Argentininhos podem acabar com o Mercocotas
Enviado: 19 Mar 2006, 08:01
Vizinhos em pé de guerra
Uruguai x Argentina
MARCELO FLEURY (TEXTOS) E MAURO VIEIRA (FOTOS)/ Enviados Especiais/Fray Bentos
Cinco argentinos e dois uruguaios estão no centro do conflito que ameaça acabar com o Mercosul, mas não parecem preocupados com o motivo: as duas fábricas de celulose que se elevam sobre o Rio Uruguai, no país de mesmo nome.
Um quase dorme. Outro quica uma bola de basquete e a atira em um cesto imaginário (acerta todas, pela comemoração). Quatro se revezam no computador que permite joguinhos na Internet. E o último se surpreende com a equipe de Zero Hora, que chega ao posto de fronteira e pede para atravessar do Uruguai para a Argentina.
- Deixo vocês passarem se me trouxerem um galão de gasolina. Dou o dinheiro - diz o fiscal uruguaio, a fim de obter alguma vantagem (o combustível sai pela metade do preço do lado de lá da ponte) em troca da permissão que concede aos três brasileiros.
Em condições normais, a alfândega integrada ao lado do rio é um raro local movimentado entre duas cidades aparentemente estagnadas no tempo - na uruguaia Fray Bentos e na argentina Gualeguaychú, crianças ainda vão à escola com guarda-pós brancos e grossos laços azuis atados no pescoço.
Bloqueio de pontes já dura mais de 40 dias
Mas as condições não são normais há mais de 40 dias. Argentinos temerosos de que as duas fábricas de celulose contaminem o rio que dividem com os uruguaios bloquearam o acesso à ponte internacional General San Martín, privando os fiscais da aduana do trabalho de fiscalizar. Foram imitados por moradores de Colón, vizinhos da uruguaia Paysandú, e agora só se atravessa de um país para o outro por uma ponte entre Concordia e Salto, mais ao Norte, ou de barco, pelo Rio da Prata.
Os ambientalistas parecem determinados a manter o protesto, mas já discutem a possibilidade de abrandá-lo de alguma forma, talvez liberando parcialmente o tráfego. Sua preocupação com a possível poluição do rio quase dobrou o presidente uruguaio, Tabaré Vázquez. Ele chegou a concordar em pedir à finlandesa Botnia e à espanhola Ence que suspendessem as obras por 90 dias, para a realização de um estudo de impacto ambiental. Foi tão criticado e pressionado pelos que defendem o maior investimento externo já feito no país (US$ 1,8 bilhão), que voltou atrás. O Brasil, enquanto isso, observa o problema sem dar palpite.
Na manhã deste sábado, sob chuva, os manifestantes ainda se revezavam em rodas de mate sob barracas improvisadas no asfalto, mandando voltar os veículos que viessem de um lado ou de outro.
A equipe de Zero Hora pôde seguir até Gualeguaychú, onde constatou a adesão da população à causa ambiental, em adesivos pretos com a frase em branco "No a las papeleras" estampando os vidros dos automóveis. Voltou ao Uruguai (com um galão de gasolina) para comprovar que em Fray Bentos é maciço o apoio às fábricas e que a integração do Mercosul não passa de um aglomerado de boas intenções que se desfaz sob a primeira tempestade. Como papel.
Finlandeses no meio da polêmica
- Juntas, as fábricas de celulose argentinas não produzem nem metade do que uma só dessas duas uruguaias vai produzir. É um monstro - brada o advogado Oscar Vargas, 53 anos, no bloqueio de Gualeguaychú.
De fato, a finlandesa Botnia, que já ergueu 115 metros dos 120 de sua chaminé à beira do rio, produzirá mais de 1 milhão de toneladas de celulose por ano. Será a maior do mundo quando estiver pronta, no segundo semestre de 2007. E o impacto é inevitável. Pode até ser reduzido a níveis imperceptíveis, como a empresa assegura que será, mas vez que outra aquela chaminé que se enxerga do outro lado do rio lançará no ar uma fumaça com cheiro muito ruim de enxofre.
- E não vão pedir documentos a esse cheiro ruim para ele entrar na Argentina - ironiza Vargas.
- Será uma vez por ano somente, e em um raio máximo de 10 quilômetros. E é só o cheiro. A fumaça não faz mal à saúde - responde o engenheiro e porta-voz da Botnia, Bruno Vuan.
De tanto rebater as acusações, ele já tem respostas prontas e rápidas para tudo. A quem diz que a Botnia consumirá em um dia a água que os 23 mil habitantes de Fray Bentos consomem em nove, argumenta que devolverá ao Rio Uruguai 80% dessa água, devidamente tratada. A quem protesta contra os 120 mil hectares de eucalipto plantados em solo uruguaio, diz que ela é obrigada a preservar um hectare de mata nativa a cada dois cultivados (como a outra empresa, Ence, que apenas inicia a terraplenagem). E aos que diminuem a importância do investimento finlandês com o argumento de que serão gerados meros 300 postos de trabalho, garante que serão 8 mil empregos indiretos e US$ 200 milhões anuais injetados na economia uruguaia.
E o mais importante, diz: uruguaios e argentinos poderão continuar comendo os peixes do rio e se banhando nas águas turvas e mornas do Uruguai.
Uruguai x Argentina
MARCELO FLEURY (TEXTOS) E MAURO VIEIRA (FOTOS)/ Enviados Especiais/Fray Bentos
Cinco argentinos e dois uruguaios estão no centro do conflito que ameaça acabar com o Mercosul, mas não parecem preocupados com o motivo: as duas fábricas de celulose que se elevam sobre o Rio Uruguai, no país de mesmo nome.
Um quase dorme. Outro quica uma bola de basquete e a atira em um cesto imaginário (acerta todas, pela comemoração). Quatro se revezam no computador que permite joguinhos na Internet. E o último se surpreende com a equipe de Zero Hora, que chega ao posto de fronteira e pede para atravessar do Uruguai para a Argentina.
- Deixo vocês passarem se me trouxerem um galão de gasolina. Dou o dinheiro - diz o fiscal uruguaio, a fim de obter alguma vantagem (o combustível sai pela metade do preço do lado de lá da ponte) em troca da permissão que concede aos três brasileiros.
Em condições normais, a alfândega integrada ao lado do rio é um raro local movimentado entre duas cidades aparentemente estagnadas no tempo - na uruguaia Fray Bentos e na argentina Gualeguaychú, crianças ainda vão à escola com guarda-pós brancos e grossos laços azuis atados no pescoço.
Bloqueio de pontes já dura mais de 40 dias
Mas as condições não são normais há mais de 40 dias. Argentinos temerosos de que as duas fábricas de celulose contaminem o rio que dividem com os uruguaios bloquearam o acesso à ponte internacional General San Martín, privando os fiscais da aduana do trabalho de fiscalizar. Foram imitados por moradores de Colón, vizinhos da uruguaia Paysandú, e agora só se atravessa de um país para o outro por uma ponte entre Concordia e Salto, mais ao Norte, ou de barco, pelo Rio da Prata.
Os ambientalistas parecem determinados a manter o protesto, mas já discutem a possibilidade de abrandá-lo de alguma forma, talvez liberando parcialmente o tráfego. Sua preocupação com a possível poluição do rio quase dobrou o presidente uruguaio, Tabaré Vázquez. Ele chegou a concordar em pedir à finlandesa Botnia e à espanhola Ence que suspendessem as obras por 90 dias, para a realização de um estudo de impacto ambiental. Foi tão criticado e pressionado pelos que defendem o maior investimento externo já feito no país (US$ 1,8 bilhão), que voltou atrás. O Brasil, enquanto isso, observa o problema sem dar palpite.
Na manhã deste sábado, sob chuva, os manifestantes ainda se revezavam em rodas de mate sob barracas improvisadas no asfalto, mandando voltar os veículos que viessem de um lado ou de outro.
A equipe de Zero Hora pôde seguir até Gualeguaychú, onde constatou a adesão da população à causa ambiental, em adesivos pretos com a frase em branco "No a las papeleras" estampando os vidros dos automóveis. Voltou ao Uruguai (com um galão de gasolina) para comprovar que em Fray Bentos é maciço o apoio às fábricas e que a integração do Mercosul não passa de um aglomerado de boas intenções que se desfaz sob a primeira tempestade. Como papel.
Finlandeses no meio da polêmica
- Juntas, as fábricas de celulose argentinas não produzem nem metade do que uma só dessas duas uruguaias vai produzir. É um monstro - brada o advogado Oscar Vargas, 53 anos, no bloqueio de Gualeguaychú.
De fato, a finlandesa Botnia, que já ergueu 115 metros dos 120 de sua chaminé à beira do rio, produzirá mais de 1 milhão de toneladas de celulose por ano. Será a maior do mundo quando estiver pronta, no segundo semestre de 2007. E o impacto é inevitável. Pode até ser reduzido a níveis imperceptíveis, como a empresa assegura que será, mas vez que outra aquela chaminé que se enxerga do outro lado do rio lançará no ar uma fumaça com cheiro muito ruim de enxofre.
- E não vão pedir documentos a esse cheiro ruim para ele entrar na Argentina - ironiza Vargas.
- Será uma vez por ano somente, e em um raio máximo de 10 quilômetros. E é só o cheiro. A fumaça não faz mal à saúde - responde o engenheiro e porta-voz da Botnia, Bruno Vuan.
De tanto rebater as acusações, ele já tem respostas prontas e rápidas para tudo. A quem diz que a Botnia consumirá em um dia a água que os 23 mil habitantes de Fray Bentos consomem em nove, argumenta que devolverá ao Rio Uruguai 80% dessa água, devidamente tratada. A quem protesta contra os 120 mil hectares de eucalipto plantados em solo uruguaio, diz que ela é obrigada a preservar um hectare de mata nativa a cada dois cultivados (como a outra empresa, Ence, que apenas inicia a terraplenagem). E aos que diminuem a importância do investimento finlandês com o argumento de que serão gerados meros 300 postos de trabalho, garante que serão 8 mil empregos indiretos e US$ 200 milhões anuais injetados na economia uruguaia.
E o mais importante, diz: uruguaios e argentinos poderão continuar comendo os peixes do rio e se banhando nas águas turvas e mornas do Uruguai.