Educação religiosa nas escolas: Para quê?
Enviado: 07 Nov 2005, 18:51
Educação religiosa nas escolas: Para quê?
Herbertz Ferreira
mundopalco@yahoo.com.br
Texto publicado no Jornal de Notícias de Montes Claros
10/04/2005
Nos últimos anos tenho refletido freqüentemente sobre a celeuma instaurada em torno da educação religiosa nas escolas laicas de ensino fundamental. Penso nessa questão - que tanto incomoda pais, professores, alunos e o Estado, muito mais do que uma “simples” questão pedagógica, mas, antes, numa questão social que denuncia, ao meu ver, uma consistente e real mudança no comportamento sócio-religioso das pessoas.
Ao que parece, o resultado de toda a discussão religiosa é que atualmente existem mais pessoas pensando Deus e “fazendo” teologia. Prova disso, são as diferentes versões cosmogônicas da criação que pululam as mais diferentes interpretações religiosas. O que antes era permitido somente aos profissionais da fé reconhecidos pela igreja, hoje é franqueado (em nome da democracia e liberdade de cultos religiosos) a qualquer um propagar sua forma de pensar teologicamente. Essa liberdade de pensar, por sua vez, tende a gerar interpretações ainda mais surrealistas do universo divino. E isso não tem nada de errado, porque na religião mora o universo de sonhos e de poesia, como nos lembra Rubem Alves. Errado é transformar poesia em realidade; mito em verdade ou religião em Lei. Num mundo dominado pela razão e tecnologia globalizante, a religião ocupa um lugar sui generis na vida das pessoas. Seu poder simbólico ainda exerce uma força muito grande na forma como cada um vê o mundo e a si mesmo.
Acredito que a ciência tem alterado a matriz gnosiológica da religião na mente das pessoas. Assim, ela [a ciência] pode acolher as “ovelhas” desgarradas do rebanho religioso-institucional que, via de regra, se mostra intolerante às opiniões extrabíblicas. E aqui volto mais uma vez à educação religiosa em nossas escolas, pois é justamente na escola que a ciência fala mais alto do que qualquer profissional da fé possa gritar numa igreja “teologicamente verdadeira”.
Educação religiosa (nas escolas) deve ir além do respeito às diferenças religiosas, mas se constituir numa oportunidade ímpar de resignificar a própria poesia teológica. Mas quando o assunto é fé as coisas não são tão simples assim porque há séculos os profissionais da religião já se encarregaram (muito antes dos professores de educação religiosa) de “educar” as pessoas. E o que religiosos fizeram durante séculos de dominação mental? Simplesmente induziram um modelo padrão na mente das pessoas como sendo verdadeiro e isso, obviamente, entra em choque frontal com o pensamento científico aceito (e divulgado) nas escolas - palco de uma possível “educação religiosa”. Seria mais simples compreender que muito antes da escola, as igrejas já se encarregaram de “ensinar” religião às pessoas. No entanto, nas igrejas esse “ensino” significa doutrina-de-fé vista como verdade, enquanto que nas escolas, deve significar a quebra de paradigmas, de dogmas, de certezas absolutas... Então, logo o conflito está armado pela incompatibilidade de discursos. No entanto, ainda é possível que as escolas tenham a religião em seus conteúdos, mas somente como objeto de estudo, não de fé. Mas deixemos essa discussão para os tecnocratas de Deus. À escola cabe a tarefa de minimizar os danos causados por séculos de dominação mental pelas “verdades” impostas pelos “enviados de Deus”.
Ultimamente vejo um tremendo esforço da educação religiosa em se manter viva como disciplina distinta no currículo escolar. Paralelamente a essa discussão, os sistemas educacionais não apresentam um posicionamento claro quanto as diretrizes dessa possível disciplina exatamente porque também estão intimamente ligados a seguimentos religiosos dominantes. E todos nós sabemos que a religião em si não é importante na discussão escolar. Uma boa formação filosófica ou histórica pode educar religiosamente qualquer pessoa. A própria matemática, a ciência ou literatura podem produzir milagres quando conduzidas à reflexão religiosa. E o que queremos em nossas escolas? Pessoas críticas, livres, libertas de todo dogmatismo e fanatismo. Pessoas assim, absorvem “religião” naturalmente e não se prestam a representações do rebanho, mas se mostram felizes exatamente porque a religião assume sua função poética de encantar e surpreender pela variedade de contos, mitos, lendas e fábulas.
É natural que seja questionado a utilidade da educação religiosa nas escolas laicas, pelo menos a educação religiosa enquanto disciplina distinta no currículo. Uma pergunta que me intriga, por exemplo, é saber que tipo de “educação religiosa” os professores dessa disciplina tem realizado em suas práticas pedagógicas? Ao que parece, é perfeitamente justificado que o sistema educacional laico questione a utilidade dessa disciplina. Acredito que o conflito religioso-escolar poderia ser minimizado por docentes bem qualificados e libertos para pensar sem medo de um Deus-que-pune. Isso ajudaria muito a educação religiosa (entendida como conteúdo, e não como disciplina).
Nos últimos anos a educação religiosa (que até pouco tempo era denominada ensino religioso) tem, ela própria como disciplina em risco de extinção, passado por grandes revisões pedagógicas. Ainda assim, a pergunta persiste: Qual a utilidade de se ter uma disciplina chamada Educação Religiosa em nossas escolas?. Para responder a esta pergunta, devemos lembrar que religião sempre foi território dominado pelos tecnocratas da fé (profissionais preparados para o serviço da diplomacia entre Deus “lá no céu” e os terrestres “aqui em baixo”). Essa forma de intermediar o divino, o transcendente, ou o imante - como queiram, foi introjetada na mente das pessoas por longos séculos. Disso resultou uma população de pessoas domesticadas, um verdadeiro rebanho guiado por “pastores a serviço de Deus”. É preciso considerar também que por muitos séculos a ciência (como forma de conhecimento “confiável”) esteve submetida aos olhos teocráticos dos donos de Deus. Assim, todas as vezes que a ciência demonstrava enxergar além das fronteiras do “grande país teocrático” imaginado pelos donos de Deus, ela encontrava seu freio. Imaginem que por longos séculos vivemos mergulhados numa ditadura-do-divino construída por homens com o poder de dificultar o avanço da ciência. Um texto como esse, por exemplo, escrito num passado recente teria o poder de levar seu autor às fogueiras santas e aos tribunais da “santa” inquisição...
Hoje, com o progresso acelerado da tecnologia e as facilidades para se ver as diversas formas de pensar o mundo, as pessoas não “engolem” tão facilmente o que é ditado pelos sacerdotes (sejam eles laicos: “cientistas” ou sagrados: “profissionais da fé”). Atualmente, o respeito pela opinião e a veracidade dela, está mais associado aos fundamentos da ciência do que aos da religião. E isso muda completamente o paradigma religioso e, conseqüentemente, a relação das pessoas com o transcendente.
Mas por que refletir o conhecimento científico em torno da educação religiosa? Obviamente pela natureza e tipo de conhecimento que é privilegiado nas escolas que é fundamentalmente o conhecimento científico, enquanto que nas igrejas perpetua-se o conhecimento mítico-religioso. Chegamos assim, a celeuma instaurada - desde sua origem, em torno do conhecimento em si. De um lado, temos a escola como lócus moderno na divulgação do conhecimento científico; do outro, as igrejas como lócus milenar na divulgação do conhecimento religioso. Somos, ao mesmo tempo, criadores, observadores, vítimas e algozes no confronto entre duas formas de conhecimento: Ciência e religião. Cada uma quer para si a posse da verdade. Mas, enquanto a ciência postula a quebra dos dogmas (inclusive dos seus), a religião insiste em defender os dogmas (inclusive e preferencialmente os seus). Ocorre que a escola privilegia (e assim deve ser) o conhecimento científico. E onde estão as pessoas religiosas? Obviamente que dentro das escolas misturadas, elas também, com os “fiéis seguidores” da Ciência.
Ainda hoje, cresce uma disputa entre os poderes religiosos e temporais: Entre o Estado laico de Direito e um estado dogmático de fato. Neste cenário, não nos cabe perguntar a importância da educação religiosa, pois ninguém duvida de seu valor. Mas, cabe preocupar-se em questionar a serviço de que educação pretendemos educar religiosamente alguém para que não utilizemos a mesma “cartilha” dogmática de nossos antepassados colonialistas.
E não se iludam aqueles que pensam na “simplicidade” da abordagem religiosa dentro das escolas: Uma boa apresentação desse conteúdo em sala de aula é o mesmo que acender o pavio de um grande barril de explosivos. Se as escolas levassem a sério isso, provavelmente existiriam mais escolas para educar e menos igrejas para doutrinar.
Herbertz Ferreira
mundopalco@yahoo.com.br
Texto publicado no Jornal de Notícias de Montes Claros
10/04/2005
Nos últimos anos tenho refletido freqüentemente sobre a celeuma instaurada em torno da educação religiosa nas escolas laicas de ensino fundamental. Penso nessa questão - que tanto incomoda pais, professores, alunos e o Estado, muito mais do que uma “simples” questão pedagógica, mas, antes, numa questão social que denuncia, ao meu ver, uma consistente e real mudança no comportamento sócio-religioso das pessoas.
Ao que parece, o resultado de toda a discussão religiosa é que atualmente existem mais pessoas pensando Deus e “fazendo” teologia. Prova disso, são as diferentes versões cosmogônicas da criação que pululam as mais diferentes interpretações religiosas. O que antes era permitido somente aos profissionais da fé reconhecidos pela igreja, hoje é franqueado (em nome da democracia e liberdade de cultos religiosos) a qualquer um propagar sua forma de pensar teologicamente. Essa liberdade de pensar, por sua vez, tende a gerar interpretações ainda mais surrealistas do universo divino. E isso não tem nada de errado, porque na religião mora o universo de sonhos e de poesia, como nos lembra Rubem Alves. Errado é transformar poesia em realidade; mito em verdade ou religião em Lei. Num mundo dominado pela razão e tecnologia globalizante, a religião ocupa um lugar sui generis na vida das pessoas. Seu poder simbólico ainda exerce uma força muito grande na forma como cada um vê o mundo e a si mesmo.
Acredito que a ciência tem alterado a matriz gnosiológica da religião na mente das pessoas. Assim, ela [a ciência] pode acolher as “ovelhas” desgarradas do rebanho religioso-institucional que, via de regra, se mostra intolerante às opiniões extrabíblicas. E aqui volto mais uma vez à educação religiosa em nossas escolas, pois é justamente na escola que a ciência fala mais alto do que qualquer profissional da fé possa gritar numa igreja “teologicamente verdadeira”.
Educação religiosa (nas escolas) deve ir além do respeito às diferenças religiosas, mas se constituir numa oportunidade ímpar de resignificar a própria poesia teológica. Mas quando o assunto é fé as coisas não são tão simples assim porque há séculos os profissionais da religião já se encarregaram (muito antes dos professores de educação religiosa) de “educar” as pessoas. E o que religiosos fizeram durante séculos de dominação mental? Simplesmente induziram um modelo padrão na mente das pessoas como sendo verdadeiro e isso, obviamente, entra em choque frontal com o pensamento científico aceito (e divulgado) nas escolas - palco de uma possível “educação religiosa”. Seria mais simples compreender que muito antes da escola, as igrejas já se encarregaram de “ensinar” religião às pessoas. No entanto, nas igrejas esse “ensino” significa doutrina-de-fé vista como verdade, enquanto que nas escolas, deve significar a quebra de paradigmas, de dogmas, de certezas absolutas... Então, logo o conflito está armado pela incompatibilidade de discursos. No entanto, ainda é possível que as escolas tenham a religião em seus conteúdos, mas somente como objeto de estudo, não de fé. Mas deixemos essa discussão para os tecnocratas de Deus. À escola cabe a tarefa de minimizar os danos causados por séculos de dominação mental pelas “verdades” impostas pelos “enviados de Deus”.
Ultimamente vejo um tremendo esforço da educação religiosa em se manter viva como disciplina distinta no currículo escolar. Paralelamente a essa discussão, os sistemas educacionais não apresentam um posicionamento claro quanto as diretrizes dessa possível disciplina exatamente porque também estão intimamente ligados a seguimentos religiosos dominantes. E todos nós sabemos que a religião em si não é importante na discussão escolar. Uma boa formação filosófica ou histórica pode educar religiosamente qualquer pessoa. A própria matemática, a ciência ou literatura podem produzir milagres quando conduzidas à reflexão religiosa. E o que queremos em nossas escolas? Pessoas críticas, livres, libertas de todo dogmatismo e fanatismo. Pessoas assim, absorvem “religião” naturalmente e não se prestam a representações do rebanho, mas se mostram felizes exatamente porque a religião assume sua função poética de encantar e surpreender pela variedade de contos, mitos, lendas e fábulas.
É natural que seja questionado a utilidade da educação religiosa nas escolas laicas, pelo menos a educação religiosa enquanto disciplina distinta no currículo. Uma pergunta que me intriga, por exemplo, é saber que tipo de “educação religiosa” os professores dessa disciplina tem realizado em suas práticas pedagógicas? Ao que parece, é perfeitamente justificado que o sistema educacional laico questione a utilidade dessa disciplina. Acredito que o conflito religioso-escolar poderia ser minimizado por docentes bem qualificados e libertos para pensar sem medo de um Deus-que-pune. Isso ajudaria muito a educação religiosa (entendida como conteúdo, e não como disciplina).
Nos últimos anos a educação religiosa (que até pouco tempo era denominada ensino religioso) tem, ela própria como disciplina em risco de extinção, passado por grandes revisões pedagógicas. Ainda assim, a pergunta persiste: Qual a utilidade de se ter uma disciplina chamada Educação Religiosa em nossas escolas?. Para responder a esta pergunta, devemos lembrar que religião sempre foi território dominado pelos tecnocratas da fé (profissionais preparados para o serviço da diplomacia entre Deus “lá no céu” e os terrestres “aqui em baixo”). Essa forma de intermediar o divino, o transcendente, ou o imante - como queiram, foi introjetada na mente das pessoas por longos séculos. Disso resultou uma população de pessoas domesticadas, um verdadeiro rebanho guiado por “pastores a serviço de Deus”. É preciso considerar também que por muitos séculos a ciência (como forma de conhecimento “confiável”) esteve submetida aos olhos teocráticos dos donos de Deus. Assim, todas as vezes que a ciência demonstrava enxergar além das fronteiras do “grande país teocrático” imaginado pelos donos de Deus, ela encontrava seu freio. Imaginem que por longos séculos vivemos mergulhados numa ditadura-do-divino construída por homens com o poder de dificultar o avanço da ciência. Um texto como esse, por exemplo, escrito num passado recente teria o poder de levar seu autor às fogueiras santas e aos tribunais da “santa” inquisição...
Hoje, com o progresso acelerado da tecnologia e as facilidades para se ver as diversas formas de pensar o mundo, as pessoas não “engolem” tão facilmente o que é ditado pelos sacerdotes (sejam eles laicos: “cientistas” ou sagrados: “profissionais da fé”). Atualmente, o respeito pela opinião e a veracidade dela, está mais associado aos fundamentos da ciência do que aos da religião. E isso muda completamente o paradigma religioso e, conseqüentemente, a relação das pessoas com o transcendente.
Mas por que refletir o conhecimento científico em torno da educação religiosa? Obviamente pela natureza e tipo de conhecimento que é privilegiado nas escolas que é fundamentalmente o conhecimento científico, enquanto que nas igrejas perpetua-se o conhecimento mítico-religioso. Chegamos assim, a celeuma instaurada - desde sua origem, em torno do conhecimento em si. De um lado, temos a escola como lócus moderno na divulgação do conhecimento científico; do outro, as igrejas como lócus milenar na divulgação do conhecimento religioso. Somos, ao mesmo tempo, criadores, observadores, vítimas e algozes no confronto entre duas formas de conhecimento: Ciência e religião. Cada uma quer para si a posse da verdade. Mas, enquanto a ciência postula a quebra dos dogmas (inclusive dos seus), a religião insiste em defender os dogmas (inclusive e preferencialmente os seus). Ocorre que a escola privilegia (e assim deve ser) o conhecimento científico. E onde estão as pessoas religiosas? Obviamente que dentro das escolas misturadas, elas também, com os “fiéis seguidores” da Ciência.
Ainda hoje, cresce uma disputa entre os poderes religiosos e temporais: Entre o Estado laico de Direito e um estado dogmático de fato. Neste cenário, não nos cabe perguntar a importância da educação religiosa, pois ninguém duvida de seu valor. Mas, cabe preocupar-se em questionar a serviço de que educação pretendemos educar religiosamente alguém para que não utilizemos a mesma “cartilha” dogmática de nossos antepassados colonialistas.
E não se iludam aqueles que pensam na “simplicidade” da abordagem religiosa dentro das escolas: Uma boa apresentação desse conteúdo em sala de aula é o mesmo que acender o pavio de um grande barril de explosivos. Se as escolas levassem a sério isso, provavelmente existiriam mais escolas para educar e menos igrejas para doutrinar.