Maometanos e o Caldeirão de fanatismos
Enviado: 24 Fev 2006, 14:58
Caldeirão de fanatismos
MARCELO RECH
Uma das características das guerras civis é que elas não são declaradas formalmente. Conflitos do gênero simplesmente irrompem, em geral desencadeados por duas forças: o ódio mútuo até então represado e o ataque a símbolos reverenciados pelo inimigo. O rancor entre xiitas e sunitas já havia deitado raízes no Iraque muito antes de Saddam Hussein ser desalojado do poder. Faltava a profanação do símbolo. Ela veio na forma da conspurcação de templos, entre eles a Mesquita Dourada de Samarra.
Rotas de saída de ditaduras são especialmente propensas a guerras civis. O súbito desaparecimento de cultos a personalidades e da repressão a manifestações é terreno fértil para que povos unidos na marra se entreguem ao ajuste de contas do passado. Assistiu-se ao fenômeno, por exemplo, na atabalhoada transição da União Soviética para uma colcha de repúblicas independentes ou que pretendiam sê-lo. O que a mão-de-ferro de Stalin uniu deu lugar a guerras civis regionalizadas, entre elas na Geórgia e na Chechênia, tão logo a sombra de Moscou se esvaeceu. A Iugoslávia do Marechal Tito era tida como um modelo de convivência de contrários. Morto o ditador, constatou-se que era uma confederação de rancores. Por mais de cinco anos, os Bálcãs foram ensangüentados por um conflito - assim como no Iraque - de fundo religioso: católicos croatas, muçulmanos bósnios e ortodoxos sérvios se engalfinharam em massacres sem fim até a intervenção decisiva da ONU.
No caso iraquiano, a perspectiva é mais assustadora ainda. Se a escalada não for contida com o desarmamento de espíritos, a guerra civil não é o pior pesadelo. No redemoinho de fanatismos religiosos do Oriente Médio, há possibilidade de o conflito transbordar para os vizinhos Irã, Síria, Jordânia e Arábia Saudita. Com todos metendo a colher no caldeirão iraquiano, é o mundo que vai ferver.
MARCELO RECH
Uma das características das guerras civis é que elas não são declaradas formalmente. Conflitos do gênero simplesmente irrompem, em geral desencadeados por duas forças: o ódio mútuo até então represado e o ataque a símbolos reverenciados pelo inimigo. O rancor entre xiitas e sunitas já havia deitado raízes no Iraque muito antes de Saddam Hussein ser desalojado do poder. Faltava a profanação do símbolo. Ela veio na forma da conspurcação de templos, entre eles a Mesquita Dourada de Samarra.
Rotas de saída de ditaduras são especialmente propensas a guerras civis. O súbito desaparecimento de cultos a personalidades e da repressão a manifestações é terreno fértil para que povos unidos na marra se entreguem ao ajuste de contas do passado. Assistiu-se ao fenômeno, por exemplo, na atabalhoada transição da União Soviética para uma colcha de repúblicas independentes ou que pretendiam sê-lo. O que a mão-de-ferro de Stalin uniu deu lugar a guerras civis regionalizadas, entre elas na Geórgia e na Chechênia, tão logo a sombra de Moscou se esvaeceu. A Iugoslávia do Marechal Tito era tida como um modelo de convivência de contrários. Morto o ditador, constatou-se que era uma confederação de rancores. Por mais de cinco anos, os Bálcãs foram ensangüentados por um conflito - assim como no Iraque - de fundo religioso: católicos croatas, muçulmanos bósnios e ortodoxos sérvios se engalfinharam em massacres sem fim até a intervenção decisiva da ONU.
No caso iraquiano, a perspectiva é mais assustadora ainda. Se a escalada não for contida com o desarmamento de espíritos, a guerra civil não é o pior pesadelo. No redemoinho de fanatismos religiosos do Oriente Médio, há possibilidade de o conflito transbordar para os vizinhos Irã, Síria, Jordânia e Arábia Saudita. Com todos metendo a colher no caldeirão iraquiano, é o mundo que vai ferver.