Film turco com "anti-rambo"
Enviado: 22 Fev 2006, 11:11
Filme sobre Iraque mostra Rambo antiamericano
"Vale dos Lobos" causa críticas e pedidos de censura na Alemanha
Marc Bassets
Em Berlim
Os bons são muito bons e os maus, muito maus. Os maus matam crianças e mulheres inocentes, extirpam os órgãos dos prisioneiros iraquianos para exportá-los a Israel e depois rezam diante de uma imagem de Jesus Cristo. Na superprodução turca "O Vale dos Lobos: Iraque", os maus são os cristãos americanos e os bons, agentes turcos e xeques árabes.
Na tarde do último sábado, dia 18, quando ao final do filme o herói, o agente secreto turco Polat Alemdar, crava um punhal no coração de Sam Marshall, o vilão americano, o cine Alhambra de Wedding, um bairro de Berlim com alta porcentagem de cidadãos de origem turca, explodiu num aplauso espontâneo.
"O Vale dos Lobos", a produção mais cara da história do cinema turco, estreou em 9 de fevereiro em sete países europeus. Entre eles a Alemanha, o país da União Européia com mais cidadãos de origem turca, onde é exibido em 68 cinemas e já foi visto por cerca de 200 mil espectadores.
O antiamericanismo desse Rambo à la turca provocou fortes críticas na imprensa alemã, que o qualificou de propaganda barata contra cristãos e judeus e expressou seu estupor por ver uma mensagem tão maniqueísta na Alemanha --país que, como a Turquia, é aliado dos EUA.
Mas hoje os multiplex dos bairros de imigrantes lotam com um público que vai ver um filme de ação em que os mocinhos não são os de sempre. "O Vale dos Lobos" chega à Alemanha, onde vivem cerca de 2,5 milhões de cidadãos de origem turca, justamente quando a reação de parte do islã às caricaturas de Maomé publicadas em um jornal dinamarquês alimentam o temor de um choque cultural entre o mundo muçulmano e a Europa ocidental.
A superprodução turca também dá um novo viés ao debate sobre a liberdade de expressão, gerado pelo desejo de algumas autoridades políticas e religiosas muçulmanas de censurar as caricaturas dinamarquesas. Até agora o governo dinamarquês resistiu às pressões para condenar as charges. Agora os apelos à censura vêm da Alemanha.
"Exijo que os cinemas deixem de exibir esse filme que fomenta o ódio racista e antiocidental", disse neste fim de semana o social-cristão Edmund Stoiber, primeiro-ministro da Baviera. O Conselho Central dos Judeus na Alemanha aderiu a essa exigência. Stoiber também pediu que o governo turco condene o filme.
Para o jornal de centro-esquerda "Suddeutsche Zeitung", censurar o filme seria "a resposta equivocada". "Acreditávamos que dos debates das últimas semanas havíamos destilado uma das virtudes da cultura européia: que é capaz de suportar e engolir insultos sem apelar para a censura", diz um artigo publicado nesta terça-feira.
Se a famosa caricatura de Maomé parte do fato de que muitos terroristas assassinaram em nome do islã, a caricatura dos EUA e do cristianismo que aparece em "O Vale dos Lobos" também se baseia nas torturas da prisão de Abu Ghraib, salientou o jornal "Frankfurter Allgemeine Zeitung" em artigo intitulado "As Caricaturas de Cristo".
O filme começa com um fato real. Em 4 de julho de 2003, um comando americano assaltou um quartel clandestino de forças especiais turcas no norte do Iraque. Os 11 militares turcos que estavam em seu interior saíram com as cabeças cobertas por sacos. O agente Polat Alemdar viaja ao norte do Iraque ocupado pelos EUA para vingar essa humilhação.
Interpretado pelo conhecido ator turco Necati Sasmaz, Alemdar enfrenta Sam Marshall, o comandante das forças especiais americanas que age como uma espécie de vice-rei da região. Marshall é um sádico que não tem problemas para assassinar, deportar e torturar civis, desde que imponha a hegemonia dos EUA.
Um dos parceiros de Marshall é um médico --uma espécie de doutor Mengele-- que trabalha na prisão de Abu Ghraib e pede ao vilão que não lhe envie os prisioneiros moribundos, porque precisa deles vivos para extrair seus órgãos. Além do agente Alemdar, Marshall tem como inimigo um bondoso xeque árabe que condena os atentados suicidas em nome do islã e impede a execução de um refém ocidental.
Talvez desde os tempos da Alemanha Oriental não se vissem mensagens tão fortemente antiamericanas nas telas alemãs. No sábado, no cine Alhambra de Wedding o público era variado: famílias e jovens turcos, mas também alemães curiosos para ver um filme que começa a dar o que falar. O filme era em versão original com legendas. Quando terminou, houve aplausos.
"Vale dos Lobos" causa críticas e pedidos de censura na Alemanha
Marc Bassets
Em Berlim
Os bons são muito bons e os maus, muito maus. Os maus matam crianças e mulheres inocentes, extirpam os órgãos dos prisioneiros iraquianos para exportá-los a Israel e depois rezam diante de uma imagem de Jesus Cristo. Na superprodução turca "O Vale dos Lobos: Iraque", os maus são os cristãos americanos e os bons, agentes turcos e xeques árabes.
Na tarde do último sábado, dia 18, quando ao final do filme o herói, o agente secreto turco Polat Alemdar, crava um punhal no coração de Sam Marshall, o vilão americano, o cine Alhambra de Wedding, um bairro de Berlim com alta porcentagem de cidadãos de origem turca, explodiu num aplauso espontâneo.
"O Vale dos Lobos", a produção mais cara da história do cinema turco, estreou em 9 de fevereiro em sete países europeus. Entre eles a Alemanha, o país da União Européia com mais cidadãos de origem turca, onde é exibido em 68 cinemas e já foi visto por cerca de 200 mil espectadores.
O antiamericanismo desse Rambo à la turca provocou fortes críticas na imprensa alemã, que o qualificou de propaganda barata contra cristãos e judeus e expressou seu estupor por ver uma mensagem tão maniqueísta na Alemanha --país que, como a Turquia, é aliado dos EUA.
Mas hoje os multiplex dos bairros de imigrantes lotam com um público que vai ver um filme de ação em que os mocinhos não são os de sempre. "O Vale dos Lobos" chega à Alemanha, onde vivem cerca de 2,5 milhões de cidadãos de origem turca, justamente quando a reação de parte do islã às caricaturas de Maomé publicadas em um jornal dinamarquês alimentam o temor de um choque cultural entre o mundo muçulmano e a Europa ocidental.
A superprodução turca também dá um novo viés ao debate sobre a liberdade de expressão, gerado pelo desejo de algumas autoridades políticas e religiosas muçulmanas de censurar as caricaturas dinamarquesas. Até agora o governo dinamarquês resistiu às pressões para condenar as charges. Agora os apelos à censura vêm da Alemanha.
"Exijo que os cinemas deixem de exibir esse filme que fomenta o ódio racista e antiocidental", disse neste fim de semana o social-cristão Edmund Stoiber, primeiro-ministro da Baviera. O Conselho Central dos Judeus na Alemanha aderiu a essa exigência. Stoiber também pediu que o governo turco condene o filme.
Para o jornal de centro-esquerda "Suddeutsche Zeitung", censurar o filme seria "a resposta equivocada". "Acreditávamos que dos debates das últimas semanas havíamos destilado uma das virtudes da cultura européia: que é capaz de suportar e engolir insultos sem apelar para a censura", diz um artigo publicado nesta terça-feira.
Se a famosa caricatura de Maomé parte do fato de que muitos terroristas assassinaram em nome do islã, a caricatura dos EUA e do cristianismo que aparece em "O Vale dos Lobos" também se baseia nas torturas da prisão de Abu Ghraib, salientou o jornal "Frankfurter Allgemeine Zeitung" em artigo intitulado "As Caricaturas de Cristo".
O filme começa com um fato real. Em 4 de julho de 2003, um comando americano assaltou um quartel clandestino de forças especiais turcas no norte do Iraque. Os 11 militares turcos que estavam em seu interior saíram com as cabeças cobertas por sacos. O agente Polat Alemdar viaja ao norte do Iraque ocupado pelos EUA para vingar essa humilhação.
Interpretado pelo conhecido ator turco Necati Sasmaz, Alemdar enfrenta Sam Marshall, o comandante das forças especiais americanas que age como uma espécie de vice-rei da região. Marshall é um sádico que não tem problemas para assassinar, deportar e torturar civis, desde que imponha a hegemonia dos EUA.
Um dos parceiros de Marshall é um médico --uma espécie de doutor Mengele-- que trabalha na prisão de Abu Ghraib e pede ao vilão que não lhe envie os prisioneiros moribundos, porque precisa deles vivos para extrair seus órgãos. Além do agente Alemdar, Marshall tem como inimigo um bondoso xeque árabe que condena os atentados suicidas em nome do islã e impede a execução de um refém ocidental.
Talvez desde os tempos da Alemanha Oriental não se vissem mensagens tão fortemente antiamericanas nas telas alemãs. No sábado, no cine Alhambra de Wedding o público era variado: famílias e jovens turcos, mas também alemães curiosos para ver um filme que começa a dar o que falar. O filme era em versão original com legendas. Quando terminou, houve aplausos.