Isabel, criada com galinhas
Enviado: 08 Mar 2006, 11:59
A mãe, Idalina Quaresma
Idalina, do lado esquerdo da foto, com a Isabel e Maria João, em 1980
O primeiro contacto com a mãe de Isabel foi em 1980 com os jornalistas que investigaram este caso. Os jornalistas descreveram Idalina como uma pessoa que denunciava a sua debilidade mental estando ausente e ignorando o que se passava a sua volta. Eram também nítidos sinais de perturbação neurológica, pouca capacidade de socialização e escassas noções morais. Quando questionada sobre o motivo pelo qual deixava a sua filha no curral, respondia que não a tinha onde deixar nem a podia levar para o campo.
Os vizinhos revelaram que Isabel era filha de um cunhado da sua mãe. Disseram ainda que Isabel teria uma irmã que vivia com os avós, filha de um sobrinho de sua mãe e que tinha tido outra irmã que teria morrido poucos dias depois do seu nascimento, filha de um irmão de Idalina.
Quando o caso foi levado a tribunal, Idalina foi considerada inimputável, incapaz de tomar conta da filha e de si própria.
Idalina era pois incapaz de se ocupar da filha de uma maneira mais afectiva e não tinha capacidade para decidir o que queria para a sua vida, nomeadamente na escolha dos pais para os seus filhos (que tinham sido fruto de relações incestuosas com membros da própria família). Idalina era incapaz de decidir, explicar, agir e sobretudo de enfrentar os seus próprios problemas. Era evidente uma nítida confusão temporal, baralhando a sua própria infância com a da sua filha.
Após o internamento da filha, durante os primeiros tempos, Idalina ia visitá-la à Instituição mas, progressivamente, foi deixando de ir. Tinha desinteresse por tudo, incluindo a filha e a sua própria situação. Isabel, por seu lado, não reagia perante a presença de sua mãe, não manifestando comportamentos, nem de aproximação, nem de rejeição.
Passados 18 anos, Idalina é encontrada a viver num lar e gosta de ver o retrato da filha.
A irmã de Isabel, Paula, igualmente doente mental, mas não profunda, aguarda internamento numa instituição, enquanto é assistida num centro de recuperação ligado à Santa Casa da Misericórdia.
Como se encontra Isabel? (em 1998)
Dezoito anos depois, Isabel não cresceu muito. Já anda sozinha, embora não em zonas de piso irregular ou com degraus. Diminuiu a agressividade e consegue completar jogos de colocação de peças. Tem um fascínio pelo tiquetaque dos relógios.
Continua com problemas de estômago que lhe causam grande debilidade pois a obrigam a comer pouco e a ter uma alimentação muito cuidada.
Segundo os relatórios do colégio onde esteve durante 15 anos, Isabel era afectiva e simultaneamente agressiva na tentativa de estabelecer relações. Não falava, batia os braços, mordia-se, arrancava cabelos que comia e tinha problemas de cicatrização por arrancar crostas das feridas.
Foi internada na Casa do Bom Samaritano, onde, segundo a irmã Maria José, chegou com «uma grande anemia e muitos parasitas, não se controlava e não conseguia estar sentada cinco minutos, apesar de não se equilibrar (...) não possuía qualquer concentração, comia cabelos, papel e maçarocas de milho em grão». Por outro lado, «agarrava-se às pessoas e, se não tinha resposta, beliscava-as, utilizando a agressividade para chamar a atenção. Com a mesma intenção, despia-se da cinta para cima».
Segundo a psicóloga Isabel Costa, da Casa do Bom Samaritano, Isabel teria, em 1998, uma idade mental de dois anos. «Tem um nível de compreensão simples e responde a pequenas ordens, do género de se pedir alguma coisa e ela ir buscar. Mas, se se pedirem duas, ela só traz uma, porque só capta uma ordem de cada vez». Por outro lado, refere que «a jovem não fala mas tem linguagem receptiva, se se lhe falar em termos simples e sem grandes sequências». Isabel Costa salienta ainda a evolução, nos últimos três anos, da sua capacidade de atenção e concentração. «Com a colaboração de alguém, já consegue ter uma actividade durante dez minutos seguidos e, no que respeita a socialização, já sabe estar em grupo, é participativa e tem iniciativa própria por necessidade de contacto físico.»
Na Casa do Bom Samaritano, Isabel desenvolve jogos simples e grafismos. Aprendeu a pegar num lápis e a riscar. Separa as cores e encaixa peças, frequentando o atelier psico-educativo.
E Isabel Costa acrescenta: «Percebe bem a expressão facial dos outros e sabe, pelo nosso olhar, se estamos contentes ou tristes com as suas atitudes.» Aliás, «com alguma malandrice», até reage aos nossos comportamentos.
Tudo leva a crer que é feliz.
Texto com base na reportagem sobre a "Menina Galinha - 18 anos depois", publicada no Diário de Notícias, em 14 Novembro de 1998

Idalina, do lado esquerdo da foto, com a Isabel e Maria João, em 1980
O primeiro contacto com a mãe de Isabel foi em 1980 com os jornalistas que investigaram este caso. Os jornalistas descreveram Idalina como uma pessoa que denunciava a sua debilidade mental estando ausente e ignorando o que se passava a sua volta. Eram também nítidos sinais de perturbação neurológica, pouca capacidade de socialização e escassas noções morais. Quando questionada sobre o motivo pelo qual deixava a sua filha no curral, respondia que não a tinha onde deixar nem a podia levar para o campo.
Os vizinhos revelaram que Isabel era filha de um cunhado da sua mãe. Disseram ainda que Isabel teria uma irmã que vivia com os avós, filha de um sobrinho de sua mãe e que tinha tido outra irmã que teria morrido poucos dias depois do seu nascimento, filha de um irmão de Idalina.
Quando o caso foi levado a tribunal, Idalina foi considerada inimputável, incapaz de tomar conta da filha e de si própria.
Idalina era pois incapaz de se ocupar da filha de uma maneira mais afectiva e não tinha capacidade para decidir o que queria para a sua vida, nomeadamente na escolha dos pais para os seus filhos (que tinham sido fruto de relações incestuosas com membros da própria família). Idalina era incapaz de decidir, explicar, agir e sobretudo de enfrentar os seus próprios problemas. Era evidente uma nítida confusão temporal, baralhando a sua própria infância com a da sua filha.
Após o internamento da filha, durante os primeiros tempos, Idalina ia visitá-la à Instituição mas, progressivamente, foi deixando de ir. Tinha desinteresse por tudo, incluindo a filha e a sua própria situação. Isabel, por seu lado, não reagia perante a presença de sua mãe, não manifestando comportamentos, nem de aproximação, nem de rejeição.
Passados 18 anos, Idalina é encontrada a viver num lar e gosta de ver o retrato da filha.
A irmã de Isabel, Paula, igualmente doente mental, mas não profunda, aguarda internamento numa instituição, enquanto é assistida num centro de recuperação ligado à Santa Casa da Misericórdia.
Como se encontra Isabel? (em 1998)

Dezoito anos depois, Isabel não cresceu muito. Já anda sozinha, embora não em zonas de piso irregular ou com degraus. Diminuiu a agressividade e consegue completar jogos de colocação de peças. Tem um fascínio pelo tiquetaque dos relógios.
Continua com problemas de estômago que lhe causam grande debilidade pois a obrigam a comer pouco e a ter uma alimentação muito cuidada.
Segundo os relatórios do colégio onde esteve durante 15 anos, Isabel era afectiva e simultaneamente agressiva na tentativa de estabelecer relações. Não falava, batia os braços, mordia-se, arrancava cabelos que comia e tinha problemas de cicatrização por arrancar crostas das feridas.
Foi internada na Casa do Bom Samaritano, onde, segundo a irmã Maria José, chegou com «uma grande anemia e muitos parasitas, não se controlava e não conseguia estar sentada cinco minutos, apesar de não se equilibrar (...) não possuía qualquer concentração, comia cabelos, papel e maçarocas de milho em grão». Por outro lado, «agarrava-se às pessoas e, se não tinha resposta, beliscava-as, utilizando a agressividade para chamar a atenção. Com a mesma intenção, despia-se da cinta para cima».
Segundo a psicóloga Isabel Costa, da Casa do Bom Samaritano, Isabel teria, em 1998, uma idade mental de dois anos. «Tem um nível de compreensão simples e responde a pequenas ordens, do género de se pedir alguma coisa e ela ir buscar. Mas, se se pedirem duas, ela só traz uma, porque só capta uma ordem de cada vez». Por outro lado, refere que «a jovem não fala mas tem linguagem receptiva, se se lhe falar em termos simples e sem grandes sequências». Isabel Costa salienta ainda a evolução, nos últimos três anos, da sua capacidade de atenção e concentração. «Com a colaboração de alguém, já consegue ter uma actividade durante dez minutos seguidos e, no que respeita a socialização, já sabe estar em grupo, é participativa e tem iniciativa própria por necessidade de contacto físico.»
Na Casa do Bom Samaritano, Isabel desenvolve jogos simples e grafismos. Aprendeu a pegar num lápis e a riscar. Separa as cores e encaixa peças, frequentando o atelier psico-educativo.
E Isabel Costa acrescenta: «Percebe bem a expressão facial dos outros e sabe, pelo nosso olhar, se estamos contentes ou tristes com as suas atitudes.» Aliás, «com alguma malandrice», até reage aos nossos comportamentos.
Tudo leva a crer que é feliz.
Texto com base na reportagem sobre a "Menina Galinha - 18 anos depois", publicada no Diário de Notícias, em 14 Novembro de 1998