Declaração de Caracas
Enviado: 15 Mar 2006, 09:58
DECLARAÇÃO DE CARACAS
Janeiro de 2006
Fonte: Instituto Polis
OUTRA INTEGRAÇÃO É URGENTE, POSSÍVEL E NECESSÁRIA
Nós, cidadãs e cidadãos da Nossa América, organizados em redes e instituições que trabalham pela defesa e ampliação dos direitos em nossas sociedades, preocupados com o presente e o futuro da região, nos encontramos durante o VI Foro Social Mundial para examinar as condições em que é possível avançar em direção a uma genuína integração que se baseie no respeito à dignidade e aos direitos dos povos, no reconhecimento de que as pessoas, através de suas representações coletivas, são sujeitos de poder nas decisões sobre políticas nacionais e regionais.
CONSTATAMOS que a América Latina vive um novo tempo. O esgotamento do sistema neoliberal e a insatisfação crescente com seus impactos na vida das maiorias estão abrindo espaço para governos mais sensíveis aos interesses populares. Esta nova situação, que se acelera a partir do ano 2000, nos dá sinais do surgimento de novos atores políticos, como se pode ver na eleição presidencial – que comemoramos – de um indígena, Evo Morales, na Bolívia, e de uma mulher, Michelle Bachelet, no Chile.
VALORIZAMOS a vigorosa mobilização social em curso pela defesa dos bens comuns, contra a privatização do público e em favor de modelos econômicos orientados ao bem-estar das maiorias. A dinâmica dos movimentos sociais tem transformado o campo político ao redefinir o lugar onde se produz a política, ao modificar a forma de fazê-la e ao incluir novos rostos no cenário público
IDENTIFICAMOS este momento como uma oportunidade que se oferece aos cidadãos organizados, aos partidos comprometidos com os interesses sociais e aos governos de novo tipo, para conquistar profundas mudanças na cultura e nos sistemas políticos, que se orientem para a democratização do poder e ao controle *social do Estado e dos atores que se regem pela lógica do mercado. Esta oportunidade tem limites, pois enfrenta poderosos interesses que poderão reagir com agressividade.
AFIRMAMOS o direto dos povos a um desenvolvimento baseado na inclusão social e no respeito aos direitos econômicos, sociais, políticos, culturais e ambientais, na preservação de nosso patrimônio cultural e natural, no controle dos recursos naturais e energéticos, que assegure o bem-estar da presente e das futurasgerações .
APRECIAMOS o surgimento de uma cidadania que ultrapassa fronteiras nacionais. Essa cidadania se expressa por meio de redes, coalizões, plataformas e articulações onde participam movimentos sociais e organizações não-governamentais que defendem os bens públicos, propagam o impulso democratizador e de internacionalização de idéias , iniciativas e lutas progressistas.
OBSERVAMOS que os direitos vêm sendo restringidos em razão de fronteiras nacionais e que prevalece a discriminação e exclusão por critérios de raça, origem, sexo, opção sexual ou nacionalidade, razão pela qual os cidadãos de Nossa América estão distantes de viver como iguais. Esta situação afeta principalmente os milhões de migrantes, refugiados e desabrigados que sofrem a negação dos direitos essenciais, quando merecem um tratamento de acordo com sua dignidade, não importando a situação jurídica ou dos seus documentos.
AVALIAMOS que a integração é hoje um campo de lutas onde se enfrentam distintos projetos sociais. O atual projeto hegemônico integra principalmente os mercados, se desenvolve em função das grandes corporações e do capital financeiro, desconhece o social, viola os direitos humanos e impõem-se às custas de nossas sociedades. A integração hegemônica sacrifica a dignidade das pessoas ante a acumulação de capital, que aumenta a miséria, marginaliza regiões inteiras e torna inviável a convivência civilizada.
RECONHECEMOS que ao projeto hegemônico se contrapõe uma integração aberta à participação decisiva da cidadania, que respeita identidades culturais e direitos coletivos, as formas de organização e de vida dos povos originários e das comunidades afro-descendentes como sujeitos coletivos de direitos, que coloca a dignidade das pessoas, a solidariedade e a cooperação acima dos interesses econômicos e das razões do Estado, que propõe que a economia construa a soberania nacional e o bem-estar geral.
PERCEBEMOS que este momento favorece nossa atuação enquanto forças organizadas para a defesa e ampliação dos direitos. Entretanto, são necessários passos mais audaciosos que assegurem a democratização da democracia, ampliem o exercício da cidadania e possibilitem um papel autônomo de nossos paises e nossa região no contexto internacional.
AS ORGANIZAÇÕES, REDES, INSTITUIÇÕES E CIDADÃOS DE NOSSA AMÉRICA:
NÃO ACEITAMOS MAIS as imposições do poder econômico que subordina nossos paises e produz, mediante suas políticas públicas, a concentração da riqueza e da renda e o conseqüente aumento da desigualdade e da pobreza.
NÃO ACEITAMOS MAIS as imposições dos paises ricos, das instituições de regulação internacional e dos governos que sacrificam a vida, e em especial a dos povos indígenas e afro-descendentes, dos migrantes, mulheres, crianças e pessoas com recursos escassos; que sacrificam o meio ambiente, e mesmo a possibilidade de um futuro melhor, em favor do crescimento econômico e da acumulação capitalista.
NÃO ACEITAMOS MAIS que os povos indígenas sejam privados de seus direitos, que se violentem seus territórios, que sejam despojados dos seus recursos naturais, que deles se retire seu direito a um desenvolvimento próprio e se desestruturem suas sociedades para aumentar a massa de pobres do continente.
NÃO ACEITAMOS MAIS que duzentos e vinte milhões de latino-americanos vivam na pobreza absoluta, sem gozar dos direitos que assegurem uma vida de acordo com sua condição de seres humanos, nem que treze milhões de migrantes e desabrigados sejam privados dre seus direitos por não possuírem documentos, ou que outros trinta e três milhões de migrantes, refugiados e desabrigados vivam em condições de pobreza e marginalidade.
NÃO ACEITAMOS MAIS que se utilizem leis para restringir a liberdade de movimento dos cidadãos pelo nosso continente, como as recentes leis de Segurança de Fronteiras dos Estados Unidos ou de Migração e de Estrangeiros da Costa Rica, que violam os Direitos Humanos reconhecidos internacionalmente.
NÃO ACEITAMOS MAIS a destruição do público e o seqüestro da política pelas elites que não têm outro interesse senão seus próprios benefícios e por eles se submetem aos interesses do capital transnacional, arruínam os avanços democráticos conquistados e transformam a democracia em um mero instrumento de controle social e manipulação de consciências.
NÃO ACEITAMOS MAIS que as perversões do privado e da cultura patriarcal façam das mulheres e meninas vítimas da violência doméstica, do tráfico de pessoas, que lhes impede o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos, as limitam em seus direitos políticos e civis e as confinam ao trabalho doméstico e ao cuidado familiar.
NÃO ACEITAMOS MAIS que, em matéria de integração, as iniciativas dos governos sejam pautadas segundo interesses das grandes corporações e do sistema financeiro internacional, operando somente na lógica da ampliação dos mercados.
NÃO ACEITAMOS MAIS a corrupção como instrumento de governabilidade e tampouco a impunidade que estimula, contamina e difunde estas práticas nas formas de sociabilidade, no sistema político e dos aparatos de governo.
NÃO ACEITAMOS MAIS que se destrua o direito inalienável dos povos de decidir sobre seu destino e que se atribua às maiorias uma cidadania de segunda classe, criminalizando suas organizações e prendendo seus representantes por encarnarem a aspiração de se tornarem sujeitos de sua própria história.
NOSSO CONTINENTE E OS PAÍSES QUE O COMPÕEM TÊM DIREITO A UMA INTEGRAÇÃO SOBERANA E AUTÔNOMA, EXPRESSÃO DAS ASPIRAÇÕES DE LIBERDADE, JUSTIÇA E IGUALDADE DAS MAIORIAS.
PELO ANTERIOR, ASSUMIMOS OS SEGUINTES COMPROMISSOS:
NOS PROPOMOS a atuar conjuntamente na construção de uma cultura e uma ética democráticas, onde a cidadania seja propositiva e exerça controle social como responsabilidades na ação pública, uma vez que desempenhem um papel central no sistema político que incluem partidos e governos.
NOS PROPOMOS a lutar, a partir de nossas organizações, por uma profunda reforma política, tanto dos partidos como das instituições públicas. Essa luta parte do reconhecemento do caráter hierárquico, vertical, centralista, patriarcal e autoritário da nossa cultura política e se propõe superar esses vícios mediante a descentralização e a socialização do poder, a implementação de mecanismos participativos de decisão como os referendos e plebiscitos, a realização de consultas aos povos indígenas de acordo com o Convenio 169 da OIT, além de criar novas formas de decisão coletiva.
NOS PROPOMOS a lutar pelo direito à informação e ao acesso à informação pública como ferramenta de educação política e pela democratização e o controle social dos meios de comunicação, como condição essencial para a vida democrática e o exercício da cidadania.
NOS PROPOMOS a uma integração de sociedades que superem a exclusão que segrega e discrimina, que busquem o desenvolvimento integral enquanto direito humano, como impulsionador da expansão de todas as potencialidades das pessoas, das comunidades, dos povos, das regiões sem exceção e das nossas nações no seu conjunto, sociedades que assegurem a todos os seus membros o exercício integral de seus direitos individuais e coletivos.
NOS PROPOMOS a construir sociedades e estados laicos, respeitosos da diversidade e garantidores do pluralismo, nos quais nenhuma idéia se imponha como um a priori e, em tudo que seja possível, desenvolver todas as dimensões do ser humano em um ambiente de tolerância.
NOS PROPOMOS que nossas economias cresçam em função de realizar os direitos das pessoas, de garantir a soberania de nossas nações e de possibilitar a existência de sociedade e Estados verdadeiramente democráticos. Isso supõe privilegiar a produção sustentável e o trabalho, promover o desenvolvimento científico e tecnológico, gerar equilíbrios entre os setores da economia e das regiões em cada país e entre as diferentes culturas que os povoam através da redistribuição da riqueza e das oportunidades. Um desenvolvimento que signifique equilíbrio entre os países da região – sobre a base do reconhecimento das diferenças, das assimetrias e das especificidades, a partir da solidariedade e complementaridade. Tal modelo de desenvolvimento deve fortalecer o mercado interno, constituir formas de economia solidária, promover mercados alternativos e utilizar de maneira racional os bens comuns para assegurar o bem-estar das maiorias.
NOS PROPOMOS a lutar para que os Estados latino-americanos coloquem-se como instrumento dos interesses gerais e, portanto, subordinem-se à economia e à política democrática e propiciem um novo modelo de desenvolvimento, entendido como o desfrute de todos os direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais, nos marcos da equidade, da justiça e da sustentabilidade.
NOS PROPOMOS a reafirmar a identidade latino-americana como constelação de múltiplas e diversas identidades chamadas a se potenciar na confluência das distintas correntes do mundo contemporâneo, mas sabedoras de sua própria significação. Este reencontro da América Latina consigo mesma é pré-condição de uma integração autêntica e implicará um renascimento que desperte as energias da região, inspire a democratização de nossos Estados e estimule a busca por sociedades mais justas e eqüitativas.
NOS PROPOMOS a fortalecer os movimentos sociais e as redes que se mobilizam na procura dos direitos e no exercício da cidadania. Isto implica articular-se, construir agendas comuns e atuar de maneira conjunta no cenário nacional e internacional como fator de democratização em todos os níveis. Implica também construir instrumentos e mecanismos que fortaleçam em suas organizações a capacidade propositiva.
NOS PROPOMOS a um trabalho de educação cidadã entendida como educação política, que permita a auto-valorização, a inclusão e o fortalecimento da organização de homens e mulheres, a superação da história de dominação em que a maioria dos latino-americanos foi condenada como cidadãos de segunda categoria.
Porque compreendemos nosso papel central na construção da esperança, de uma nova cultura política e de uma institucionalidade realmente democrática, que garantam um futuro com equidade e justiça para as gerações atuais e as que estão por vir, convidamos todas as redes, organizações e movimentos sociais a participar e articular-se em um movimento de movimentos que construa uma cidadania latino-americana e procure outra integração como propósito urgente, possível e necessário.
Caracas, Janeiro de 2006
Redes Internacionais
ARTICULACIÓN FEMINISTA MARCOSUR – AFM
ASOCIACIÓN LATINOAMERICANA DE ORGANIZACIONES DE PROMOCIÓN – ALOP
CENTROAMERICA POR EL DIALOGO – CAD
COMITÉ LATINOAMERICANO PARA LA DEFENSA DE LOS DERECHOS DE LA MUJER - CLADEM
CONSEJO DE EDUCACIÓN DE ADULTOS DE AMÉRICA LATINA – CEAAL
COORDINADORA REGIONAL DE INVESTIGACIONES ECONÓMICAS Y SOCIALES – CRIES
FEDERACIÓN INTERNACIONAL DE DERECHOS HUMANOS – FIDH
GRUPO SUR
OBSERVATORIO CONTROL INTERAMERICANO DE LOS DERECHOS DE LOS MIGRANTES – OCIM – PIDHDD
ORGANIZACIÓN REGIONAL INTERAMERICANA DE TRABAJADORES - ORIT
PLATAFORMA INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, DEMOCRACIA Y DESARROLLO – PIDHDD
Redes nacionais que assinam
ASOCIACIÓN BRASILERA DE ONG – ABONG
ASOCIACIÓN CHILENA DE ONG – ACCIÓN
ASOCIACIÓN NACIONAL DE CENTROS DE INVESTIGACIÓN, PROMOCIÓN SOCIAL Y DESARROLLO – ANC, Perú
ASOCIACIÓN POLÍTICA DE MUJERES MAYAS – MOLOJ, GUATEMALA
CONFFEDERACIÓN NACIONAL DE COMUNIDADES DEL PERÚ AFECTADAS POR LA MINERÍA – CONACAMI
COALICIÓN DE ONG DE DERECHOS HUMANOS – PIDHDD, Venezuela
CONVERGENCIA DE ORGANISMOS CIVILES A.C., México
ENCUENTRO DE ENTIDADES NO GUBERNAMENTALES DE DESARROLLO, Argentina
PLATAFORMA DHESC BRASIL
PROGRAMA MERCOSUR SOCIAL Y SOLIDARIO – SEPA, Paraguay
UNIÓN NACIONAL DE INSTITUCIONES PARA EL TRABAJO DE ACCIÓN SOCIAL – UNITAS, Bolivia
Organizações nacionais que assinam
APDH – PIDHDD, Ecuador
APRODEH – FIDH, Perú
CAIDH – FIDH, Guatemala
CEDAL – ALOP, Perú
CENID – FIDH, Nicaragua
CENTRO DE SERVICIO POPULAR – GSCESAP , Venezuela
CENTRO FLORA TRISTAN, Perú
CESAP – SINERGIA, Venezuela
CODEHUPY – PIDHDD, Paraguay
COLECTIVO DE ABOGADOS JOSE ALVEAR RESTREPO – FIDH, Colombia
COMISIÓN ARGENTINA DE JURISTAS – FIDH
EFIP – PIDHDD, Venezuela
ESPACIO DESC – PIDHDD, México
FASE - Brasil
Instituto Pólis - Brasil
Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS - ABIA, Brasil
FUNDACIÓN PERSEU ABRAMO, Brasil
Serviço à Mulher Marginalizada - SMM, Brasil
Centro de Direitos das Populações da Região de Carajás - Fórum Carajás , Brasil
INDIA – PIDHDD, Venezuela
PET, Chile
PROYECTO DE DESARROLLO SANTIAGO - PRODESSA, Guatemala