Tumor passa de diabo para diabo
Enviado: 15 Mar 2006, 15:51
O que mata os diabos-da-tasmânia, artigo de Fernando Reinach
Desde 1996, quando um tumor facial foi detectado pela primeira vez em um diabo, mais de 80% da população foi exterminada pela doença
Fernando Reinach é biólogo. Artigo publicado no “Estado de SP”:
A Tasmânia, uma ilha localizada ao sul da Austrália, é hoje o único habitat do diabo-da-tasmânia, um marsupial carnívoro que inspirou o personagem de histórias em quadrinhos Taz.
Desde 1996, quando um tumor facial foi detectado pela primeira vez em um diabo, mais de 80% da população foi exterminada pela doença.
Sobram aproximadamente 150.000 animais. Ao tentar identificar a causa desse tumor, os cientistas descobriram um novo fenômeno biológico, a transformação de um câncer em um organismo independente, algo que talvez possa ser classificado como um novo tipo de parasita.
O tumor aparece na face dos animais e tudo indica que ele é transmitido de um animal para outro durante as brigas que ocorrem na época do acasalamento.
O câncer se espalha pela face, invade a boca, destrói a arcada dentária e pode invadir a cavidade ocular. Como impede que o animal se alimente, acaba por matar de fome o pobre diabo.
É bem conhecida a capacidade de células cancerosas se espalharem pelo corpo provocando o surgimento de metástases. Entretanto não existem tumores que se espalham na população como doenças infecciosas.
Nos tipos de câncer que são aparentemente transmitidos de pessoa a pessoa o que se espalha é um vírus. Ele induz o aparecimento do tumor em uma pessoa, é transmitido para outra e induz um novo tumor.
É o caso de alguns tipos de câncer de colo do útero, que são causados pelo vírus do papiloma.
A explicação mais simples para a disseminação de tumores entre os diabos era a presença de um vírus, mas quando os pesquisadores estudaram células de 11 tumores retirados de animais diferentes, em diferentes regiões da ilha, tiveram uma surpresa.
Todos os tumores apresentavam um grande número de alterações nos cromossomos (a parte da célula que contém o DNA), com perda de genes e o aparecimento de novos segmentos de DNA.
Até aí nada de mais, a grande maioria dos tumores apresenta alterações cromossômicas.
O problema é que os tumores de todos os animais apresentam o mesmo conjunto de alterações, o que torna impossível que esses arranjos tenham surgido independentemente em cada um dos animais.
Esse resultado indica que as células do tumor são transmitidas diretamente durante as brigas. Elas se alojam nas feridas, iniciando o desenvolvimento de um novo tumor que mais tarde é transmitido a um terceiro animal, se espalhando pela população.
O fenômeno é semelhante à disseminação de um agente infeccioso, um vírus ou bactéria, que se espalha em uma população "pulando" de um hospedeiro para o seguinte.
O resultado é surpreendente, pois demonstra que essas células tumorais, originadas provavelmente em um único diabo-da-tasmânia, são capazes de escapar do sistema imune de todos os indivíduos da espécie.
Elas se tornaram seres vivos independentes, com um genoma próprio, que as capacita a infectar e a se reproduzir em qualquer diabo-da-tasmânia.
Um ser vivo que utiliza outro ser vivo para se reproduzir e que é capaz de sobreviver após a morte do hospedeiro é o que geralmente classificamos como um parasita.
Provavelmente, o que estamos observando na Tasmânia é o surgimento de um novo tipo de parasita, uma linhagem de células capaz de sobreviver à custa dos simpáticos diabos-da-tasmânia.
Mais informações em: Transmission of devil facial-tumor disease. Nature vol. 439 pag. 549 2006.
(O Estado de SP, 8/3)
Desde 1996, quando um tumor facial foi detectado pela primeira vez em um diabo, mais de 80% da população foi exterminada pela doença
Fernando Reinach é biólogo. Artigo publicado no “Estado de SP”:
A Tasmânia, uma ilha localizada ao sul da Austrália, é hoje o único habitat do diabo-da-tasmânia, um marsupial carnívoro que inspirou o personagem de histórias em quadrinhos Taz.
Desde 1996, quando um tumor facial foi detectado pela primeira vez em um diabo, mais de 80% da população foi exterminada pela doença.
Sobram aproximadamente 150.000 animais. Ao tentar identificar a causa desse tumor, os cientistas descobriram um novo fenômeno biológico, a transformação de um câncer em um organismo independente, algo que talvez possa ser classificado como um novo tipo de parasita.
O tumor aparece na face dos animais e tudo indica que ele é transmitido de um animal para outro durante as brigas que ocorrem na época do acasalamento.
O câncer se espalha pela face, invade a boca, destrói a arcada dentária e pode invadir a cavidade ocular. Como impede que o animal se alimente, acaba por matar de fome o pobre diabo.
É bem conhecida a capacidade de células cancerosas se espalharem pelo corpo provocando o surgimento de metástases. Entretanto não existem tumores que se espalham na população como doenças infecciosas.
Nos tipos de câncer que são aparentemente transmitidos de pessoa a pessoa o que se espalha é um vírus. Ele induz o aparecimento do tumor em uma pessoa, é transmitido para outra e induz um novo tumor.
É o caso de alguns tipos de câncer de colo do útero, que são causados pelo vírus do papiloma.
A explicação mais simples para a disseminação de tumores entre os diabos era a presença de um vírus, mas quando os pesquisadores estudaram células de 11 tumores retirados de animais diferentes, em diferentes regiões da ilha, tiveram uma surpresa.
Todos os tumores apresentavam um grande número de alterações nos cromossomos (a parte da célula que contém o DNA), com perda de genes e o aparecimento de novos segmentos de DNA.
Até aí nada de mais, a grande maioria dos tumores apresenta alterações cromossômicas.
O problema é que os tumores de todos os animais apresentam o mesmo conjunto de alterações, o que torna impossível que esses arranjos tenham surgido independentemente em cada um dos animais.
Esse resultado indica que as células do tumor são transmitidas diretamente durante as brigas. Elas se alojam nas feridas, iniciando o desenvolvimento de um novo tumor que mais tarde é transmitido a um terceiro animal, se espalhando pela população.
O fenômeno é semelhante à disseminação de um agente infeccioso, um vírus ou bactéria, que se espalha em uma população "pulando" de um hospedeiro para o seguinte.
O resultado é surpreendente, pois demonstra que essas células tumorais, originadas provavelmente em um único diabo-da-tasmânia, são capazes de escapar do sistema imune de todos os indivíduos da espécie.
Elas se tornaram seres vivos independentes, com um genoma próprio, que as capacita a infectar e a se reproduzir em qualquer diabo-da-tasmânia.
Um ser vivo que utiliza outro ser vivo para se reproduzir e que é capaz de sobreviver após a morte do hospedeiro é o que geralmente classificamos como um parasita.
Provavelmente, o que estamos observando na Tasmânia é o surgimento de um novo tipo de parasita, uma linhagem de células capaz de sobreviver à custa dos simpáticos diabos-da-tasmânia.
Mais informações em: Transmission of devil facial-tumor disease. Nature vol. 439 pag. 549 2006.
(O Estado de SP, 8/3)