A Amazônia é o pulmão do mundo
Enviado: 18 Fev 2006, 13:28
por Alexandre Taschetto de Castro
em 20/04/04
Nas últimas décadas, a preocupação com o meio-ambiente passou a receber um grande destaque na sociedade. Infelizmente, apesar de sua validade e importância, este movimento também ajudou a propagar noções completamente equivocadas e sem base científica. Em meio aos esforços de proteção da floresta amazônica, destacou-se o conceito de que a Amazônia seria o pulmão do mundo: absorvendo dióxido de carbono da atmosfera e convertendo-o em oxigênio através da fotossíntese, suas árvores garantiriam os níveis de oxigênio da atmosfera.
Vamos começar com um pouco de biologia básica. Qualquer vestibulando sabe (ou deveria saber...) que os seres vivos produzem a energia necessária para sua sobrevivência através da queima de certas substâncias, principalmente carboidratos (açúcares). Se você já fez dieta, provavelmente aprendeu que um grama de açúcar gera quatro calorias de energia enquanto um grama de gordura produz nove calorias. Esse processo é chamado de respiração celular e pode ocorrer de duas formas, usando oxigênio (respiração aeróbica) ou não (respiração anaeróbica). A respiração aeróbica é muito mais eficiente (produz mais energia) e é a forma predominante na natureza. Apenas alguns tipos de microorganismos dependem exclusivamente da respiração anaeróbica (e alguns nem sobrevivem na presença de oxigênio). Em caso de um suprimento limitado de alimento nós também usamos uma forma de respiração anaeróbica, que gera ácido láctico (um dos responsáveis por aquela dor muscular depois de exercícios muito intensos, onde a demanda de energia supera a capacidade do sistema respiratório de prover oxigênio). A produção de dióxido de carbono ocorre em ambos os tipos de respiração celular, tanto em animais quanto em plantas. A diferença entre os animais e as plantas está na forma como eles obtêm os carboidratos que serão queimados na produção de energia.
É aqui que entra a fotossíntese. Enquanto os animais obtêm seus carboidratos (e gorduras e outros nutrientes...) através da ingestão de plantas ou outros animais, a maioria dos vegetais (existem exceções) utiliza um processo mais simples onde água e dióxido de carbono são combinados quimicamente, com a ajuda da luz do sol, produzindo carboidratos e oxigênio. Então realmente, durante a fotossíntese, as árvores da Amazônia absorvem dióxido de carbono e liberam oxigênio. Mas isso é apenas metade da história... afinal de contas, as árvores ainda queimarão os carboidratos produzidos na fotossíntese, produzindo energia e dióxido de carbono, lembra?
A respiração celular e a fotossíntese, então, se completam em um ciclo (veja a figura). Mas esse ciclo se equilibra perfeitamente? Todo o oxigênio produzido por uma árvore através da fotossíntese é consumido na obtenção de energia através de sua respiração celular? Na verdade, não. Parte dos carboidratos produzidos pela fotossíntese não são queimados e sim incorporados à estrutura da planta à medida que ela cresce (amido e celulose são carboidratos complexos). Em outras palavras, a planta "fixa" parte do carbono que ela remove da atmosfera.
O resultado final é que realmente as árvores produzem um excesso de oxigênio, mas - aqui está a pegadinha - enquanto elas estão vivas. Quando uma árvore morre e apodrece, este excesso de oxigênio vai ser consumido pelas bactérias aeróbicas que se alimentam dos restos da árvore, fechando um ciclo cujo efeito final é nulo - nenhum oxigênio produzido pelas árvores (ou por qualquer outro vegetal fotossintético que fique exposto à atmosfera ao morrer) sobra para a atmosfera. Ou seja, todo aquele carbono que havia sido incorporado à estrutura da árvore é transformado de volta em dióxido de carbono e devolvido à atmosfera. E, diga-se de passagem, o efeito é o mesmo, quer a árvore morra e se decomponha naturalmente ou seja queimada.
Então quem alimenta a atmosfera de oxigênio? As plantas que não ficam expostas à atmosfera quando morrem - principalmente algas e outros organismos fotossintéticos (o chamado fitoplâncton), que vivem próximo à superfície dos oceanos e se depositam no seu fundo ao morrer, onde são decompostos por microorganismos anaeróbicos e ajudam a formar as rochas sedimentares.
O transporte de oxigênio e dióxido de carbono na atmosfera faz parte, na verdade, de uma série de ciclos complexos que têm vários outros participantes além dos seres vivos. Quantidades de oxigênio e dióxido de carbono, por exemplo, são dissolvidas na água dos oceanos ou incorporadas à crosta terrestre na forma de minérios e rochas.
Em suma, podemos dar vários motivos para proteger as florestas, mas os níveis de oxigênio e dióxido de carbono da atmosfera não são um deles. Aliás, a própria escolha do termo "pulmão do mundo" já demonstra um certo desconhecimento de biologia. Afinal de contas, nossos pulmões absorvem oxigênio e liberam dióxido de carbono, e não o contrário.
http://www.projetoockham.org/boatos_pulmao_1.html
em 20/04/04
Nas últimas décadas, a preocupação com o meio-ambiente passou a receber um grande destaque na sociedade. Infelizmente, apesar de sua validade e importância, este movimento também ajudou a propagar noções completamente equivocadas e sem base científica. Em meio aos esforços de proteção da floresta amazônica, destacou-se o conceito de que a Amazônia seria o pulmão do mundo: absorvendo dióxido de carbono da atmosfera e convertendo-o em oxigênio através da fotossíntese, suas árvores garantiriam os níveis de oxigênio da atmosfera.
Vamos começar com um pouco de biologia básica. Qualquer vestibulando sabe (ou deveria saber...) que os seres vivos produzem a energia necessária para sua sobrevivência através da queima de certas substâncias, principalmente carboidratos (açúcares). Se você já fez dieta, provavelmente aprendeu que um grama de açúcar gera quatro calorias de energia enquanto um grama de gordura produz nove calorias. Esse processo é chamado de respiração celular e pode ocorrer de duas formas, usando oxigênio (respiração aeróbica) ou não (respiração anaeróbica). A respiração aeróbica é muito mais eficiente (produz mais energia) e é a forma predominante na natureza. Apenas alguns tipos de microorganismos dependem exclusivamente da respiração anaeróbica (e alguns nem sobrevivem na presença de oxigênio). Em caso de um suprimento limitado de alimento nós também usamos uma forma de respiração anaeróbica, que gera ácido láctico (um dos responsáveis por aquela dor muscular depois de exercícios muito intensos, onde a demanda de energia supera a capacidade do sistema respiratório de prover oxigênio). A produção de dióxido de carbono ocorre em ambos os tipos de respiração celular, tanto em animais quanto em plantas. A diferença entre os animais e as plantas está na forma como eles obtêm os carboidratos que serão queimados na produção de energia.
É aqui que entra a fotossíntese. Enquanto os animais obtêm seus carboidratos (e gorduras e outros nutrientes...) através da ingestão de plantas ou outros animais, a maioria dos vegetais (existem exceções) utiliza um processo mais simples onde água e dióxido de carbono são combinados quimicamente, com a ajuda da luz do sol, produzindo carboidratos e oxigênio. Então realmente, durante a fotossíntese, as árvores da Amazônia absorvem dióxido de carbono e liberam oxigênio. Mas isso é apenas metade da história... afinal de contas, as árvores ainda queimarão os carboidratos produzidos na fotossíntese, produzindo energia e dióxido de carbono, lembra?
A respiração celular e a fotossíntese, então, se completam em um ciclo (veja a figura). Mas esse ciclo se equilibra perfeitamente? Todo o oxigênio produzido por uma árvore através da fotossíntese é consumido na obtenção de energia através de sua respiração celular? Na verdade, não. Parte dos carboidratos produzidos pela fotossíntese não são queimados e sim incorporados à estrutura da planta à medida que ela cresce (amido e celulose são carboidratos complexos). Em outras palavras, a planta "fixa" parte do carbono que ela remove da atmosfera.

O resultado final é que realmente as árvores produzem um excesso de oxigênio, mas - aqui está a pegadinha - enquanto elas estão vivas. Quando uma árvore morre e apodrece, este excesso de oxigênio vai ser consumido pelas bactérias aeróbicas que se alimentam dos restos da árvore, fechando um ciclo cujo efeito final é nulo - nenhum oxigênio produzido pelas árvores (ou por qualquer outro vegetal fotossintético que fique exposto à atmosfera ao morrer) sobra para a atmosfera. Ou seja, todo aquele carbono que havia sido incorporado à estrutura da árvore é transformado de volta em dióxido de carbono e devolvido à atmosfera. E, diga-se de passagem, o efeito é o mesmo, quer a árvore morra e se decomponha naturalmente ou seja queimada.
Então quem alimenta a atmosfera de oxigênio? As plantas que não ficam expostas à atmosfera quando morrem - principalmente algas e outros organismos fotossintéticos (o chamado fitoplâncton), que vivem próximo à superfície dos oceanos e se depositam no seu fundo ao morrer, onde são decompostos por microorganismos anaeróbicos e ajudam a formar as rochas sedimentares.
O transporte de oxigênio e dióxido de carbono na atmosfera faz parte, na verdade, de uma série de ciclos complexos que têm vários outros participantes além dos seres vivos. Quantidades de oxigênio e dióxido de carbono, por exemplo, são dissolvidas na água dos oceanos ou incorporadas à crosta terrestre na forma de minérios e rochas.
Em suma, podemos dar vários motivos para proteger as florestas, mas os níveis de oxigênio e dióxido de carbono da atmosfera não são um deles. Aliás, a própria escolha do termo "pulmão do mundo" já demonstra um certo desconhecimento de biologia. Afinal de contas, nossos pulmões absorvem oxigênio e liberam dióxido de carbono, e não o contrário.
http://www.projetoockham.org/boatos_pulmao_1.html