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Tortura em nome da liberdade

Enviado: 21 Fev 2006, 01:54
por spink
Der Spiegel



São fotos que gelam o nosso sangue. Nos tiram o fôlego. Revolvem o nosso estômago. São espécies de fotos que nos fazem indagar que tipo de seres humanos faria tais coisas com outros seres humanos. Elas provocam raiva, repulsa e vergonha.

Uma das fotos mostra um prisioneiro ensanduichado entre duas macas, como se fizesse parte de uma propaganda perversa de hambúrguer. Em outra foto, um detento desorientado, com o corpo untado com uma substância não identificada, caminha tropegamente por um corredor da prisão. Uma terceira imagem mostra um homem encapuzado aguardando indefeso que alguém o retire de um banco, tendo fios elétricos presos ao corpo.

E há várias outras fotos --todas elas mostrando prisioneiros sendo deliberadamente humilhados para deleite dos seus captores; homens desnudados e obrigados a ficar em uma postura de submissão. Mas não se trata só de humilhação --as fotos também mostram dor física.

Em uma delas, um soldado norte-americano se ajoelha sobre as costas de um prisioneiro iraquiano nu. Ao lado, uma poça de sangue indica a violência do tratamento recebido pelo detento. Em uma outra, um prisioneiro se curva profundamente, como se fosse um lacaio, em frente a um oficial militar norte-americano: é "A Cabana do Pai Tomás" no Oriente Médio.

Mais uma vez, imagens da prisão Abu Ghraib ficam marcadas na memória coletiva do mundo, o legado chocante de uma superpotência que se descontrolou --ícones de vergonha para os Estados Unidos. Elas se transformarão nas imagens que as futuras gerações associarão à guerra no Iraque, assim como a foto de um chefe policial pró-americano de Saigon, apontando uma pistola para a têmpora de um guerrilheiro vietcongue, com o dedo preste a puxar o gatilho, se tornou um símbolo da Guerra do Vietnã.

Pouco relevante é o fato de as fotos até então não publicadas da prisão Abu Ghraib, tiradas em 2003 - cerca de 24 delas --serem apenas variações de temas familiares. Também não importa que pelo menos alguns dos perpetradores --foram poupados os oficiais de alta patente-- já tenham sido levados a julgamento em tribunais militares nos Estados Unidos.

Assim como as suas predecessoras, estas novas fotos contam com o poder para gerar uma dinâmica própria - o que faz delas o perfeito instrumento de propaganda para adversários ideológicos.

Atiçando os fiéis

Os muçulmanos, particularmente no Paquistão e na Malásia, ainda estão irados com a publicação de caricaturas do profeta Maomé em jornais europeus.

Na sexta-feira passada, dia 17, pelo menos dez pessoas morreram na cidade líbia de Benghazi, quando a polícia tentou impedi-las de invadir o consulado italiano. O ministro da Reforma italiano, Roberto Calderoli, intensificou a ira dos fiéis ao aparecer na televisão usando uma camiseta com uma charge de Maomé.

Os governos de países como o Irã e a Síria atiçaram ainda mais os fiéis. Enquanto isso, europeus e norte-americanos, de forma justificável, afirmaram que a liberdade de imprensa é um valor que vale a pena defender --contra agitadores de ambos os lados.

O impacto destas novas fotos da Abu Ghraib só foi amplificado pelo fato de a sua divulgação coincidir com as manifestações desencadeadas pelas caricaturas dinamarquesas de Maomé. No mundo islâmico, as fotos são tidas como uma prova de que as campanhas militares dos Estados Unidos no Afeganistão e no Iraque não passam de mal disfarçadas expedições colonialistas conduzidas em nome da democracia.

Sob o ponto de vista do Oriente Médio, a liberdade e os direitos humanos que os norte-americanos afirmam estar levando até um mundo oprimido não passam de uma fachada, de um falso álibi de Washington para impor a sua agenda de globalização. E para muitos no mundo árabe, estes valores apresentados pelos norte-americanos não passam de elementos sinistros de uma campanha de marketing ardilosa, e até mesmo fraudulenta, com o objetivo de humilhar os muçulmanos.

Os crimes cometidos pelos soldados norte-americanos em nome da liberdade e dos direitos humanos, documentados em fotos inalteráveis, parecem confirmar a suspeita de que o verdadeiro objetivo dos Estados Unidos é algo inteiramente diferente --que os Estados Unidos estão basicamente interessados em impor a sua própria ordem mundial e preservar o seu domínio sobre o planeta.

Resumindo, para os Estados Unidos, a mais poderosa e influente potência global da história, as imagens da prisão Abu Ghraib - e a discussão em curso sobre a legalidade dos seus campos de prisioneiros em Guantánamo - produziram uma catástrofe moral que provavelmente persistirá por muito tempo.

Imagens vitoriosas rapidamente eclipsadas

Se Washington tivesse conseguido controlar os fatos como planejava, imagens inteiramente diferentes viriam a simbolizar a campanha dos Estados Unidos contra o ditador iraquiano Saddam Hussein.

A imagem da derrubada da enorme estátua de Saddam em Bagdá, por exemplo --o símbolo ideal da queda do ditador. E depois a triunfante aparição televisiva do presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, a bordo do porta-aviões "Abraham Lincoln", tendo atrás de si, orgulhosa e fotogenicamente, uma grande faixa com as palavras "Missão Cumprida".

Mas naquele momento em que o presidente anunciava um fim das hostilidades no Iraque, uma insurgência iraquiana amarga e brutal estava apenas começando --uma resistência que uniu ex-oficiais do exército de Saddam Hussein a combatentes estrangeiros da Al Qaeda.

As imagens vitoriosas foram rapidamente eclipsadas. Até mesmo o julgamento do ex-ditador surge como uma farsa nos dias de hoje, apesar de todos os esforços no sentido de que o acontecimento transmita uma impressão de lei e ordem.

A batalha pelos corações e mentes dos iraquianos pode provavelmente ser contabilizada como uma derrota --a incapacidade de suprir para todos serviços que são necessidades básicas, como eletricidade e água potável, representa um grande fiasco para as forças armadas dos Estados Unidos.

Os atentados suicidas a bomba e os seqüestros diários atingem principalmente os iraquianos comuns. Para muitos deles, a vida agora é mais difícil do que durante o regime de Saddam Hussein. As forças armadas norte-americanas também estão sofrendo. As baixas aumentam quase que diariamente. O número de soldados norte-americanos mortos chegou a 2.272 na última sexta-feira.

E agora os norte-americanos perderam também a batalha das imagens.

Re.: Tortura em nome da liberdade

Enviado: 21 Fev 2006, 02:06
por Poindexter
Não se pode generalizar esses crimes à todos os E.U.A.!