OS CÉTICOS
Enviado: 26 Fev 2006, 14:31
Sei lá, achei o texto uma bosta. Faz parecer que os céticos não têm vida e vivem criticando o mundo.
Segundo a definição de qualquer dicionário, cético é aquele que duvida de tudo. Se ele usou isso como premissa para o texto, aí, acredito que ele está certo.
Ele fala de "céticos" e não os restringem à religião.
O que vocês acharam?
OS CÉTICOS
Affonso Romano de Sant'Anna
Os céticos não fazem história, contemplam-na à distância, comodamente, instalados na sabedoria do não correr riscos. Nossa cultura os tem elogiado. Eu tenho minhas dúvidas sobre eles.
O cético não ajuda na construção do edifício, apenas diz: acho que desse jeito vai desabar. Mas se lhe perguntarem: então, como deve ser, ele dirá, não me perguntem, não sou engenheiro, minha função é não acreditar.
O ceticismo é o barateamento de uma certa filosofia. O cético não vive, desconfia. Não participa, espia. Não faz, assiste. O cético (em não fazendo nada) se julga melhor que todos os que fazem.
Já ouviram falar de “arte conceitual”? – aquela em que o autor não faz a obra, apenas projeta seus propósitos; não realiza, apenas diz como seria se realizasse? Pois o cético é o criador da “vida conceitual”.
Não contem com o cético para uma revolução. E se houver revolução, e se ele se misturar aos vencedores, vai dizer: vocês não perdem por esperar. Não convidem o cético para fundar uma cidade. Não é sequer bom guardião de biblioteca e é com desconfiança que ouve o canto dos pássaros.
O cético não planta uma árvore, já duvidando que a semente brote. Dependêssemos dos céticos estaríamos nas cavernas, não teríamos feito sequer o primeiro machado de pedra lascada. A sorte do cético é que outros plantam e colhem para ele.
Certas épocas elegem o cético como modelo. Tristes épocas. O cético não tem nada a perder, porque não joga. E como, em grande parte, a maioria dos sonhos humanos não se realiza como a gente pretendia, o cético considera-se sempre um profeta. Da inércia, é claro.
Fosse Deus cético e não teria sequer dito fiat. Nem Colombo teria partido para a América com aquelas três caravelas. O cético tem paralisia na alma. O irmão gêmeo do cético é o cínico.
Os céticos, é claro, são ascépticos e esqueléticos de sonhos. Os céticos têm movimentos milimétricos, movem-se em círculos rastejantes, não têm a mágica leveza do equilibrista atlético.
O cético é um ser original que precisa ser melhor pesquisado, pois só tem uma vértebra, a vértebra do invertebrado. O homem de ação age, o romântico, sonha, o cético, tem atitudes bisonhas.
O cético é cauteloso. Parece um santo humilde e, no entanto, é o maior orgulhoso: orgulha-se, não do excesso de carne, mas do osso.
O cético, enfim, é um amante perverso e curioso, pois o seu maior prazer é não ter gozo.
Affonso Romano de Sant'Anna é poeta, cronista e professor. É ainda ex-Diretor da Biblioteca Nacional (e ex-professor do editor deste sítio cético). Sua crônica contra os céticos foi publicada originalmente em O Globo de 15 de abril de 1990.
Fonte
Segundo a definição de qualquer dicionário, cético é aquele que duvida de tudo. Se ele usou isso como premissa para o texto, aí, acredito que ele está certo.
Ele fala de "céticos" e não os restringem à religião.
O que vocês acharam?
OS CÉTICOS
Affonso Romano de Sant'Anna
Os céticos não fazem história, contemplam-na à distância, comodamente, instalados na sabedoria do não correr riscos. Nossa cultura os tem elogiado. Eu tenho minhas dúvidas sobre eles.
O cético não ajuda na construção do edifício, apenas diz: acho que desse jeito vai desabar. Mas se lhe perguntarem: então, como deve ser, ele dirá, não me perguntem, não sou engenheiro, minha função é não acreditar.
O ceticismo é o barateamento de uma certa filosofia. O cético não vive, desconfia. Não participa, espia. Não faz, assiste. O cético (em não fazendo nada) se julga melhor que todos os que fazem.
Já ouviram falar de “arte conceitual”? – aquela em que o autor não faz a obra, apenas projeta seus propósitos; não realiza, apenas diz como seria se realizasse? Pois o cético é o criador da “vida conceitual”.
Não contem com o cético para uma revolução. E se houver revolução, e se ele se misturar aos vencedores, vai dizer: vocês não perdem por esperar. Não convidem o cético para fundar uma cidade. Não é sequer bom guardião de biblioteca e é com desconfiança que ouve o canto dos pássaros.
O cético não planta uma árvore, já duvidando que a semente brote. Dependêssemos dos céticos estaríamos nas cavernas, não teríamos feito sequer o primeiro machado de pedra lascada. A sorte do cético é que outros plantam e colhem para ele.
Certas épocas elegem o cético como modelo. Tristes épocas. O cético não tem nada a perder, porque não joga. E como, em grande parte, a maioria dos sonhos humanos não se realiza como a gente pretendia, o cético considera-se sempre um profeta. Da inércia, é claro.
Fosse Deus cético e não teria sequer dito fiat. Nem Colombo teria partido para a América com aquelas três caravelas. O cético tem paralisia na alma. O irmão gêmeo do cético é o cínico.
Os céticos, é claro, são ascépticos e esqueléticos de sonhos. Os céticos têm movimentos milimétricos, movem-se em círculos rastejantes, não têm a mágica leveza do equilibrista atlético.
O cético é um ser original que precisa ser melhor pesquisado, pois só tem uma vértebra, a vértebra do invertebrado. O homem de ação age, o romântico, sonha, o cético, tem atitudes bisonhas.
O cético é cauteloso. Parece um santo humilde e, no entanto, é o maior orgulhoso: orgulha-se, não do excesso de carne, mas do osso.
O cético, enfim, é um amante perverso e curioso, pois o seu maior prazer é não ter gozo.
Affonso Romano de Sant'Anna é poeta, cronista e professor. É ainda ex-Diretor da Biblioteca Nacional (e ex-professor do editor deste sítio cético). Sua crônica contra os céticos foi publicada originalmente em O Globo de 15 de abril de 1990.
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