Galinha mutante desenvolve dentes de jacaré.
Enviado: 03 Mar 2006, 16:43
Galinha mutante desenvolve dentes de jacaré.
Março
Por David Biello
Um dia, ao trabalhar até mais tarde no laboratório de biologia do desenvolvimento da Universidade do Wisconsin, Matthew Harris percebeu que o bico do embrião de uma galinha mutante que ele estava examinando havia caído. Um exame mais cuidadoso revelou que, no lugar do bico, haviam surgido pequenas protuberâncias que se assemelhavam a dentes - dentes de jacaré, mais precisamente. A descoberta acidental mostrou que as galinhas mantêm a capacidade de desenvolver dentes, mesmo que as aves tenham perdido essa característica muito tempo atrás. Fez também renascer a controversa teoria de um dos fundadores da anatomia comparada, Etienne Geoffroy Saint-Hillaire.
No começo do século XIX, Saint-Hillaire observou que papagaios em desenvolvimento apresentam pequenos nódulos no bico, semelhantes a dentes. Ele atribuiu essa particularidade ao fato de que os animais modernos seriam derivados de formas mais primitivas. Contudo, devido à sua polêmica com Georges Cuvier acerca da evolução, então no auge, a descoberta permaneceu esquecida até que Harris, ainda estudante de graduação, retomou-a após quase 200 anos.
As galinhas mutantes estudadas por Harris possuem um traço recessivo chamado "talpid". Tal característica é letal, de maneira que esses mutantes nunca chegam a nascer; alguns, porém, permanecem incubados em ovos por até 18 dias. Durante esse período, os mesmos dois tecidos a partir dos quais, em mamíferos, desenvolvem-se os dentes, unem-se na mandíbula do embrião mutante e fazem surgir primórdios de dentes, estrutura que as aves perderam há no mínimo 70 milhões de anos. "Não chega a ser um molar", explica o biólogo do desenvolvimento John Fallon, que supervisionou o trabalho de Harris. "Mas essa estrutura cônica, com a forma de um sabre, é claramente um dente. O outro animal que possui dentes assim é o jacaré."
Esforços anteriores para produzir dentes em galinhas haviam partido da idéia de introduzir informação genética de camundongos. Como resultado, as galinhas desenvolviam molares como os de mamíferos. Mas a capacidade natural que a galinha apresenta para desenvolver dentes deriva de um ancestral comum com o jacaré - o arcossauro, que é mais recente do que o elo que une as aves aos mamíferos. Contudo, o mecanismo genético que produz dentes em ratos, jacarés e galinhas mutantes permanece o mesmo.
A maneira exata como a mutação faz com que as galinhas desenvolvam dentes ainda é desconhecida, observa Fallon, mas um efeito similar pode ser obtido com galinhas normais. Harris provou esse fato ao conceber, por meio de engenharia genética, um vírus que imita os sinais moleculares da mutação. Assim, ele conseguiu que galinhas normais desenvolvessem dentes por um breve período, os quais então são reabsorvidos no bico. A descoberta desse atavismo - apresentada na edição de 21 de fevereiro de 2006 da revista Current Biology - abre um novo caminho de pesquisas na tentativa de desvendar como estruturas específicas como os dentes desaparecem em diferentes linhagens evolucionárias. A descoberta também recupera as observações pioneiras de um dos pais da anatomia comparada.
http://www2.uol.com.br/sciam/conteudo/n ... a_118.html
Março
Por David Biello
Um dia, ao trabalhar até mais tarde no laboratório de biologia do desenvolvimento da Universidade do Wisconsin, Matthew Harris percebeu que o bico do embrião de uma galinha mutante que ele estava examinando havia caído. Um exame mais cuidadoso revelou que, no lugar do bico, haviam surgido pequenas protuberâncias que se assemelhavam a dentes - dentes de jacaré, mais precisamente. A descoberta acidental mostrou que as galinhas mantêm a capacidade de desenvolver dentes, mesmo que as aves tenham perdido essa característica muito tempo atrás. Fez também renascer a controversa teoria de um dos fundadores da anatomia comparada, Etienne Geoffroy Saint-Hillaire.
No começo do século XIX, Saint-Hillaire observou que papagaios em desenvolvimento apresentam pequenos nódulos no bico, semelhantes a dentes. Ele atribuiu essa particularidade ao fato de que os animais modernos seriam derivados de formas mais primitivas. Contudo, devido à sua polêmica com Georges Cuvier acerca da evolução, então no auge, a descoberta permaneceu esquecida até que Harris, ainda estudante de graduação, retomou-a após quase 200 anos.
As galinhas mutantes estudadas por Harris possuem um traço recessivo chamado "talpid". Tal característica é letal, de maneira que esses mutantes nunca chegam a nascer; alguns, porém, permanecem incubados em ovos por até 18 dias. Durante esse período, os mesmos dois tecidos a partir dos quais, em mamíferos, desenvolvem-se os dentes, unem-se na mandíbula do embrião mutante e fazem surgir primórdios de dentes, estrutura que as aves perderam há no mínimo 70 milhões de anos. "Não chega a ser um molar", explica o biólogo do desenvolvimento John Fallon, que supervisionou o trabalho de Harris. "Mas essa estrutura cônica, com a forma de um sabre, é claramente um dente. O outro animal que possui dentes assim é o jacaré."
Esforços anteriores para produzir dentes em galinhas haviam partido da idéia de introduzir informação genética de camundongos. Como resultado, as galinhas desenvolviam molares como os de mamíferos. Mas a capacidade natural que a galinha apresenta para desenvolver dentes deriva de um ancestral comum com o jacaré - o arcossauro, que é mais recente do que o elo que une as aves aos mamíferos. Contudo, o mecanismo genético que produz dentes em ratos, jacarés e galinhas mutantes permanece o mesmo.
A maneira exata como a mutação faz com que as galinhas desenvolvam dentes ainda é desconhecida, observa Fallon, mas um efeito similar pode ser obtido com galinhas normais. Harris provou esse fato ao conceber, por meio de engenharia genética, um vírus que imita os sinais moleculares da mutação. Assim, ele conseguiu que galinhas normais desenvolvessem dentes por um breve período, os quais então são reabsorvidos no bico. A descoberta desse atavismo - apresentada na edição de 21 de fevereiro de 2006 da revista Current Biology - abre um novo caminho de pesquisas na tentativa de desvendar como estruturas específicas como os dentes desaparecem em diferentes linhagens evolucionárias. A descoberta também recupera as observações pioneiras de um dos pais da anatomia comparada.
http://www2.uol.com.br/sciam/conteudo/n ... a_118.html