O genial que existe em nós

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Huxley
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O genial que existe em nós

Mensagem por Huxley »

Acredito que muitas pessoas já devem ter ouvido informações sobre a relação entre genialidade, genes e QI. Muitos jornalistas e leigos parecem não entender a mudança paradigmática que sofreu a chamada “ciência do alto desempenho” ao longo do século XX e início do século XXI devido às descobertas científicas mais recentes. Isso é constatado porque é possível apontar muitas citações de mitos sobre genialidade disseminados por grandes periódicos não-científicos e filmes. É isso o que diz David Shenk, escritor americano e colaborador dos periódicos National Geographic, Gourmet, Harper’s, Slate e The New Yorker. No seu livro O Gênio em Todos Nós (Editora Jorge Zahar, 2010), ele combate o determinismo genético e traz algumas notícias e esclarecimentos valiosos para aqueles que querem ter sucesso – absoluto ou relativo – em qualquer área. Algumas conclusões interessantes de sua obra:

• Ninguém é geneticamente destinado à grandeza, quem dirá à genialidade.
• Poucos são biologicamente incapazes de alcançar a grandeza.
• Há evidências da existência de um grande potencial irrealizado na maioria das pessoas.
• O talento parece ser mais disseminado do que filmes, leigos e muitos jornalistas supõe.
• O ambiente e a sorte têm, conjuntamente, mais controle sobre os indivíduos do que as pessoas geralmente reconhecem.

Eu extrai algumas informações e ideias que considero fundamentais no livro:

• Não há justificativa biológica para afirmar que os fatores genéticos e os ambientais agem de forma aditiva. Muitos jornalistas e leigos têm a ideia errada de que os genes criam o molde e a influência ambiental – treino, nutrição, cultura, emoções, etc. – apenas adiciona um fator de desempenho complementar a ele. Na verdade, o ambiente, os genes e as proteínas se afetam mutuamente ANTES que uma característica esteja consolidada. Portanto, a relação gene-ambiente é interativa, não aditiva. Certas expressões genéticas só acontecem com certos estímulos ambientais. Além disso, a neurociência diz que a experiência influi não só nas conexões interneurais, mas também na criação de novos neurônios e transformação de regiões cerebrais como lóbulos frontais, amígdala e hipocampo, todos eles relacionados com os mais diversos tipos de inteligência.

• Experimentos de Cooper-Zubek em 1958 com grupos genéticos de ratos com desempenho testado em labirintos ao longo de gerações mostraram como seus descendentes se saíram ao serem criados em diferentes ambientes. Antes que se testasse o número de erros que cometeriam ao caminhar nos labirintos, ratos descendentes dos grupos genéticos bons e maus – com diferença média de 40% em termos de erros entre os dois grupos – foram submetidos a esses ambientes:

Enriquecido – Casinha com paredes pintadas com cores fortes e vivas. Havia rampas, balanços, escorregos, espelhos e sinos.

Normal – Casinha com parede sem cores vivas. Poucos exercícios e brinquedos para estimular os sentidos.

Limitado – Basicamente um “barraco de rato”.

E o resultado chocante... A única circunstância em que os ratos tiveram desempenho significamente discrepante foi no caso em que foram criados em ambientes normais. Ratos ruins de labirinto tiveram um número de erros apenas 10% superior aos bons de labirinto na comparação da criação em ambientes enriquecidos. Por fim, ratos bons e maus de labirintos tiveram desempenho idêntico quando criados em ambientes limitados (eles foram igualmente burros!).

• Pesquisadores da ciência do alto desempenho conseguiram medir o tempo necessário de treino para alguém se destacar internacionalmente em alguma área: 10 mil horas. A regra das 10 mil horas não diz que você será gênio se passar esse tempo praticando, mas que, baseado na observação das atividades das mais diversas áreas, alega-se que existe um pré-requisito de horas mínimas para se tornar um grande talento de renome internacional. Beethoven e Mozart são apenas alguns dos exemplos históricos que se encaixam nessa regra.

• Cientistas também alegam que treinar duro não é suficiente para alcançar um patamar de extraordinária habilidade. Eis o que diz a regra do estilo da prática, que juntamente com a regra das 10 mil horas, formam as duas regras universais do alto desempenho. É necessário aperfeiçoar aspectos específicos e refinar mecanismos mediadores, assim como exercer um aperfeiçoamento sucessivo com feedback constante. Em outras palavras, isso se refere ao autodesenvolvimento que está relacionado ao fracasso constante e a resolução de novos problemas.

• A inteligência é um processo, não algo em si mesmo. Como já disse Alfred Binet, a inteligência medida pelo QI não é geneticamente predeterminada, pode ser aumentada ao longo do tempo e algumas pessoas não chegam sequer perto de seu verdadeiro potencial intelectual. Essa última informação é importante porque os dados sobre as diferenças de inteligência efetiva só mostram a variação detectável, logo nada dizem a respeito das diferenças de potencial.

• O efeito Flynn é notável. O QI mundial aumenta rapidamente a cada geração, sem que haja explicações suficientes de evoluções darwinianas. E se verificássemos o QI das pessoas de 1900, utilizando a média de 100 para os testados no fim do século XX, teríamos que chegar a conclusão absurda de que as pessoas de 1900 eram retardadas, uma vez que o escore daquela época equivale a 60. Em vez disso, Flynn considera que o raciocínio abstrato evoluiu graças à “transição [cultural] de um pensamento operacional pré-científico para um pós-científico”.

• Muitos leigos entendem mal quando leem que uma pesquisa indica que 60% da inteligência é hereditária ao achar que “a inteligência humana é determinada, em 60%, pelos genes e, em 30%, pelas condições ambientais”. Para entender melhor porque isso é absurdo, basta entender que quando se diz que 90% da altura de uma população é hereditária, isso não quer dizer que 90% dos centímetros venham dos genes e o restante do ambiente. Significa que 90% da variação detectável da altura entre indivíduos numa amostragem específica é atribuída em 90% aos genes e 10% as influências ambientais. Não existe o conceito de herdabilidade para a altura individual, logo o que é válido para um grupo não é válido para prever o que ocorrerá com um indivíduo.

• Alguns estudos apontam mais do que os 60% da pesquisa citada anteriormente, outros menos. Além disso, um estudo do psicólogo Eric Turkheimer, utilizando apenas famílias pobres, mostra que a variação causada pela hereditariedade não é de 40% ou 20%, mas de praticamente 0%. Isso demonstra definitivamente que não existe porcentagem fixa para a influência genética. Não é correto aplicar uma estimativa da herdabilidade a partir de uma dada população para toda a espécie. Estimativa de hereditariedade aplica-se apenas a uma população e ambiente particulares.

• Lewis Terman, defensor do conceito de “inteligência inata”, selecionou um grupo de 1500 crianças californianas classificadas como excepcionalmente dotadas. Acontece que à medida que o tempo foi passando, ficou constatado que poucas delas havia se tornados adultos geniais ou insuperáveis. Na verdade, não apareceu nenhum prêmio Nobel – duas crianças que foram excluídas desse grupo conseguiram tal feito quando adultos. Ademais, não apareceu nenhum músico de renome internacional – outras duas pessoas que realizaram o feito foram excluídas desse grupo. Na realidade, o teste de Terman virou para ele o “teste da decepção”.

• Um experimento de Anders Ericsson selecionou uma cobaia cujos testes demonstravam que esta tinha uma memória de curto prazo comum. Um treinamento intensivo foi capaz de fazer com que sua memória de curto prazo passasse do armazenamento de um número de sete dígitos para um número com mais de oitenta dígitos.

• Taxistas de Londres enfrentam uma das arquiteturas rodoviárias mais complexas e caóticas do mundo. Uma investigação pôs em destaque que as regiões cerebrais responsáveis pela orientação especial dos taxistas se viam claramente fortalecidas nos primeiros meses de condução pelas ruas de Londres. Esse estudo mostrou que uma parte do hipocampo é maior nos taxistas que no público em geral, e que os motoristas mais experientes tinham um hipocampo mais volumoso.

• Observações feitas por cientistas mostraram que empacotadores de encomendas (com pouca instrução) fazem cálculos de encaixamento de encomendas em caixas numa velocidade que não é possível para seus superiores (executivos) mais bem instruídos. Mais uma evidência do efeito da experiência e do treino acumulados.

• Os estudos com gêmeos univitelinos tendem a exagerar a evidência disponível para a contribuição da hereditariedade para as diferenças de aptidão. Eles frequentemente omitem informações sobre as diferenças e parecem omitir o impacto que tem as semelhanças ambientais e culturais sobre os quais os gêmeos são submetidos (idade, sexo, criação, educação, localização). Segundo pesquisas, semelhanças surpreendentes nos traços psicológicos são encontradas em pares de pessoas que compartilham esses mesmos aspectos de pares de gêmeos tipicamente pesquisados.

• Estudos de laboratório com grupos genéticos de ratos em ambientes separados e rigorosamente semelhante mostraram que existem diferenças surpreendentes não explicadas pelo genoma e pelo ambiente. Se isso é verificável em ratos, quem dirá em seres humanos, cuja interação gene-ambiente é muito mais complexa. Isso mostra que os efeitos dos genes no fenótipo são probabilísticos e não determinísticos.

• Um experimento muito famoso mostra a importância do autocontrole (autodisciplina e capacidade de adiar a satisfação) para o sucesso. Pegando o trecho de outro texto para resumir a informação dada por Shenk: “O teste do marshmallow, feito na Universidade Stanford na década de 1960, é o melhor exemplo que se tem sobre a ocorrência de autocontrole. Psicólogos ofereciam a crianças um grande marshmallow e davam a elas a opção de comê-lo imediatamente ou esperar um tempinho enquanto os psicólogos saíssem da sala. Se as crianças esperassem, ganhariam de recompensa um segundo marshmallow. Apenas um terço das crianças aguentava esperar, o resto comia o doce afoitamente. Depois, os pesquisadores acompanharam o desempenho dessas crianças nas décadas seguintes. Aquelas que haviam esperado pelo segundo doce tinham tirado notas mais altas no vestibular e tinham mais amigos. Depois de anos estudando esse grupo de voluntários, concluiu-se que a capacidade de manter o autocontrole previa com muito mais precisão a ocorrência de sucesso e ajustamento - era mais eficiente do que QI ou condição social, por exemplo.”: http://super.abril.com.br/ciencia/sucesso-584272.shtml

• A observação de garotos-prodígio mostra que crianças extraordinárias não necessariamente se transformam em adultos extraordinários. Por outro lado, sabe-se que o talento de certos ícones da genialidade não apareceu tão precocemente.

• A genialidade frequentemente é bem específica. Pessoas que decoram uma enorme seqüência de posições de xadrez não necessariamente têm memórias fantásticas para outros aspectos da vida cotidiana.

• A Síndrome de Savant, que surge em um a cada 10 autistas, ilustra bem o que um cérebro comum é capaz de fazer. Ela ocorre quando um dano no hemisfério esquerdo do cérebro convida o hemisfério direito (relacionados a habilidades da arte e da música) a realizar determinadas tarefas. Isso confere surpreendentes habilidades específicas aos seus portadores. A síndrome não cria a habilidade, mas gera a oportunidade para ela se concretizar, o que se alia a obsessão pelo padrão repetitivo dos autistas. Isso evidencia a plasticidade do cérebro e a capacidade do mesmo de recrutar áreas diferentes para realizar novas tarefas. Ao se retirar o significado e a compreensão é possível melhorar os detalhes na construção de certas obras. A desativação dos lobos frontotemporais de cobaias com impulsos magnéticos já produziram efeitos similares ao da síndrome de Savant. Desempenhos extraordinários também são possíveis com alterações na percepção e nas respostas encefalográficas. Em respostas ao efeito de anfetaminas, uma cobaia de pesquisa conseguiu construir quadros com precisão fotográfica. Assim, Darold Treffert, talvez o maior especialista do mundo em savants, já admitiu que “talvez exista um pequeno Rain Man em cada um de nós”.

• Ao contrário do que as pessoas geralmente pensam, características adquiridas pelos pais podem ser transmitidas aos descendentes. As histonas são proteínas que não apenas protegem o DNA, mas são mediadoras da expressão genética, dizendo se os genes devem ser ativados ou desativados. Sabe-se há muito tempo que o ambiente pode provocar mudanças no epigenoma. Porém, a partir de 1999, descobriram-se vários casos em que as alterações no epigenoma foram passadas para os descendentes (ver o último capítulo). Um estudo publicado no Journal of Neuroscience é especialmente interessante. Ele relata que ambiente estimulante aprimorou memória de um grupo de camundongos que tinham um defeito genético que afetava a memorização, e essa mudança foi transmitida para as crias. Isso sugere que os efeitos do estilo de vida paterno bem antes da gestação podem influenciar o destino de seus descendentes.

Baseado nas informações acima e no seu estudo sobre biografias, David Shenk montou seu próprio sistema de aconselhamento aos aspirantes ao sucesso em qualquer área:

Descubra a sua motivação:

Existe uma grande variação de motivações por trás dos mais diversos tipos de alto desempenho. De qualquer forma, ela tem que fazer você se comprometer a ponto de nunca desistir, mesmo que isso implique por em jogo seu tempo, dinheiro, sono, amizades e até mesmo a reputação. Você não apenas deve destemer o fracasso, mas também deve desejá-lo porque ele gera aprendizado e feedback.

Um estudo mostra que a motivação pode estar associada a um arrependimento futuro. Estudo com pessoas idosas mostram que grande parte diz que se arrependeu pelo que não fez e que imaginam que deviam ter trabalho mais e se arriscado mais ao longo da vida.

Auto-crítica severa

Avaliar seus próprios atos, considerando principalmente os erros que eventualmente tenha cometido e suas perspectivas de correção e aprimoramento está por trás do sucesso de várias das grandes obras de arte. O extraordionário muitas vezes se inicia de um péssimo rascunho que foi criticado repetidas vezes pelo próprio autor.

Cuidado com a amargura e a culpa

Quando o fracasso aparece, tanto a amargura, quanto a culpa podem afetar drasticamente e negativamente a tarefa de recuperação. O que há de notável na mente de muitos gênios é que eles são capazes de transformar os fracassos em oportunidades.

Portanto, se você acha que não é possível usar algum desses dois sentimentos para se motivar, você faz melhor em criar uma estratégia para superá-los imediatamente, porque certamente qualquer um deles atrapalhará a tarefa de se concentrar em melhorar constantemente seu desempenho.

Identifique suas limitações e passe a ignorá-las

Muitas vezes, ver o abismo que separa o seu estado atual e a meta distante pode obrigar uma pessoa a adotar um nível de fé que transcende os limites da lógica e da razão. Por isso, a tarefa de usar mais determinação e mais tempo de treino que os demais é o que garante o alívio necessário para continuar lutando. É nessas horas que a pessoa entende perfeitamente o significado do raciocínio “se fosse minimamente fácil, muitos já teriam conseguido”.

Os melhores escritores quando jovens frequentemente não o são quando mais velhos, e são justamente os de mais idade que tem as obras mais fantásticas. Isso evidencia que o tempo é um grande combustível da excelência.

Adie a satisfação e não se satisfaça com pouco

Como nós somos condicionados a uma cultura imediatista (“compre agora”, “clique agora”, etc.), é difícil ignorar a tentação da satisfação rápida. Para ter sucesso, é preciso não ficar pensando na tentação e focar naquilo que é realmente importante no momento. Isso é especialmente válido se o que você espera conseguir é grandioso. Pequenos passos que geram melhorias trazem motivação mais que suficiente para seguir avançando.

Tenha heróis

Ter heróis significa ver todas as histórias inspiradoras de pessoas que entraram em caminhos inexplorados e as ideias estranhas que mais tarde se revelariam geniais. Usar essa estratégia é ver com seus próprios olhos como muitas das grandes obras conseguiram surgir de sucessivos esforços contínuos, incluindo aquelas que literalmente passaram do nada ao algo.

Tenha mentores

Ter um ou mais mentores significa ter alguém para se inspirar, despertar interesse, criticar, aconselhar e ver tudo o que geralmente não é visto quando você parece desinteressado executando sozinho uma atividade.
Editado pela última vez por Huxley em 02 Jun 2011, 16:42, em um total de 1 vez.
“A boa sociedade é aquela em que o número de oportunidades de qualquer pessoa aleatoriamente escolhida tenha probabilidade de ser a maior possível”

Friedrich Hayek. “Direito, legislação e liberdade” (volume II, p.156, 1985, Editora Visão)

"Os homens práticos, que se julgam tão independentes em seu pensar, são todos na verdade escravos das idéias de algum economista morto."

John Maynard Keynes

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Fernando Silva
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Re: O genial que existe em nós

Mensagem por Fernando Silva »

Interessante.
Podemos ter predisposição genética, mas a inteligência, no fim das contas, é resultado de um conjunto de sinapses que se formam com o tempo. Não nascemos com elas, no máximo com maior facilidade de criá-las. Desenvolver esse potencial depende de outros fatores, como persistência e vontade de trabalhar duro, caso contrário, gênios mirins podem acabar como auxiliar de almoxarifado ou morrer de overdose poucos anos depois.

Trancado