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O Brasil no esquema de Saddam

Enviado: 11 Fev 2006, 18:14
por Liquid Snake
José Casado,
Chico Otavio e Toni Marques

Quatro indústrias de São Paulo, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, um grupo político (o MR-8) ligado ao PMDB paulista, dois empresários e um diplomata foram os beneficiários no Brasil do esquema de corrupção do governo Saddam Hussein, durante o programa de ajuda humanitária ao Iraque, mantido pela ONU entre 1996 e 2003.

O Ministério Público e a Polícia Federal começaram a investigar as empresas nos três estados na semana passada, provocados por uma denúncia da seção brasileira da organização não-governamental Transparência Internacional. A ONG se baseou nos resultados de um inquérito da ONU sobre negócios suspeitos no programa humanitário conhecido como petróleo por comida.

Durante dois anos, uma comissão de investigação chefiada pelo ex-presidente do Banco Central dos Estados Unidos Paul Volcker reuniu provas de pagamentos ilícitos que chegam a um total geral de comissões de US$ 1,8 bilhão em petróleo e US$ 1,5 bilhão em máquinas e equipamentos, realizados por 2,2 mil empresas ao governo iraquiano. O inquérito foi encerrado em outubro e os documentos apresentados aos países que integram as Nações Unidas. O governo brasileiro recebeu os papéis, via Itamaraty. Nada fez, até a denúncia da Transparência Internacional.

As indústrias brasileiras Weg S.A., Randon Implementos, Valtra S.A. e Motocana S.A. pagaram subornos para vender máquinas agrícolas, veículos, pneus, motores e equipamentos elétricos ao Iraque, segundo demonstram documentos obtidos pela ONU no Iraque e em bancos da Europa e dos EUA.

Em apenas cinco dos contratos investigados, somando US$ 5,7 milhões em exportações, a ONU comprovou o pagamento de US$ 432,4 mil em propinas a representantes do governo iraquiano, sob o disfarce de taxas de serviços pós-venda e de transporte terrestre.

Descobriu-se, também, que Saddam Hussein presenteou o Movimento Revolucionário 8 de outubro (MR-8) — uma facção do PMDB de São Paulo —- com comissões de até US$ 0,30 por barril sobre a venda de mais de 6,5 milhões de barris de petróleo contrabandeado.

Procuradoria questiona empresas

O dinheiro foi obtido em vendas isoladas (do tipo spot , no jargão do mercado de petróleo), intermediadas por um dos dirigentes do MR-8, o empresário Nelson Chaves dos Santos, e pelo ex-embaixador do Iraque no Brasil Jahad Karam. Outro beneficiário das comissões de Bagdá foi o comerciante Fouad Sarhan, que durante três décadas representou a companhia aérea Iraq Airways no Brasil e em Portugal.

Em Caxias do Sul (RS), a procuradora da República Sônia Niche pediu e o delegado federal Noerci da Silva Melo notificou a Randon sobre a abertura de um inquérito. A empresa fazia vendas ocasionais e em pequena escala ao Iraque desde 1978, mas em novembro de 1999 um de seus gerentes, Jascivan de Souza Carvalho, acertou a exportação de cem semi-reboques tanques para a estatal iraquiana Oil Distribution Company. A Randon comemorou.

Segundo investigadores da ONU, em apenas dois contratos (números 93081 e 930399) ela faturou US$ 1.384.676. O preço cobrado foi inflacionado em US$ 134.201 em relação ao valor de face do contrato. A indústria gaúcha embutiu US$ 125.245 em propinas, disfarçadas de “taxas de serviço pós-venda” na entrega, e mais US$ 1.800 em “taxas de transporte terrestre”.

Os pagamentos dos subornos feitos pela Randon, informa a ONU, estão registrados no Ministério das Finanças do Iraque e foram “totalmente confirmados por informação bancária”. Durante semanas O GLOBO tentou, sem êxito, obter explicações da empresa.

Já a Valtra do Brasil, de Mogi das Cruzes (SP), diz estar “surpreendida”. Suas operações com o Iraque, alega, ocorreram “dentro da mais perfeita legalidade”. Ela vendeu tratores e peças ao Iraque em 2002.

Em dois contratos investigados, a Valtra ganhou US$ 3.152.742. Um deles (número 602086) apresentava valor de face de US$ 1.994.606, mas acabou custando US$ 2.443.242 ao Iraque — US$ 448.636 acima do preço. Nesse contrato, a Valtra pagou ao menos US$ 181.316 em subornos, como taxas.

A Weg Indústrias, de Jaraguá do Sul (SC), exportou motores e equipamentos elétricos dentro do programa de ajuda humanitária aos iraquianos. Em um contrato (número 802018), com o valor de face de US$ 997.765, cobrou US$ 1.059.171 —- diferença de US$ 61.406.

Segundo a ONU, a Weg pagou pelo menos US$ 96.288 em propinas, sob a forma de taxas. A indústria alega ter feito o negócio “através de Agente Comercial Independente”. Diz, também, ter investigado a conduta desse agente e não viu irregularidade. Mas não informa o nome do agente e também não explica as taxas cobradas — classificadas pela ONU como subornos. O procurador da República Claudio Dutra Fontella decidiu fazer uma investigação preliminar contra a Weg em Jaraguá do Sul (SC).

A dois mil quilômetros dali, em Piracicaba (SP), a procuradora Adriana Marins abriu outra investigação, desta vez contra a Motocana, que vendeu carregadeiras de cana.

— Fizemos uma exportação normal — contou Renato Campos, gerente. — Pagaram direito.

A Motocana recebeu US$ 314.279 num contrato (número 1000790) cujo valor de face era US$ 279.844 — US$ 34.435 acima do preço. E pagou US$ 29.786 em propinas, como “taxas”, segundo a ONU. Em novembro de 2003, seu gerente Ulisses Lopes Martins esteve na cidade de Maisan, a 400 quilômetros ao sul de Bagdá, para entregar as carregadeiras a uma usina de açúcar, de propriedade de um grupo privado ligado a Saddam.

MR-8 negociou 6,5 milhões de barris de petróleo

José Casado, Chico Otavio
e Toni Marques

O Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) — facção do PMDB de São Paulo —, ganhou de presente do regime de Sadam Hussein uma substancial partida de petróleo.

Os Estados Unidos preparavam a invasão do Iraque e ele decidira ampliar alianças: escolheu organizações políticas e líderes capazes de reproduzir sua defesa pelo mundo. Sedimentou essa relação com um sistema de doação de comissões sobre a venda de barris de petróleo retirados de forma ilegal do estoque da estatal Somo, equivalente iraquiana da Petrobras. Na época, a ONU só permitia a exportação de petróleo para financiar a compra de comida e medicamentos para uma população que entre 1995 e 2001 assistira à morte de 576 mil crianças por inanição, segundo os registros oficiais.

O MR-8 conseguiu receber e vender no mercado mundial de petróleo pelo menos 6,5 milhões de barris. Uma parte disso, correspondente a 4,5 milhões de barris, foi repassada a empresas privadas em sociedade com um de seus dirigentes, o empresário Nelson Chaves dos Santos.

Paulista de Araçatuba, Nelson Chaves, como é conhecido no PMDB, foi um dos primeiros presos políticos beneficiados pela lei de anistia, em 1979. Os investigadores da ONU o identificaram como “beneficiário não-contratual” na venda total de 6,5 milhões de barris, dos quais 2 milhões aparentemente em benefício próprio.

O empresário e dirigente do MR-8 vendeu — sem participação do grupo — a cota que ganhara de Saddam para a National Oil Well Maintenace Co., do Qatar (contrato M/10/89).

Em sociedade com a organização política repassou (contrato M/11/133) outros 1,5 milhão de barris à Oil & Gas Service Group Ltd., do Paquistão; mais 1,5 milhão (contrato M/12/71) à B. C. Invest, da Suíça; e ainda 1,5 milhão a uma companhia não identificada pela ONU, mas que a estatal iraquiana Somo registrou na contabilidade.

Nelson Chaves nega tudo, e argumenta:

— É preciso defender os interesses do Brasil. Nossas empresas de máquinas agrícolas lutam com dificuldade contra os americanos. O que sempre fizemos foi dar solidariedade. Demos a nossa ajuda para mostrar que eles (os americanos) eram safados. Nunca recebemos por isso.

Outros 2,047 milhões de barris o MR-8 comercializou em sociedade com um ex-embaixador do Iraque no Brasil, segundo a ONU. Jahad Karam chegou ao Brasil nos anos 1970, quando o comércio entre os dois países fluía no compasso dos negócios das fábricas de armas Engesa e Avibrás, e da empreiteira Mendes Júnior, cujo canteiro de obras em volta de Bagdá abrigava 15 mil brasileiros.

Karam intermediou o repasse da cota do MR-8 para a Primacosa Enterprises Ltd., do Chipre. Os registros sobre os contratos (M/10/88 e M/11/24) e os beneficiários, aos quais a ONU teve acesso, ficaram no arquivo da estatal Somo, apreendido depois da invasão.

A Primacosa é uma empresa ligada a Augusto Giangrandi, que tem dupla nacionalidade chilena e italiana. Giangrandi destacou-se no tráfico mundial de armas pelo desempenho em sociedade com outro chileno, Carlos Cardoen, como fornecedor das tropas de Saddam Hussein durante a guerra contra o Irã (1980-1988).

MR-8 negociou com traficante de armas

É possível que os dirigentes do MR-8 não soubessem quem era, mas é improvável que o embaixador Karam não conhecesse Giangrandi.

Ele era figura fácil nos salões do poder em Bagdá, conta um amigo de ambos, Fouad Sarhan, comerciante, antigo representante da Iraq Airwais no Brasil.

Sarhan, de 69 anos, é libanês de nascimento e naturalizado brasileiro. Foi outro dos beneficiários das cotas de petróleo distribuídas por Saddam. Em três contratos (M/08/107; M/09/110 e M/10/29), ele aparece como intermediário na venda 5,5 milhões de barris de petróleo do Iraque, para Besler Nakliat Petrol Urunleri Sanayi Ve Ticaret, da Turquia, e para a Hash Ro Shipping Oil S.R. L., da Romênia. Sarhan admite que vendeu muito mais: 8 a 9 milhões de barris, calcula.


— De petróleo só entendo o nome — diz Sarhan. — Perdi US$ 2 milhões nos negócios da Iraq Airways, só consegui recuperar US$ 150 mil com as cotas que recebi de Bagdá — lamenta.

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Ao todo são identificadas:
139 comissões sobre carregamentos de Petróleo
2235 Empresas que pagaram "Comissões"ao Governo de Saddam. Usualmente esse valor significava até 10% do valor totaldo contrato.

Dados Volcker Report liberado no dia 27 Outubro 2005

http://www.defesanet.com.br/brasil/oil_for_food.htm