Makaveli escreveu:Se o ateísmo, por exemplo, tornar-se a opção mundial, ou seja, se a humanidade abandonar totalmente toda e qualquer concepção religiosa? Será que vai melhorar alguma merda? Quer dizer, só porque ninguém acredita em Deus que a humanidade vai desenvolver-se absurdamente, todos os seres humanos chegarão a um novo nível de compreensão da vida e serão cooperativos uns com os outros? POR FAVOR
MORAL E ÉTICA SEM RELIGIÃO
Dizem que sem religião não haveria moralidade e tudo seria
permitido. Mas a Bíblia permite a poligamia, a escravidão,
o genocídio, a intolerância religiosa, o estupro e o abuso
de crianças, logo estas devem ser práticas moralmente
aceitáveis. Entretanto, proíbe o consumo de carne de porco
e frutos do mar. E as outras religiões pregam coisas
igualmente idiotas. Isto é moral?
Como um ateu poderia ser pior do que isto? Além do mais, a
história das religiões é uma longa história de violência e
barbárie, das quais as Cruzadas e a Inquisição são apenas
dois exemplos. Se nós hoje rejeitamos tudo isto, pelo menos
na superfície, é porque aprendemos a pensar com nossas
próprias cabeças, não porque as religiões nos tornaram
melhores. Pelo contrário, fomos nós que forçamos as religiões
a se tornarem mais humanas e tolerantes. Por que os 10
Mandamentos proíbem cobiçar a propriedade alheia mas não a
escravidão? Qualquer ateu bem intencionado conceberia uma
lista melhor do que a de Moisés, que trata basicamente de
como os homens devem se prostrar diante de um deus egomaníaco.
O que pode ser dito a favor das religiões é que elas impõem
um "pacote" de valores aos fiéis com conceitos básicos de
moral e ética e que, na falta de melhor, em alguns casos,
realmente ajuda a orientar as pessoas. Mas apresentam uma
falha básica, ou seja, elas afirmam que é preciso ser bom e
justo porque Deus assim o quer. Se fizermos a vontade dele
seremos eternamente recompensados, caso contrário sofreremos
um castigo eterno. A verdadeira virtude se baseia no exercício
da razão, não na esperança de uma recompensa ou no medo de
um castigo, o que em nada difere dos métodos usados por
domadores de animais.
Se nós entendemos por que é preciso fazer isto ou não podemos
fazer aquilo, nossa ética será muito mais forte do que a
imposta por dogmas. Pelo contrário, como disse Feuerbach,
"quando a moral se baseia na teologia, quando o direito
depende da autoridade divina, as coisas mais imorais e
injustas podem ser justificadas e impostas".
A lei básica da ética e da moral foi estabelecida séculos
antes de Cristo. Uma de suas versões é a "Lei de ouro"
(Confúcio, 500 a.C.): "Façam aos outros o que gostariam que
lhes fizessem. Não façam aos outros o que não gostariam que
lhes fizessem. Vocês só precisam desta lei. É a base de todo
o resto". Outro modo de dizer isto é: não há pecado, não há
um deus que premie ou castigue, há consequências. Cada um
deve suportar as consequências do que faz.
Se uma criança de 2 anos bate em outra, a outra vai bater
nela também. E a criança aprenderá que não convém bater
nos outros. Esta é uma regra moral básica - e nenhum
conhecimento religioso foi necessário para que a criança
se desse conta dela. Da mesma forma, lobos e leões não
devoram uns aos outros, ou já estariam extintos. São regras
de convívio aprendidas por tentativa e erro. A elas chamamos
moral. A maioria das crianças já tem seus fundamentos morais
estabelecidos por volta dos 6 anos, pela experiência adquirida
ao testar seus limites e por imitação dos adultos. Só mais
tarde conceitos como Céu e Inferno começam realmente a entrar
em suas cabeças - e distorcem tudo. A moralidade garante nossa
sobrevivência e também torna a vida mais agradável. Ela é sua
própria recompensa na maioria dos casos. Não precisamos de
livros "sagrados" para entender isto, muito menos daqueles
cheios de violência e ódio, como a Bíblia e o Alcorão. Não é
um livro sagrado que deve nos dizer o que é certo, somos nós
que devemos julgar se o livro sagrado e o deus que ele
descreve são bons.
A Bíblia diz que Deus afogou toda a humanidade, exceto por
um velho bêbado e alguns poucos de seus parentes, embora,
como ser omnipotente, tivesse opções menos radicais. Reservou
um território para um povo e o ajudou a exterminar os
habitantes originais, inclusive crianças de peito ou ainda no
ventre da mãe. Permitiu que seus protegidos estuprassem as
mulheres dos vencidos. Se estes, e muitos outros episódios
semelhantes, são exemplos do conceito de moral e ética
divinas, como afirmar que um mundo ateu mergulharia na
desordem e no crime?
Os critérios morais de Deus não requerem explicação. Está
certo porque ele assim o definiu. Ateus são humanos e, como
tal, imperfeitos, mas ao menos estabelecem regras de conduta
com base na interação pacífica com o próximo, no mútuo
benefício e na compaixão e não simplesmente "porque eu assim
o quis". Entre ateus, a teoria está sujeita às necessidades
práticas. Deus não tem tais limites. O que impede que ele
decida dar a Terra a uma raça extraterrestre e a ajude a nos
derrotar e devorar? Se tudo o que Deus faz é bom por
definição, nossas definições de bem e mal não se aplicam a
ele e teremos que aceitar seus atos ainda que nos pareçam
absurdos e injustos. Se Deus é bom porque seus atos estão de
acordo com um padrão externo e absoluto de bem e mal, ateus
não dependerão dele para fazer o que é certo.
Se os critérios morais de Deus são, por definição,
incompreensíveis, então eles são arbitrários do nosso ponto
de vista. E não temos como julgar se são bons.
Quando Deus faz algo de que gostamos, dizemos que ele é bom
e justo. Quando ele faz o oposto, dizemos que é a vontade de
Deus e que não nos cabe questioná-lo. Se ele sempre faz o que
quer, nossos conceitos de bondade e justiça não se aplicam a
ele. É apenas por acaso que seus atos às vezes nos agradam.
Não conhecemos seus motivos e nem se ele tem algum padrão de
ética e moral. Não temos como qualificá-lo. Como tomá-lo como
modelo se não o entendemos e nem mesmo conseguimos prever o
que fará?
Os crentes responderiam que Deus é complexo demais para ser
entendido pela razão humana e assim devemos aceitar sua
vontade sem discutir, ainda que nos pareça às vezes injusta
e contraditória. Ora, a razão humana é a única ferramenta que
temos para julgar as coisas. É através dela que escolhemos um
entre os milhares de deuses e seitas existentes como a única
verdade. Ou decidimos que os deuses não existem. Se Deus é
complexo demais para que possamos julgar seus atos, então não
temos como saber se são aceitáveis. Podemos até concluir que
ele existe mas isto não implica em que ele é bom ou justo.
Ou que ele saiba o que está fazendo. Talvez Deus exista (ou
tenha existido) mas quem nos garante que é perfeito?
Mesmo que ele nos apareça e assim o diga, por que devemos
acreditar nele? Só porque é poderoso? Só porque procura nos
convencer com promessas e ameaças? É lamentável que a
humanidade se consuma em guerras em nome do que teriam dito
deuses que ninguém jamais viu e dos quais tudo o que temos
são lendas contraditórias criadas por gente como nós.
Sistemas de leis absolutas, impostas por um deus, geram
conflitos entre elas. É proibido matar, mas podemos matar
um bandido para não sermos mortos por ele? Podemos violar
uma lei de Deus se isto evitar um mal maior?
Ou seja, as leis têm que estar relacionadas à vida e às
necessidades humanas. É para isto que existem juízes e
tribunais: para decidir entre valores relativos, para
definir graus de gravidade de um crime, conforme as
circunstâncias.
Por se basearem na vontade de deuses diferentes, tais
sistemas também conflitam entre si e, por serem absolutos,
divorciados da realidade, não há como usar uma referência
comum para se chegar a um entendimento. Muito sangue já
foi derramado por causa disto.
O mundo é complexo demais para se encaixar em definições
do tipo "ou isto ou aquilo". E a compaixão humana, ou seja,
a capacidade de alguém se identificar com o sofrimento dos
outros, dispensa e supera leis absolutas.
Leis devem ser consideradas como mutáveis, aperfeiçoáveis
por tentativa e erro, sem medo de que isto gere o caos.
Seres humanos são perfeitamente capazes de inventar suas
próprias leis.
As leis humanas não requerem explicações. Sua finalidade
é clara. Só precisamos de justificativas quando se inventam
leis absolutas e não diretamente relacionadas com o bem
estar da humanidade.
O ateísmo não destrói a ética, a felicidade e o amor. O que
o ateísmo combate, na verdade, é a idéia de que a moral só é
possível através de Deus, é a idéia de que amor e felicidade
só podem ser conseguidos em um outro mundo.
Sem religião, as sociedades mais cedo ou mais tarde se darão
conta de que ética e moral se justificam por si mesmas e não
devido a vagas crenças em coisas não comprovadas. Seus
valores serão baseados na razão e, portanto, muito mais
sólidos. Pelo contrário, crenças religiosas nos permitem
atribuir aos desígnios de uma entidade abstrata e omnipotente
os problemas que afligem o mundo e nos tiram assim a
responsabilidade de resolvê-los. Até mesmo grupos de
chimpanzés e gorilas têm suas leis; sua inteligência, ainda
que limitada, lhes permite reconhecer que, sem elas, a
convivência não seria possível e o grupo se auto-destruiria.
Alguns podem se perguntar como seríamos hoje sem ter tido a
religião ao longo dos séculos. Uma coisa é certa: milhões de
pessoas não teriam morrido na fogueira ou torturadas.
Civilizações e suas culturas não teriam sido arrasadas por
serem pagãs. A ciência não teria se estagnado por tanto tempo
(e mesmo regredido) por medo da fogueira.
As mulheres não teriam sido afastadas de uma participação
ativa ao lado dos homens nem tratadas como simples
reprodutoras, o "vaso imperfeito que recebe o sêmen perfeito
do marido".
Aquilo que nos parecem ser as contribuições da religião para
o bem-estar e o progresso da sociedade foi, na verdade, obra
de indivíduos e organizações bem-intencionados mais do que o
resultado de uma crença religiosa. Somando-se tudo, é possível
que o resultado ainda seja mais negativo que positivo