Rebelam-se os cristãos
Enviado: 07 Mar 2006, 10:51
Rebelam-se os cristãos
Um dos aspectos mais importantes da eleição de 2006, seja qual for seu desfecho, será mudança na maneira de os cristãos brasileiros -sobretudo dos mais conscientes e atuantes- entenderem sua tarefa na política brasileira. Sem que se tenha percebido, ocorre convergência política entre as duas maiores comunidades cristãs do Brasil -católicos e evangélicos (os protestantes não-evangélicos são muito menos numerosos). Essa convergência é rica de significado para o futuro do país.
A elite pensante e politizada dos dois grupos -inclusive a hierarquia da Igreja Católica e os formadores de opinião entre os evangélicos- conscientizou-se de que o rumo seguido pelo governos Lula e Fernando Henrique representa assalto contra os valores dos cristãos. Desferiu-se esse assalto em nome de um fatalismo supersticioso, adornado com falsa ciência econômica e com falsa prudência tática. A esse fatalismo pagão não se renderam os cristãos brasileiros. Suas figuras mais admiráveis denunciam a transformação do Brasil estagnado em paraíso do dinheiro vadio e a redução do compromisso social a assistencialismo de migalhas, menos humilhante do que inconseqüente. Não se conformam em ver a nação tratada como massa de otários e de mendigos. Não se satisfazem com a oposição simbólica oferecida por um esquerdismo fossilizado e carente de proposta. Procuram quem os represente na sucessão presidencial. Não precisa sequer ser cristão o candidato. Precisa ser sério, capaz e inquebrantável na determinação de oferecer alternativa ao povo brasileiro.
Imaginem o que acontecerá se políticos ligados às igrejas cristãs desrespeitarem essas convicções e se oferecerem como aliados de Lula (ou da pseudo-oposição tucana), vendendo herança sagrada pelo prato de lentilhas das conveniências eleitorais e procurando refúgio no pretexto inacreditável de que Lula 2 será diferente de Lula 1. Enfrentarão a rebelião de seus supostos seguidores. A união dos cristãos na ação pública transformadora não se deixará inibir; pelo contrário, será aprofundada sob a liderança de homens e de mulheres que darão voz a um sentimento que se tornou avassalador. Mesmo se não conseguirem eleger agora presidente comprometido com a reorientação do Brasil, os rebeldes conseguirão construir força que mudará de vez a política brasileira.
República leiga, sim; privatização da religião e tabu contra o direito de lutar pelas exigências sociais da fé, num país em que a grande maioria crê em Deus e se identifica como cristã, jamais. Se nossas elites descrentes e refesteladas se incomodam de ser a relação entre religião e política no Brasil diferente do que ela é na França, tanto pior para elas.
As divergências entre católicos e evangélicos em matéria de atuação social e política são insignificantes quando comparadas com o imperativo de resistência e de reconstrução nacionais, para o qual convergem hoje evangélicos e católicos. Os que tentarem recrutá-los para o culto ao bezerro de ouro, travestido de seu oposto, podem, num primeiro momento, levar consigo os menos informados e os mais desesperados. Não prevalecerão, porém, contra a força das verdades incômodas e libertadoras. Estas serão ouvidas, ainda que ditas por bocas que não falam direito.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
http://www.law.harvard.edu/unger
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opinia ... 200607.htm
Um dos aspectos mais importantes da eleição de 2006, seja qual for seu desfecho, será mudança na maneira de os cristãos brasileiros -sobretudo dos mais conscientes e atuantes- entenderem sua tarefa na política brasileira. Sem que se tenha percebido, ocorre convergência política entre as duas maiores comunidades cristãs do Brasil -católicos e evangélicos (os protestantes não-evangélicos são muito menos numerosos). Essa convergência é rica de significado para o futuro do país.
A elite pensante e politizada dos dois grupos -inclusive a hierarquia da Igreja Católica e os formadores de opinião entre os evangélicos- conscientizou-se de que o rumo seguido pelo governos Lula e Fernando Henrique representa assalto contra os valores dos cristãos. Desferiu-se esse assalto em nome de um fatalismo supersticioso, adornado com falsa ciência econômica e com falsa prudência tática. A esse fatalismo pagão não se renderam os cristãos brasileiros. Suas figuras mais admiráveis denunciam a transformação do Brasil estagnado em paraíso do dinheiro vadio e a redução do compromisso social a assistencialismo de migalhas, menos humilhante do que inconseqüente. Não se conformam em ver a nação tratada como massa de otários e de mendigos. Não se satisfazem com a oposição simbólica oferecida por um esquerdismo fossilizado e carente de proposta. Procuram quem os represente na sucessão presidencial. Não precisa sequer ser cristão o candidato. Precisa ser sério, capaz e inquebrantável na determinação de oferecer alternativa ao povo brasileiro.
Imaginem o que acontecerá se políticos ligados às igrejas cristãs desrespeitarem essas convicções e se oferecerem como aliados de Lula (ou da pseudo-oposição tucana), vendendo herança sagrada pelo prato de lentilhas das conveniências eleitorais e procurando refúgio no pretexto inacreditável de que Lula 2 será diferente de Lula 1. Enfrentarão a rebelião de seus supostos seguidores. A união dos cristãos na ação pública transformadora não se deixará inibir; pelo contrário, será aprofundada sob a liderança de homens e de mulheres que darão voz a um sentimento que se tornou avassalador. Mesmo se não conseguirem eleger agora presidente comprometido com a reorientação do Brasil, os rebeldes conseguirão construir força que mudará de vez a política brasileira.
República leiga, sim; privatização da religião e tabu contra o direito de lutar pelas exigências sociais da fé, num país em que a grande maioria crê em Deus e se identifica como cristã, jamais. Se nossas elites descrentes e refesteladas se incomodam de ser a relação entre religião e política no Brasil diferente do que ela é na França, tanto pior para elas.
As divergências entre católicos e evangélicos em matéria de atuação social e política são insignificantes quando comparadas com o imperativo de resistência e de reconstrução nacionais, para o qual convergem hoje evangélicos e católicos. Os que tentarem recrutá-los para o culto ao bezerro de ouro, travestido de seu oposto, podem, num primeiro momento, levar consigo os menos informados e os mais desesperados. Não prevalecerão, porém, contra a força das verdades incômodas e libertadoras. Estas serão ouvidas, ainda que ditas por bocas que não falam direito.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
http://www.law.harvard.edu/unger
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opinia ... 200607.htm