que uns portugas sujos, guedelhudos e famintos aportaram suas caravelas no sul da Bahia, deparando-se na praia com “18 ou 20 homens, pardos, todos nus, sem nenhuma cousa que lhes cobrisse suas vergonhas”, conforme descrição do escrivão da esquadra de Cabral, Pero Vaz de Caminha, o primeiro cronista a exercer seu métier no Brasil.

Os peladões eram descendentes diretos de um grupo humano que perambulava pela nova terra havia milhares de anos -— 60 mil anos, segundo a arqueóloga piauiense Niéde Guidon, entre 10 e 15 mil de acordo com as teses mais aceitas sobre a nossa pré-história buscando as planícies dos cerrados, onde a caça era abundante, e evitando o perigoso e incerto interior das florestas. Seguiam o curso dos rios, que lhes davam água, peixes e atraíam toda sorte de animais sedentos que, caçados, rendiam fartos banquetes.

Ainda de acordo com a professora Guidon, a dieta desse brasileiro primordial, de deixar o vegetariano Paul McCartney de cabelos e bochechas em pé, incluía um rodízio de carnes de glossotério, que era uma enorme preguiça de hábitos terrestres, de gliptodonte, um tatu do tamanho de um boi, e de toxodonte, um bicho parecido com o atual rinoceronte. Um eventual churrasquinho de inimigos capturados em batalhas também tinha grande aceitação.

A sequência desta saga pré-histórica nos é sugerida pelo falecido brasilianista norte-americano Warren Dean em seu último livro, “A ferro e fogo” (Companhia das Letras, 1996), pérola de inventividade historiográfica que vale a pena procurar nos sebos eletrônicos.

Quando a caça foi rareando, diz o professor americano que viveu muitos anos no Brasil, por matança excessiva e mudanças climáticas, alguns desses tipos nômades foram se deslocando para o sul e para o leste. Ao atingir o litoral despovoado, os antebrasucas toparam com o paraíso na terra, milhares de anos antes da chegada de nossos “achadores” lusos.

Foi um megaacontecimento que com toda certeza fixou arquétipos profundos em nossa memória coletiva, pois os novos praianos acabaram deixando de lado a caça e o nomadismo para cair de boca e alma no mais sedentário e dolce far niente. Viria daí, em níveis mais profundos, e não dos quase três séculos de escravagismo, a terrível desqualificação do trabalho e a glorificação do ócio senhorial nos tristes trópicos.

Prova da boa vida dos nossos ancestrais nativos, diz Warren Dean, são os sambaquis, pilhas de conchas de moluscos fossilizadas que chegam até a 25 metros de altura e 300 de comprimento, e podem ser encontradas ao longo da costa brasileira, do sul da Bahia ao Rio Grande do Sul. Essa passou a ser a base da farta e facílima dieta dos recém-chegados.

A degustação intensiva dessa “molusqueira” toda mexilhões, mariscos, ostras começou há pelo menos 8 mil anos e se prolongou por cerca de 7 mil anos desde então.

Nossos proto-hippies edênicos simplesmente viviam o cotidiano que mais de um brasileiro contemporâneo pediu a Deus, a começar deste que vos fala: “Acampavam em lugares protegidos, coletavam os moluscos abundantes e atiravam as conchas por cima dos ombros”, conjectura Warren Dean. Vivia-se em absoluta liberdade, sem o peso de hierarquias, dogmas e tabus. Sem o peso até da complexa noção de liberdade. Nunca antes neste país a vida foi tão folgada. Paraíso absoluto.

Até que um não tão belo dia os pacatos comedores de moluscos receberam a visita de uns tipos hostis e pouco dados à vida contemplativa, vindos do interior. Tratava-se de um grupo de guerreiros de espantosa agressividade: os tupi-guarani.

Essa turma, que até então vivera encafuada no interior, devia estar aumentando exponencialmente de tamanho, enquanto os recursos naturais dos cerrados começavam a dar sinais de exaustão. E eles foram cada vez mais se deslocando para o leste.

Com tanta e tão belicosa gente por perto agora, não dava mais pra patotinha da praia viver só de ostra, sol e sexo. Houve, decerto, não poucos conflitos pela ocupação das melhores faixas litorâneas, e, com igual certeza, não foram os peladões de papo pro ar que levaram a melhor. Para resolver o problema da alimentação, já que não tinha molusquinho para todos, alguém teve a idéia de plantar uns negócios para comer. Mandioca, por exemplo. A iniciativa deu certo e se propagou com rapidez, levando à devastação de áreas significativas da vegetação nativa.

“A agricultura pode ter reduzido a complexidade e a biomassa em áreas consideráveis da Mata Atlântica durante os mais de mil anos em que foi praticada antes da chegada dos europeus”, aventa Warren Dean em seu instigante estudo.

A moleza de sete mil anos acabava ali. Hoje em dia, Paraíso, no Brasil, até onde eu sei, é só um bairro aqui de São Paulo, bem pouco paradisíaco, por sinal. Pelo menos ainda é possível pegar uma estrada e ir comer ostras olhando o mar e seres seminus desfilando pela areia em toda a orla brasileira. É a tais misteres gatronômicovoyeurísticos que eu me entregaria de boníssimo grado neste sabadão, se tivesse a felicidade de estar em carne e osso aí no Rio, e não apenas em texto. Me abancaria num quiosque da Barra, por exemplo, e me entupiria de ostras, sonhando com o paraíso pré-tupi-guarani, mas abstendo-me de jogar as conchas por cima do ombro, como nossos folgados parentes pré-históricos. Não seria civilizado fazer isso, mesmo para os padrões de um tribalista do planalto de Piratininga, como eu.

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Re: O Brasil antes dos tupis guaranis

Mensagem por Acauan »

Fernando Silva escreveu:
Até que um não tão belo dia os pacatos comedores de moluscos receberam a visita de uns tipos hostis e pouco dados à vida contemplativa, vindos do interior. Tratava-se de um grupo de guerreiros de espantosa agressividade: os tupi-guarani.


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Re: O Brasil antes dos tupis guaranis

Mensagem por Apo »

Não seria OS TUPI-GUARANI?
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Fernando Silva
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Re: O Brasil antes dos tupis guaranis

Mensagem por Fernando Silva »

Apo escreveu:Não seria OS TUPI-GUARANI?

Dei uma busca e não cheguei a uma conclusão.

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Re: O Brasil antes dos tupis guaranis

Mensagem por Apo »

Aprendi que nomes de grupos indígenas nunca vão ao plural. Mas pode ter mudado desde o século passado. :emoticon13:
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